Por: Adalberto Luque
A executiva de cartões de crédito corporativos Carla Regina Reis estranhou um e-mail da operadora de seu plano de saúde. “Disseram que a mensalidade do mês anterior não havia sido paga e que se não fosse regularizada, meu plano de saúde seria cancelado.”
Carla procurou as contas pagas e encontrou o boleto. Mandou por e-mail para o plano de saúde, informando que o pagamento havia sido efetuado. Recebeu como resposta que aquele boleto não era relativo ao plano de saúde. Era um boleto falso.
“Tinha todos os meus dados, as informações do plano de saúde. Apenas no código de barras é que direcionava para outra conta. Fui induzida ao erro”, lamenta.
Entre idas e vindas negociando, Carla acabou perdendo o plano de saúde, mesmo tendo pago a parcela em atraso. O plano entendeu que o prazo já havia espirado. Teve que migrar para outro plano, sendo obrigada a cumprir carências.
Registrou boletim de ocorrência, mas não descobriu efetivamente como ocorreu o vazamento de dados. Uma das possibilidades é ter vazado do próprio plano de saúde. Outra é que, morando em condomínio, a correspondência pode ter sido desviada e substituída pelo falso boleto. “Hoje prefiro entrar nos sites oficiais para baixar os boletos”, revela Carla.
Vítimas são quatro a cada 10 pessoas
De acordo com o “Relatório de Identidade Digital e Fraude 2024”, quatro em cada 10 pessoas já sofreram fraude no Brasil (42%). Desses, 57% tiveram perda financeira de R$ 2.288 em média, ou seja, quase um mês e meio de trabalho de quem ganha um salário-mínimo. Já para as empresas, a preocupação sobre a recorrência de golpes aumentou 58% em um ano.
O “Relatório de Identidade Digital e Fraude 2024” foi desenvolvido pela Serasa Experian, datatech líder em soluções de inteligência para análise de riscos e oportunidades, com foco nas jornadas de crédito, autenticação e prevenção à fraude. “O avanço tecnológico é um ganho irrefutável para todos, mas, na mesma medida, os criminosos também se aprimoram para aproveitar as brechas dos consumidores, além dos sistemas que as empresas eventualmente deixam. Tanto consumidores quanto empresas devem estar vigilantes e utilizar todas as ferramentas disponíveis para proteger suas informações e transações. Por não existir uma bala de prata que blinde toda e qualquer transação, apenas a proteção em camadas é capaz de garantir a segurança de todos. Alguns exemplos são a biometria facial, a análise de risco de dispositivo, a verificação de documentos, o Cadastro ‘Know Your Costumer’ (KYC), entre outros. O monitoramento contínuo, a autenticação multifator e o uso inteligente das tecnologias são essenciais para garantir a integridade das operações, o crescimento sustentável dos negócios e, ao mesmo tempo, prevenir fraudes”, explica o Diretor de Autenticação e Prevenção à Fraude da Serasa Experian, Caio Rocha.
De acordo com o relatório, entre os tipos de golpes mais relatados pelos consumidores o “uso de cartões de crédito por terceiros ou cartão falsificado” lidera o ranking com 39%. Os entrevistados também disseram que 26% das fraudes sofridas aconteceram em 2022 e 31% antes disso.
Em relação às diligências vivenciadas em 2023, 10% foram no primeiro trimestre, 9% no segundo e 15% no terceiro. Ainda de acordo com dados do estudo, após sofrer uma fraude, 87% dos ouvidos pelos pesquisadores disseram que a preocupação com o tema “aumentou”. O percentual vai para 91% quando considerado o recorte de pessoas que tiveram perda financeira.
Perfil
Segundo a pesquisa, do total de 42% das pessoas que sofreram fraudes, o percentual cresce mais na classe B, onde o mesmo índice atinge 46%; e diminui na classe C, que apresenta índice de 35% das pessoas se identificando como vítimas de golpes. Rocha explica que “os criminosos visam brasileiros com maior poder aquisitivo para ampliar seus ganhos, mas a fraude ocorre em qualquer faixa de renda”.
Quando observadas as diferenças do índice por faixa etária, o estudo registrou que os 50+ aparecem com o maior índice de fraude (48%). Não há diferenças significativas entre as regiões do Brasil, mas há um índice maior de vítimas no interior (46%) do que nas capitais e regiões metropolitanas (40%), de acordo com dados obtidos pela Serasa Experian.
