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No Dia das Crianças, nem tudo é alegria 

Enquanto muitas comemoram seu dia com presentes, números apontam que a violência praticada contra crianças aumentou 30% e SP lidera ranking dos estados 

FOTO 01:  Crimes de violência não letal praticados contra crianças aumentaram 30% no Brasil (Reprodução/Internet) 

Por: Adalberto Luque 

O caso do menino Joaquim levou 10 anos para que o réu fosse julgado e condenado  ( Redes Sociais)

Foi preciso quase 10 anos para que a morte do menino Joaquim Ponte Marques, de 3 anos, morto em 2013, tivesse um desfecho, embora os réus fossem conhecidos há muitos anos. A polícia foi informada sobre o desaparecimento da criança no dia 5 de novembro de 2013. 

O menino morava com a mãe, Natália Ponte, e com seu padrasto Guilherme Longo, no Jardim Independência, zona Norte de Ribeirão Preto. O casal disse que Joaquim não estava em sua cama quando o dia amanheceu e suspeitaram que alguém tivesse entrado na casa e levado o garoto. 

As investigações prosseguiram e, após cinco dias de procura, o corpo de Joaquim foi localizado nas águas do Rio Pardo, em Barretos, a 120 quilômetros de distância de onde morava. Um cão farejador chegou a indicar o caminho da casa da família até um riacho que fica próximo e que desagua no Rio Pardo. 

Não havia sinal de afogamento e a perícia concluiu que uma superdosagem de insulina teria provocado a morte da criança. O promotor acusou Longo de ter jogado o corpo no córrego próximo à casa onde moravam. 

Natália e Guilherme foram presos. Ela ficou pouco mais que um mês presa. Saiu e se mudou para São Joaquim da Barra. Se casou novamente e hoje, além do filho que tem com Longo, é mãe de um casal de gêmeos de um ano. 

Longo obteve liberdade em 2014 e acabou, tempos depois, fugindo para a Espanha, onde foi encontrado e extraditado. Admitiu que havia voltado a consumir drogas quando o garoto morreu. Chegou a confessar o crime em uma entrevista exclusiva para a jornalista Juliana Melani, da Record TV Interior. Mas negou a autoria posteriormente em juízo e sempre alegou inocência. 

Após a realização do mais importante Tribunal do Júri da história de Ribeirão Preto, Longo foi condenado a 40 anos em regime fechado pela morte do menino Joaquim. Natália, a mãe, foi absolvida 10 anos depois do crime. 

Violência aumentou 

Apesar de emblemático, casos como o do menino Joaquim causam comoção, mas não necessariamente contribuem para a queda da violência contra os pequenos. O pesquisador e doutorando em sociologia na Universidade de São Paulo, Cauê Martins, destacou no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 que todos os tipos de violência não-letal contra crianças e adolescentes (negligência, violência física, violência psicológica e violência sexual) aumentaram para patamares ainda mais críticos que aqueles observados antes da pandemia de covid-19. 

Cita o recém-publicado Atlas da Violência 2024, que apurou notificações hospitalares registradas no Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. De acordo com o texto publicado no Anuário, o isolamento social não apenas potencializou a subnotificação da violência doméstica – contexto em que ocorrem a maioria dos casos de violência contra crianças e adolescentes – como exacerbou significativamente, uma vez que, com o confinamento, as vítimas compartilhavam muito mais tempo na presença física de seus agressores, além de reduzir acesso às redes formais e informais de apoio. 

O estudo indica que a faixa etária dos 5 aos 9 anos constitui 35,7% das vítimas e demonstra ser a mais vulnerável aos maus tratos. Em seguida, estão as crianças de 0 a 4 anos, com 25,1% dos casos, demonstrando a dependência direta dos cuidadores que, em muitos casos, são responsáveis pelas agressões.  

