Tribuna Ribeirão
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Peripécias e milagres nas festas de San Gennaro nas praças de Ribeirão Preto (1983-1995)

*Walkiria Eyre

Dia 19 de setembro, festeja-se Santo Januário ou, San Gennaro em italiano, padroeiro de Nápoles. Ele, sendo cristão, preferiu morrer do que renunciar a sua fé em cristo durante as perseguições do imperador Diocleciano. Como seu corpo ficou insepulto, cristãos conseguiram, com esponjas, absorver um pouco de sangue e o guardaram em frascos. Três vezes ao ano, essas relíquias contendo o sangue do santo, são expostas no altar. No fundo do frasco, aparece uma matéria escura que, de repente, sem nenhuma intervenção humana, se liquefaz em sangue vivo como saído das veias. Este fato, que teve seu primeiro registro em 1389 e se repete até os dias de hoje, é considerado o milagre de San Gennaro.

Para celebrar este Santo, Mário Palumbo, que radiava o programa “SAPORE D’ITALIA”, dirigido à coletividade italiana, resolveu iniciar a festa popular de San Gennaro, cuja primeira edição se deu no dia 17 de dezembro de 1983 com o apoio dos patrocinadores do programa radiofônico. Convidaram-se grupos folclóricos, academias de ballet, bandas musicais, escolas, conjuntos, corais, cantores e músicos.

A partir daí a celebração passou a acontecer todos os anos, contando-se treze edições. É interessante notar que a cada edição, certas peripécias aconteciam, dando aos cristãos a sensação de que lá estava o Santo, cuidando dos fiéis que se reuniam em seu nome.

No advento da primeira festa, que foi em frente à Igreja Santo Antônio, pedimos às autoridades que nos ajudassem. Muito prometeu-se. Pouco se cumpriu, como por exemplo, o fechamento das vias e o auxílio na iluminação. Sem o desvio do trânsito, veículos invadiam o espaço da festa. O Doutor Álvaro Gradim colocou então seu carro atravessado para impedir o trânsito. Um sargento da polícia veio discutir com Mário Palumbo, mas depois deixou as coisas como estavam, e assim pudemos continuar. A Paróquia ficou de emprestar-nos o som. A aparelhagem já estava na porta da igreja quando o grupo do Movimento Carismático, percebendo que uma das barracas dentre as entidades filantrópicas que convidamos, era espírita, à revelia de Dom Rodolfo, retiraram-nos o som. Às pressas, uma pessoa ofereceu-nos alugar o som da casa dela, e assim pudemos tocar a festa.

No ano seguinte veio a 2ª edição. Conta-nos Mário sobre a festa: “a segunda festa foi realizada na frente da Catedral. Como sempre, solicitamos o espaço e a ajuda da prefeitura na iluminação. Como era sábado, não havia possibilidade de pedir que abrissem as torneiras da praça, pois a prefeitura não estava em funcionamento. Tivemos que pedir água para a Catedral. A iluminação foi improvisada por um artesão que se ofereceu para fazer uma gambiarra; subiu no caminhão que serviria de palco, pegou uma escada e fez uma ligação (vulgo gato). De repente, caiu de costas no palco com os fios sobre o peito nu. De imediato arranquei-lhe os fios de corpo, e então o moço levantou como se nada tivesse acontecido. Exclamei: é San Gennaro! Importante notar que, como tudo ficava na praça, ao relento, meu filho Giulio, então estudante do ensino médio, com seus amigos, trabalhavam como voluntários durante todo o período da festa e, à noite, ficavam no espaço fazendo a guarda e vigia dos equipamentos e barracas. A festa já havia pego muito vulto, chegamos a ter umas cinco mil pessoas. A DIRA fornecia um barracão que cobria toda a parte frontal da Catedral. O bispo Dom Romeu Alberti apoiava a festa e se divertia conosco ao som das músicas italianas, tarantelas, pizzas e da deliciosa macarronada providenciada por Dona Margarida, minha esposa. Escolas de ballet ornamentavam as festas com as crianças bailarinas, entre as quais figurava minha filha Giuliana, então com 8 anos.”

Em ocasião da 3ª festa de San Gennaro, Ribeirão Preto recebe calorosa carta do Arcebispo de Nápoles, Cardeal Conrado Ursi. A 4ª festa ganhou mais dias, realizando-se em 18, 19, 20 e 21 de setembro de 1986. Mário recorda interessante fato desta edição: “os pintores Arnaldo Mulin e Antônio Guarino presentearam a festa com o quadro de San Gennaro, que durante a festa ficava pendurado na porta da Catedral. O padre Gilberto Kasper apoiava muito este evento. A um certo ponto da festa começou a ventar forte e o quadro, que é relativamente grande, estava balançando. Embaixo dele, sentada no chão, havia uma mendiga com uma criança no colo. Preocupado com a possível queda do quadro que poderia atingir mulher e criança, pedi para o amigo senhor Rocco Galati, que fosse verificar. De repente, o quadro despencou, mas o vento fez com que ele aterrissasse para dentro da igreja sem bater na mendiga com a criança. Exclamei: é San Gennaro!”.

A festa passou também pelo centro da cidade em sua 11ª edição no ano de 1993, quando se deu na frente do Teatro Dom Pedro II, com o aval do saudoso empreendedor Roberto Jábali, o qual depois tornou-se um grande prefeito da cidade de Ribeirão Preto, inclusive sendo o responsável pela reforma e reconstrução do teatro.

Houve sempre a presença de amigos de outras cidades, e Mário relembra: “em uma das festas, tivemos a presença dos organizadores da festa de San Gennaro no bairro da Mooca em São Paulo. Eles nos disseram que a nossa festa era mais bonita do que a deles, isso, ao meu ver, porque aqui o ambiente arborizado das praças transmitia mais vida, enquanto que a festa da Mooca é em meio a prédios, sem natureza”.

O evento suscitou tamanho entusiasmo que, por intermédio de leis municipais a festa foi oficializada por iniciativa do vereador Antônio Marcos Borges de Oliveira em 18 de junho de 1985 e duas vias públicas ganharam as denominações “Rua dos Italianos” e “Rua San Gennaro” por iniciativa do vereador Valdemar Corauci Sobrinho. Além disso, a comemoração se estendeu para as cidades de Batatais e Franca.

Somos gratos pela a oportunidade de celebrar a fé cristã de modo tão belo nas praças da cidade. “Viva San Gennaro!”.

 

*Walkiria Eyre
Engenheira Eletricista pela UnB e Arquiteta pelo Instituto Internacional de Praga na República Tcheca.

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