Tribuna Ribeirão
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O tempo e as ausências 

Edwaldo Arantes *
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No meu último artigo escrevi sobre lembranças associadas aos cheiros, que parecem perpetuar eternamente quando sentimos odores e aromas, expostos a um sentimento atado ao tempo, chamado saudade.

A palavra tem origem latina, “solitatem”, que significa solidão, pode ser encontrada em idiomas românticos como o espanhol, na forma “soledad”.

Nas minhas confusas convicções creio existir um encantamento, algo de mistérios e enigmas na solidão.

O encanto de estar em colóquios e pensamentos, absorto na magia de estar consigo, sem segredos e recolhimentos.

A satisfação em acordar pela madrugada, abrir um livro, sorver um tinto português ou, simplesmente, ficar ouvindo os ruídos silenciosos da noite.

Um gato quizilento, um latido ao longe, a torneira pingando, um ranger das madeiras em estalos tenebrosos.

Passar um café só para ouvir o apito da chaleira, que jamais competirá com o néctar de “Baco”, apenas o equilíbrio na eterna disputa entre a lucidez e o desvario.

O sortilégio de conviver intimamente com seus momentos, ligar a televisão ou o rádio, não prestando nenhuma atenção às imagens, sons e vozes.

Acredito ser saudade a imagem de um trem deixando a estação, um veículo carregando um amontoado de reminiscências desaparecendo na estrada, um par de olhos verdes, tal qual o lenço branco, acenando em despedida.

Momentos onde a solidão e a saudade em seu matrimônio indissolúvel desde o altar, até que a morte os separe.

A saudade é o vazio da ausência, a solidão, o conforto da falta.

Um parente distante, um amigo querido, uma foto, uma pipa sumindo nos céus, uma infância, a mocidade para sempre perdida.

A saudade produz em nossa imaginação os acúmulos do tempo semelhantes a uma sessão de cinema, projetando e refazendo a existência, da tenra infância ao peso da velhice.

Acrescento o cheiro juntamente com a saudade e a solidão, formando um trio, unindo lembranças, vazios e isolamentos.

A fragrância das noites natalinas na casa dos meus tios Lalado e Inhá, a varanda, o jacarandá, o arroz de forno, o eterno “panetone” recheado com frutas cristalizadas.

O silêncio presente do alfaiate, maestro, tio e amigo, com seus óculos, olhar ao chão e o meio sorriso sério.

O lombo assado pela tia Alice, a farofa, o arroz branco, o pão de queijo e todas as iguarias preparadas pelas suas mãos mágicas,  o perfume da cânfora, exalado do laboratório da “Pharmácia Sant’Anna”, com a calma e sabedoria do tio Zezé.

Anos depois, em outros tempos, as ceias na acolhedora casa do Omar e Nilma, onde vivi os Natais e os melhores momentos da minha vida.

A bacalhoada com batatas, cebolas, azeitonas pretas, vinhos, gestos, risadas, confidências e a noite toda embalados na feliz convivência de um tempo bom.

São recordações presentes apenas nas lembranças, tendo a solidão e a saudade como companheiras.

Confuso pelo tinto, penso em um verso do poeta, Augusto Frederico Schmidt.

“Os que se vão, vão depressa. Mais depressa que os pássaros que passam no céu. Mais depressa que o próprio tempo. Mais depressa que a bondade dos homens. Mais depressa que os trens correndo nas noites escuras. Mais depressa que a estrela fugitiva que mal faz um traço no céu. Só no coração do poeta que é diferente dos outros corações, só o coração sempre ferido do poeta é que não vão depressa os que se vão”. Ontem ainda sorria na espreguiçadeira e seu coração era grande e infeliz. Hoje, na festa ela não estava, nem sua lembrança. Vão depressa, tão depressa os que se vão”.

* Agente cultural 

 

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