Nestas duas faixas etárias, crianças brancas são maioria das vítimas de maus tratos. Todavia, a desigualdade racial é acentuada nas faixas de 10 a 13 e de 14 a 17 anos, quando a violência letal surge com maior intensidade nos casos e as vítimas de morte violenta intencional passam a ser as negras, predominantemente. 

Um ponto abordado por Martins é que a intervenção policial, de acordo com números apurados, é a causa de uma a cada sete mortes violentas de adolescentes no país. Desta forma, o estudo destaca que a violência letal contra crianças e adolescentes ocorrem, em sua maioria, no espaço público com recorte etário e racial. Por outro lado, a violência não-letal ocorre basicamente no ambiente doméstico e, no caso de violência sexual, com recorte de gênero, atingindo mais as meninas.  

Ou seja, a esmagadora maioria dos crimes de maus-tratos contra crianças e adolescentes é cometido por um familiar, em geral onde a vítima reside. Aqueles que têm o dever de cuidar, sustentar e educar são os principais agressores das crianças. 

Em sua edição 2024, o Anuário aponta que, em 2023, houve um aumento de 30% em todos os crimes não letais contra crianças e adolescentes no Brasil, em comparação com o ano anterior. 

 Portadora de transtorno do espectro autista 

No dia 3 de março deste ano, uma mulher foi presa no barraco onde morava, na Avenida Dr. Luís Augusto Gomes de Matos, Jardim Jóquei Clube, zona Norte de Ribeirão Preto. Foi denunciada por sua irmã, por agredir a própria filha, de 3 anos. 

De acordo com o Boletim de Ocorrência (B.O.), a criança é portadora de transtorno do espectro autista e a denunciante informou que a mulher, que tem o barraco instalado ao lado de outros ocupados pela família, teria dito que não quer ser mãe de uma menina. Ela também é mãe de um menino. 

Os policiais militares, que atenderam à ocorrência, encontraram latas de cerveja espalhadas pelo barraco. As crianças foram encaminhadas para uma Unidade de Pronto Atendimento, onde constataram que a menina tinha ferimentos e cicatrizes, demonstrando que era agredida com frequência. 

Os irmãos foram levados para um abrigo. A mãe foi presa em flagrante por maus-tratos, abandono de incapaz e lesão corporal. 

São Paulo lidera 

Este foi mais um entre tantos casos registrados Brasil afora em 2024. De acordo com a Agência Brasil, São Paulo foi o estado com maior número de casos de violência cometidas contra crianças e adolescentes. Os dados foram obtidos em balanço do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania durante o Carnaval de 2024. Foram 1.596 denúncias feitas por meio do Disque 100, serviço do Ministério. 

Em todo o Brasil, o Disque 100 recebeu 3.654 denúncias relacionadas. Se comparados ao número registrado no carnaval de 2024, quando ocorreram 2.370, é possível afirmar que os casos de negligência e maus-tratos aumentaram mais de 54%. 

Violência letal 

Outro ponto preocupante destacado pela Agência Brasil é que houve a retomada do crescimento de vítimas de Mortes Violentas Intencionais (MVI) no Estado de São Paulo. Em 2022, 206 pessoas entre zero e 19 anos morreram no território paulista em decorrência de ações violentas.  

Os dados foram obtidos pelo estudo O impacto das múltiplas violações de direitos contra crianças e adolescentes – Uma análise intersetorial sobre as mortes violentas de crianças e adolescentes no estado de São Paulo de 2015 a 2022, divulgado pelo Comitê Paulista pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, iniciativa da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Justiça e Cidadania. 

“Olhando para o cenário de São Paulo o que nos chama a atenção é que a tendência de queda da violência letal contra crianças e adolescentes, alcançada nos últimos anos, foi interrompida. Quando olhamos para latrocínio, homicídio e lesão seguida de morte, percebemos que os indicadores não diminuíram como estava ocorrendo, permanecendo estáveis. Quando olhamos para mortes em decorrência de intervenção policial, os números, que antes estavam em queda, voltaram a aumentar”, disse Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo, em entrevista à Agência Brasil. 

