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Golpe S.A. 

Ostentando estrutura invejável, organizações criminosas atuam com divisão de tarefas e funções em fraudes como “novo número” e “falso perfil” 

Responsáveis por recrutar pessoas que emprestariam as contas, presos em Ribeirão Preto (Alfredo Risk)

Por: Adalberto Luque 

Wenderson (nome fictício) recebeu uma mensagem por aplicativo em seu celular. Dizia ser seu irmão, que havia trocado o número e que aquele telefone seria o novo contato. Pediu que o salvasse em sua agenda telefônica do celular, excluindo o anterior, que havia sido desabilitado. 

Feito isso, seguiram as trocas de mensagens entre os supostos irmãos. O que havia trocado o número disse que estava com problemas de acesso em sua conta bancária e tinha contas urgentes a pagar. Pediu para o “irmão” transferir, via PIX, diversos valores para algumas contas e que saldaria a ajuda rapidamente.  

A vítima não estranhou, pois, seu irmão estava construindo alguns imóveis. Entre os dias 24 de setembro e 2 de outubro de 2021 Wenderson enviou cerca de R$ 650 mil para as contas corrente indicadas pelo irmão. Até que o golpe foi descoberto. Constrangido por ter caído no ardil do golpista, registrou a ocorrência na Central de Polícia Judiciária (CPJ) de Ribeirão Preto. 

A abordagem é básica: golpista usando falso perfil diz que tem novo número telefônico (Reprodução)

As investigações ficaram sob responsabilidade do Setor Especializado de Combate aos Crimes de Corrupção, Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro (Secold) da Divisão Especializada em Investigações Criminais (DEIC). Logo de imediato, os policiais civis perceberam que se tratava de uma complexa organização criminosa, com várias pessoas envolvidas e funções distintas. 

Operação Embuste 

O golpe não é novidade e vem sendo aplicado em grande escala pelo País. Mas as investigações levadas a cabo pelo Secold conseguiram aprofundar e traçar organogramas e fluxogramas, possibilitando avançar nas investigações e identificar as células que integram o esquema criminoso. 

Em janeiro de 2022, os policiais civis de Ribeirão Preto deflagaram a “Operação Embuste”. Segundo o delegado responsável pelas investigações, Rodolfo Latif Sebba, nesta primeira etapa foram presas 28 pessoas. 

Delegado Rodolfo Latif Sebba conduz investigações que resultaram na prisão de 34 “conteiros” e “intermediários” do esquema (Alfredo Risk)

“Vislumbrou-se, assim, a vinculação de correntistas que ‘cedem’ ou ‘alugam’ suas contas bancárias, com pleno conhecimento do caráter ilícito das operações, de modo que ao se concretizar o ‘golpe’ e o valor a ser creditado, os correntistas providenciam imediatamente os saques ou transferências dos numerários e repassam aos demais integrantes do grupo, mediante o recebimento de uma participação. As pessoas que atuam nessa modalidade são denominadas de ‘Conteiros’. Existem dois tipos de contas usadas pelo grupo criminoso as ‘contas quentes’, em que as pessoas emprestam ou alugam a própria conta para receber o dinheiro, e as ‘contas frias’, criadas pelos criminosos com uso de dados de pessoas falsos ou inocentes”, explicou o delegado. 

Na primeira etapa da operação, foram cumpridos simultaneamente 35 mandados de busca domiciliar e 22 mandados de prisão temporária contra os “Conteiros”, nas cidades de Ribeirão Preto, Araraquara, Barretos, Barrinha, Bebedouro, Caconde, Fernando Prestes, Jardinópolis, Serrana, Embu das Artes, Taboão da Serra e São Paulo. Foram 28 prisões no total. 

Segunda fase 

No dia 11 de setembro, os policiais da Secold realizaram a segunda fase da Operação Embuste, com alvos nas cidades de Ribeirão Preto e Serrana. Segundo o delegado, a partir de análises de estratos bancários, dispositivos móveis e depoimento dos investigados, foi possível identificar as pessoas que recrutavam os “Conteiros”. Chamados de “Intermediários”, esse grupo é responsável por receber o dinheiro dos golpes, já retirada a comissão dos “Conteiros”, e repassar os valores para o alto escalão, também deduzindo sua comissão. 

Na ação, foram presos três homens e três mulheres. Eles foram interrogados e cumprem prisão temporária de 30 dias. Além disso, celulares, outros documentos e equipamentos foram apreendidos para análise posterior. Até agora, 34 pessoas já foram presas pela Polícia Civil 

“A gente ainda não conseguiu encerrar a investigação. Ela é bem ampla, bem complexa. A gente está avançando em alguns pontos. Já conseguimos ouvir muitas pessoas envolvidas. Estamos aprofundando, para que consigamos avançar e entender realmente tudo o que está acontecendo. O objetivo é continuar avançando, quebrando esses dados bancários, rastreando dinheiro, para conseguir chegar na ponta”, explica Sebba. 

