Tribuna Ribeirão
DestaqueGeral

Tecnologias digitais moldam o novo brincar infantil 

Pesquisa da USP revela que crianças apresentam dificuldade em brincar sozinhas em ambiente físico; alerta para os riscos à criatividade e à saúde  

Pesquisa da USP revela que crianças apresentam dificuldade em brincar sozinhas em ambiente físico; alerta para os riscos à criatividade e à saúde  (Alfredo Risk)

Adriana Dorazi – especial para o Tribuna
*com informações do Jornal da USP

Quem tem filhos, netos, sobrinhos na família já percebeu que o jeito das crianças brincar mudou! As novas tecnologias digitais impactam diretamente nas atividades lúdicas, ocupação essencial para o pleno desenvolvimento dos pequenos. Essa é a constatação de estudo recente, conduzido por especialistas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP). A pesquisa explorou o impacto de smartphones, tablets e computadores em crianças em idade escolar, revelando que a internet tem inspirado e moldado as brincadeiras reais.

Entre os achados, os pesquisadores confirmaram a intensa participação das crianças em plataformas digitais, especialmente YouTube, TikTok e Whatsapp, consumindo jogos, danças, humor e comédia, numa clara preferência pela diversão. Essa nova configuração de entretenimento também evidencia a falta de segurança a que elas estão expostas, além do comprometimento da criatividade.

A pesquisa avaliou a interação entre o virtual e o físico nas atividades recreativas de 14 crianças, sete meninos e sete meninas, de 8 a 12 anos de idade, moradoras de Ribeirão Preto. O objetivo, segundo Sophya de Lima Domingos, estudante do curso de Terapia Ocupacional da FMRP que trabalhou sob orientação da professora Amanda Mota Pacciulio Sposito, foi investigar como a experiência nos ambientes digitais influencia as brincadeiras. As pesquisadoras coletaram dados sobre os hábitos de consumo digital e de recreação das crianças.

Diminuição da criatividade e aumento de riscos à saúde
O estudo mostra que as crianças usam a tecnologia como entretenimento quando estão sozinhas, comportamento que evidenciaria não só a integração do digital na recreação infantil, mas também a versatilidade dessas tecnologias na ocupação do tempo livre das crianças, “diminuindo a criatividade para desenvolver brincadeiras individuais na vida real”.

As crianças relataram dificuldade em brincar sozinhas em ambiente físico. Como o brincar “proporciona uma saída para o tédio através de criações imaginativas”, o uso intensivo de dispositivos eletrônicos contemporâneos pode explicar essa dificuldade, já que “as crianças estão habituadas ao consumo de conteúdo lúdico, passivo e pré-fabricado”, alerta a pesquisadora.

Quando falam sobre as brincadeiras com pares, as crianças até citam possibilidades na vida real, mas as menções aos jogos on-line são maiores, “reforçando a persistente interconexão entre o ato de brincar e as plataformas digitais”. Com tanto tempo na frente das telas, surgem as questões de segurança à saúde emocional e física delas.

Entre essas questões, Sophya destaca os desafios perigosos e as “trollagens” da internet que os participantes da pesquisa afirmaram replicar como forma de brincadeira. São atividades que em geral são apresentadas de maneira lúdica ou como jogos, “muitas vezes sem que os participantes tenham plena consciência dos possíveis danos envolvidos”, lembra a acadêmica.

Sentimentos de estresse e frustração também apareceram na pesquisa, principalmente ao participarem de jogos, fato que as pesquisadoras avaliaram como pressão que pode provocar respostas emocionais intensas, com agressividade, tristeza e hostilidade. Encontraram ainda incidentes de cyberbullying (uso de tecnologias para comportamentos hostis).

Brincar se tornou experiência híbrida
Apesar dos perigos, as atividades virtuais podem ser benéficas. As crianças relataram que os conteúdos on-line frequentemente inspiram suas brincadeiras no mundo físico. Desde criar brinquedos caseiros inspirados em jogos virtuais até reproduzir cenas de suas animações favoritas, o brincar se tornou uma experiência híbrida que mescla elementos digitais e tradicionais.

Assim, as crianças não apenas consomem, mas também produzem conteúdo para a internet. Essa atividade de criação, porém, “embora muitas vezes documente atividades lúdicas da criança e pareça inocente, revela uma preocupação com o engajamento e a resposta social que o conteúdo pode gerar”, alerta Sophya, lembrando que as crianças não possuem senso crítico desenvolvido quanto aos potenciais perigos da exposição de sua imagem pessoal.

Quanto à busca de tecnologia para compensar a solidão, por mais preocupações que ofereça aos responsáveis e à sociedade, é vista também como uma maneira da criança “mitigar a solidão e experimentar conexões virtuais que complementam suas interações face a face”, informam.

Desenvolvimento infantil e as tecnologias digitais
Mesmo com limitações, reconhecidas pelas pesquisadoras, o estudo inovou ao ouvir diretamente as crianças e obteve resultados que podem ajudar profissionais de saúde e educação a reconhecer o impacto das tecnologias no brincar contemporâneo.

Mais estudos precisam ser feitos tanto para compreender quanto integrar as tecnologias digitais no desenvolvimento infantil. As pesquisadoras afirmam ser importante verificar como a moldagem do brincar pelas plataformas digitais “pode ajudar na criação de estratégias educativas e de intervenção que promovam um equilíbrio saudável entre o mundo virtual e o mundo real”. 

Para Sophya e Amanda, mais que incentivar novas pesquisas, os resultados deste estudo mostram que é essencial que pais e profissionais estejam vigilantes quanto ao conteúdo acessado pelas crianças.

Telas também podem aumentar obesidade

Professor Hugo Tourinho: “Internet e tecnologia devem ser usados com limites, não há como fugir dessa nova realidade” (Divulgação)

Ficar tempo demais nas telas representa outro risco para as crianças: aumento da chance de desenvolver obesidade. Apesar das telas e internet oferecerem conteúdo educativo, a preferência é entretenimento, horas a fio, todos os dias. O professor Hugo Tourinho, Doutor em Educação Física, atual Diretor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP/USP), realiza trabalho que busca combater esse perigo.

A pesquisa é desenvolvida no Laboratório de Mídia Interativa e Exercício Físico. O objetivo é usar os exergames – videogames que exigem esforço físico maior quando comparados com os videogames tradicionais – para investigar diversos parâmetros que envolvem a qualidade de vida de crianças e adolescentes, com especial atenção aquelas acometidas pela obesidade.

Em conjunto com outros departamentos, o laboratório já permitiu constatar que esses exergames são ferramenta fundamental de combate ao sedentarismo e envolvimento social com toda a família, melhorando a autoestima e bem-estar dos jovens. “Há riscos, mas também há benefícios no uso das telas para crianças e jovens. Nem sempre a tela é vilã. É igual o fogo, quando foi descoberto ajudou muito as populações, mas se mal-usado pode destruir toda uma comunidade e ao redor. Internet e tecnologia devem ser usados com limites, não há como fugir dessa nova realidade”, afirma.
 

 

 

Postagens relacionadas

Câmara absolve vereadores do PR

Redação 1

Leleco cita ‘página virada’ e pede apoio da torcida do Comercial em forte Série A3 

Redação 2

Quatro CNHs são suspensas por dia em Ribeirão

Redação 1

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com