Investindo em segurança
O executivo de vendas por meios eletrônicos que pede para não ser identificado explica que, no setor de máquinas de débito e crédito, os golpes caíram sensivelmente. Ele reforça que as empresas que fornecem as máquinas de débito e crédito estão aprimorando constantemente a segurança nas negociações.
“Até o ano passado, havia muita fraude, principalmente no ‘link de pagamento’. O suposto cliente efetuava uma compra e pedia um link de pagamento. Fazia o pagamento com um cartão de crédito irregular, ou clonado, ou furtado, e, depois de receber a compra, o dono do cartão acabava cancelando o pagamento, indicando que não havia feito a negociação. E o prejuízo, invariavelmente, caía nas costas do empresário que tinha vendido. Em 2024 não tive conhecimento de nenhum caso na empresa onde sou gestor”, explica.
O Relatório de Identidade Digital e Fraudes 2024” também ouviu empresários sobre golpes. Em 58% das empresas entrevistadas, a preocupação com esse tópico aumentou entre 2022 e 2024. Nas grandes empresas, esse índice sobe para 68%.
Em relação ao crescimento geral da preocupação sobre fraudes, o levantamento indicou que houve impacto na previsão orçamentária das empresas entrevistadas, mudando a prioridade dos gastos com fraude do quinto lugar em 2022 para o terceiro em 2024.
Ao sofrerem algum tipo de tentativa de fraude, as empresas demonstraram preocupação com questões relacionadas à segurança da informação, principalmente, ao “Vazamento de Dados de Clientes” (49%) e “Perdas Financeiras” (48%), seguidos por “Vazamento de Dados Próprios” (39%), “Inadimplência” (35%), “Roubo de Informações Estratégicas” (34%), “Fraude de Identidade” (28%) e, por último, a “Perda de mercadorias” (16%).
Estelionatos virtuais superam roubos
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, editado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2024 os estelionatos cresceram e superaram roubos, fortalecendo o crime organizado. Entre 2022 e 2023, os estelionatos por meio virtual subiram 13,6%; o total de estelionatos cresceu 8,2%; e, ainda, os furtos de celulares oscilaram 0,7% para cima. Na ponta oposta, chama atenção a forte queda no registro de roubos a bancos e demais instituições financeiras, de quase 30% no mesmo período, seguidos dos roubos a estabelecimentos comerciais (-18,8%).
Anda de acordo com o anuário, esse crescimento encontra sustentação no baixo investimento em segurança digital, abrindo brechas que ajudam a compreender os números de golpes virtuais. O crime tem explorado as novas fronteiras sociais e econômicas de modo cada vez mais rentável e inovador.
“Enquanto o espaço físico potencializa riscos e limita a quantidade de vítimas possíveis, o mundo virtual permite o escalonamento da ação delituosa e, consequentemente, o lucro do criminoso”, conclui o Anuário.
Estudo produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública para o Grupo Esfera sobre Crime Organizado mostra um quadro de enfraquecimento das Polícias Civis, que geram taxas muito baixas de esclarecimento de vários crimes patrimoniais e de punição de seus autores.
“É necessário reconhecer que, não obstante meritórios esforços localizados, as polícias estaduais no Brasil não possuem uma capacidade de resposta minimamente razoável para o enfretamento ao novo cenário dos crimes patrimoniais”, conclui.
Conclusões do relatório Serasa Experian
– 62% das pessoas dizem estar dispostas a pagar mais caro em uma marca que lhes ofereça menor possibilidade de serem vítimas de fraude online;
– 86% dos usuários têm expectativas de que as instituições adotem as medidas necessárias para protegê-los dos golpes;
– 58% das empresas disseram estar mais preocupadas com a fraude neste momento do que estavam há um ano – e 65% das grandes empresas agora investem mais em prevenção;
– 75% das instituições acreditam que é essencial ter mais de uma camada de proteção/solução contra fraudes.
Entre tipos de fraudes que mais preocupam, o uso de cartões de crédito por terceiros ou falsificados lidera o ranking com 39% das opiniões, seguido por fraude financeira (como boleto falso ou PIX), com 32% e, em terceiro, vem a prática do phishing (fraude vinda a partir de fonte aparentemente confiável), com 21%. Depois seguem invasão de contas de banco ou redes sociais (15%), vazamento de dados (11%) e documentos roubados ou falsificados (5%). De qualquer forma, todo cuidado é pouco para tentar evitar ser vítima do crime que mais cresce no mundo: estelionato virtual.