De acordo com o delegado, essas pessoas já presas e interrogadas não são as que aplicam os golpes usando perfis falsos e as mensagens por aplicativo. Mas todas serão responsabilizadas criminalmente por estelionato.  

“Há aumento da pena em um terço no caso de golpes praticados contra idosos”, acrescenta o responsável pelas investigações. As penas são iguais para todas as funções desempenhadas pela organização criminosa. 

O delegado acredita que os criminosos comprem informações na Dark Web, parte oculta da internet só acessada por meio de navegadores específicos. No caso do golpista que se fez passar pelo irmão da vítima, os criminosos sabiam que ele estava construindo imóveis. Outra fonte rica em informações são perfis em redes sociais. 

Momento de fragilidade 

Renato (nome fictício), vivia a angústia de esperar pelo resultado de um exame que apontaria se estava ou não com câncer de próstata. Foi quando recebeu em seu celular uma mensagem da filha. “Oi, pai. Mudei meu telefone. O outro estava com problemas. Salva esse número na sua agenda e apaga o outro. Tudo bem com o senhor?” 

Diante do momento difícil que enfrentava, Renato não desconfiou da conversa. Afinal era a foto da filha no perfil com o qual conversava. Escreveu que aguardava o resultado da biópsia. A conversa fluiu por 10 dias. A filha mandava todos os dias mensagens de bom dia e perguntava como estava. 

Então veio a novidade. “Pai, estou com problemas no banco e preciso pagar uma conta de R$ 2.920. Tenho esse dinheiro, mas o gerente ainda não liberou. O senhor pode pagar pra mim” Te passo o boleto. Não está no meu nome, mas é do meu comércio. Assim que liberar, eu transfiro”. 

Imprimiu e pagou no banco, pessoalmente. Depois foi até a lotérica e, enquanto estava na fila, chegou nova mensagem, pedindo para fazer um depósito para um negócio que ela estava fechando. Novamente sem desconfiar, Renato mandou mensagem: “E o negócio de frango frito, não está dando certo?”  

A filha disse que era para abrir outra loja. E lá se foi mais dinheiro sem perceber que ele havia passado mais informações. Renato ainda fez mais uma transação via PIX. No total, foram R$ 6 mil. Mandou mensagem cobrando a filha, dizendo que precisava do dinheiro. Sem resposta, resolveu ligar para o genro e descobriu que foi vítima de golpe. 

Planejamento e organização 

Criminosos compram informações na dark web e, muitas vezes, as vítimas também passam dados importantes na troca de mensagens (Reprodução)

Os golpes do “novo número” e “falso perfil” ocorrem por todo o Brasil. Criminosos esbanjam planejamento e organização minuciosos para que o “negócio” funcione bem.  

Normalmente, apenas os “contistas” acabam presos pelo País afora. O trabalho realizado pelo Secold está entre os mais avançados já realizados. Os policiais de Ribeirão Preto conseguiram ligar as barreiras antes intransponíveis. Já foram duas etapas, com funções distintas. Através de organogramas e fluxogramas, outros participantes já foram relacionados e ligados aos grupos já presos. 

Ainda assim, como Sebba afirma, é preciso aprofundar nas investigações, o que demanda tempo. Afinal, além de descobrir esses elos a princípio intransponíveis – geralmente celulares são o único meio de comunicação entre os vários níveis das organizações – é preciso produzir provas robustas para garantir a condenação dos envolvidos. 

A capacidade de se organizarem fez com que esses criminosos especializados em golpes de estelionato passassem a ter penas mais duras no Código Penal Brasileiro já há algum tempo. No artigo 1º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013, considera-se organização criminosa “a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional”. 

Assim, de acordo com o site JusBrasil, a organização criminosa possui elementos caracterizadores que a diferenciam de meras reuniões de indivíduos para práticas delitivas esporádicas. “A estrutura hierárquica e a divisão de tarefas são pilares que denotam uma maior complexidade e permanência desses entes, o que justifica uma repressão mais severa pelo ordenamento jurídico. E é isso o que vem sendo feito.” 

A Lei 14.155/21 estabelece que o crime de estelionato praticado contra pessoa idosa ou vulnerável, tem pena maior. O uso de meio eletrônico agrava o furto qualificado, com pena de reclusão de quatro a oito anos e multa. Se o ato for praticado contra idoso, a pena é acrescida de um terço ao dobro. E se o site usado para o golpe for hospedado no exterior, a pena tem novo aumento de um a dois terços. 

Ainda assim, o melhor é usar mecanismos, como por exemplo uma senha definida entre familiares, prevendo as situações mais comuns de golpe, para proteger, sobretudo, os de mais idade. Afinal, nem sempre as investigações levam a degraus de hierarquia maiores, como o Secold vem conseguindo. 

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