Tribuna Ribeirão
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Eu sofri violência política de gênero! 

Carlos Biasoli *

Esse título pode soar estranho, vindo de um homem cis. Mas, explico: atuo em campanhas eleitorais há quase 30 anos. Recentemente, comecei a refletir sobre meu papel na engrenagem misógina que impede mulheres de ocupar espaços de poder. Em três décadas, nunca havia comandado uma campanha feminina. Este ano, ganhei uma campanha majoritária para um homem (numa cidade pequena), mas perdi a eleição do coletivo feminino Gabinete da Mulher. Essa experiência me mostrou de perto os obstáculos enfrentados por elas.

Quando uma mulher comete um erro na política, por exemplo, ele é usado para desacreditar TODAS as mulheres: “Mas você viu o que fulana fez quando esteve lá?”. Nos homens, o erro é pessoal, não se estigmatiza o gênero. Isso já é, por si, violência de gênero. No meu partido, a direção nacional e municipal se esforçou para promover equidade, investindo em campanhas femininas de maneira exemplar, como assim deve ser. No entanto, alguns atores políticos da sigla – mandantes e paus mandados que em breve ocuparão cargos no governo eleito – mostraram-se sem freio moral, promovendo ataques misóginos contra o Coletivo. Em grupo de mensagem, era habitue comentários desrespeitosos com misoginia e etarismo. E mais, projetos sociais foram manipulados em seus prazos e conteúdo para prejudicar diretamente o Gabinete da Mulher. Quando essas mulheres deveriam ter espaço para falar e agir na pré-campanha e campanha, foram impedidas pelo poder; e o lugar sequentemente foi dado a uma candidatura “default” (homem, branco, heterossexual, comunicador). Entre outras maldades…

O Coletivo foi alvo de difamações e calúnias de figuras que, ironicamente, defendem bandeiras de minorias. Como diz a professora Ruha Benjamin, “nossa negritude e feminilidade (minoria) não são confiáveis se nos permitimos ocupar posições de poder que mantêm o status quo opressivo.” Pergunto-me: qual é o sentido de ocupar cargos em um partido se agimos contra minorias e a favor do status quo?

Peço paciência ao leitor, pois, faço um à parte pouco ao extremo, mas vale o pensamento, já volto com o mesmo raciocínio sequencial: Algumas figuras políticas ribeirão-pretanas foram recentemente elevadas por seus trabalhos, muitos dos quais elogiei e até ajudei a impulsionar. Mas veja, trago uma analogia ao leitor: Silvio Almeida é considerado um dos 10 maiores intelectuais brasileiros vivos, com um currículo invejável. Advogado, filósofo e professor universitário, exerceu o cargo de ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil. Eu já admirava Almeida antes de ele virar hype. Li sua grande obra “Racismo Estrutural” em 2020. Almeida lecionou nos EUA e ocupou posições em universidades que já abrigaram grandes nomes, como o economista Raúl Prebisch, o geógrafo Milton Santos, o jornalista Elio Gaspari, o jurista Roberto Gargarella e a historiadora Lilia Schwarcz. No entanto, se forem verdadeiras as acusações contra ele, Almeida pode ser um predador sexual.

Contudo, ao prefeito eleito, Ricardo Silva, a quem votei no primeiro e segundo turno, adianto: prepare-se, pois o assédio moral correrá à vera em seu governo.

Outra prática comum nos partidos é a “covardia de manada”: militantes apoiam candidatos com estrutura e visibilidade, visando somente em manter seu “cargo” político, “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Eu mesmo apoio deputados bem sucedidos, mas com filtro ideológico. Já o efeito de covardia de manada diretamente beneficia homens e compromete o potencial transformador dos partidos, em todo o espectro político.

Em Ribeirão, a dificuldade de ser eleita é evidente, principalmente ao centro e centro-direita. A esquerda, embora com defeitos tamanhos, não tem esse problema: as únicas três mulheres eleitas para legislatura seguinte, são de esquerda. No centro e centro-direita, as poucas mulheres com votos tiveram apoio de nichos específicos; o eleitorado geral de centro ainda tende a eleger somente homens. Muitas mulheres, mesmo sendo maioria e decidindo parte substancial dos votos dentro de casa, ainda seguem o ordenamento masculino em voga.

Apesar disso, mantenho fé na política altiva, onde o debate público é valorizado e a coragem combativa é inegociável. Contudo, em relação às mulheres, elas seguem quase sozinhas, enfrentando desafios que poucos de nós podem entender plenamente. Por isso, elas merecem mais que respeito – merecem proteção, pois andam com lobos.

* Coordenador de campanha do Coletivo Gabinete da Mulher  

 

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