 Dia das Crianças 

Instituído em 1924 por decreto do presidente Artur Bernardes, o Dia das Crianças ganhou importância a partir dos anos 1950. Foi quando se instituiu a tradição de dar presentes na data em que também é comemorado o dia da Padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, razão pelo qual é guardado feriado nacional. 

Apesar da alegria da data, ainda é preciso muito para fazer com que todas as crianças brasileiras tenham, de fato, o seu dia. Mesmo que sem presente, mas que possam ser tratadas com o carinho e o respeito que merecem. E que a data não seja lembrada 1º de junho, como no país africano de Moçambique. A data celebra o dia em que crianças foram executadas pelos nazistas na segunda guerra mundial. 

Menino Joaquim, morto sem saber a razão 

O assistente de acusação Alexandre Durante: racionalidade de Longo era voltada para o mal, característica vista em poucos casos de repercussão forense  (Alfredo Risk) 

O advogado Alexandre Durante foi um dos personagens mais efetivos, fora do núcleo familiar, no caso da morte do menino Joaquim. Desde o desaparecimento, esteve ao lado do pai da criança, Arthur Paes Marques. No decorrer do processo, tornou-se assistente de acusação. 

“Nesta semana, comemoramos o Dia das Crianças. Tive a oportunidade de atuar talvez no caso de maior repercussão de todos os tempos, que foi o caso do menino Joaquim. Envolvia uma criança de 3 anos, que foi morta sem saber por que estava morrendo”, asseverou. 

O advogado lembra que Joaquim foi acometido por diagnóstico precoce de diabetes severa e que, desde a descoberta da enfermidade até sua morte, precisou de cuidados extras, que ainda se ajustavam, como dose e forma de administrar insulina. 

“Ele havia ficado internado e, por conta dessa internação, dispendeu talvez não só cuidados extremos da mãe, como ciúmes do padrasto, que foi quem teve a oportunidade de pesquisar, de estudar, de manipular talvez a forma e a frieza com a qual ele tiraria a vida desta criança.” 

Durante lembra que Guilherme Longo, padrasto de Joaquim, fez pesquisas sobre formas de administrar insulina e que não seriam pesquisas para ajudar à mãe de Joaquim, mas pensando na morte do garoto. 

“Isso é muito bárbaro, é de uma frieza inquestionável. Demonstra que essa pessoa – se é que se pode chamar o assassino de criança de pessoa -, esse acusado teve uma racionalidade voltada para o mal que em poucos casos de repercussão forense se vê”, aduz. 

O advogado lembra que o padrasto é uma pessoa fria. Tentou driblar a investigação e conseguiu fugir às vésperas de sua captura em São Paulo. De acordo com o assistente de acusação, Longo foi para o Rio Grande do Sul com a certidão de nascimento de um primo, conseguindo passaporte e documentos, fugindo para a Espanha. 

“Percebe-se que esse crime foi revestido de requintes não só de crueldade, como também de frieza e racionalidade, já pensando em uma eventual impunidade. Impunidade essa que, se não fosse pelo auxílio da assistência de acusação, para, através das redes sociais, localizar o Guilherme na Espanha, ele poderia estar vivendo hoje uma vida totalmente impune, fora do alcance da Justiça.” 

Graças a esse trabalho do advogado, foi possível levar o padrasto a julgamento. “Deus, na sua palavra, disse para cuidar das nossas crianças. Isso é bíblico, não sou eu quem estou dizendo. Essa criança teve o auxílio de Deus para que esse assassino cruel fosse localizado e fosse montada toda uma operação para sua captura, extradição e colocar ele no lugar onde deveria.” 

Longo segue preso no presídio de Tremembé, no Vale do Paraíba. “Fica aqui meu registro de ter participado efetivamente, tanto no caso, como principalmente na localização e nos anseios de Justiça, para que um assassino de criança pudesse estar cumprindo pena por algo de tamanha barbaridade”, conclui Durante. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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