Tribuna Ribeirão
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Rádio e eleições  

Luiz Paulo Tupynambá * 
Blog: www.tupyweb.com.br 
 
Sempre trabalhei nas eleições, desde 1982, como um profissional de comunicação. Pode parecer esquisito, mas a verdade é que na maior parte delas, trabalhei para candidaturas que não seriam exatamente minha primeira ou segunda opção de voto naquela eleição. Mas, profissionalmente tem que jogar onde o destino designa. Carrego uma pequena tristeza com esses trabalhos, pois nunca tive oportunidade de trabalhar diretamente na produção de programas de rádio. Mas sei da importância capital dele em uma eleição. Uma confissão que faço aqui: entre as áreas de comunicação profissional, a minha primeira e verdadeira paixão, daquelas do tipo vício incurável, tatuagem no coração, é o rádio.  
 
O rádio forjou os primeiros elos da corrente de comunicações que entrelaça o mundo. Junto ao cinema (mudo), foi a fonte de entretenimento extremamente barato para a massa operária das fábricas do hemisfério norte. Durante décadas no início do século XX, as indústrias incorporaram milhões de trabalhadores migrantes das zonas rurais empobrecidas da Europa e dos Estados Unidos que haviam migrado para as grandes cidades em busca de trabalho. Ouvir rádio à noite como forma de lazer e informação gratuita passou a ser parte cotidiana da vida dessas pessoas. 
 
Aqui abro um parêntesis para destacar a incorporação, pela primeira vez na História, da emoção nos meios de comunicação de massa, coisa só vista em locais de audiência limitada como os teatros e concertos públicos. No cinema as expressões dos atores, que hoje classificaríamos como caricatas, eram reforçadas para substituir a falta de som. No Brasil as radionovelas surgiram na década de 50. A primeira delas foi “Em Busca da Felicidade”, veiculada na Rádio Nacional, mas já eram populares no mundo: “Nos Estados Unidos, as “radio plays” eram transmitidas desde a década de 1920 … e contavam histórias emocionantes, envolvendo personagens fictícios e situações variadas… todas compartilhavam a característica de serem exclusivamente transmitidas pelo rádio, cativando a imaginação dos ouvintes”. (¹) 
 
Os anos 30 trouxeram a descoberta da força descomunal que tem o rádio como forma de convencimento político. Nos anos 30, Roosevelt mantinha um programa noturno quase diário chamado “Conversa ao pé da lareira” para falar aos estadunidenses. Mussolini usava o rádio diariamente na Itália. Adolf Hitler, na Alemanha, incentivado por seu comunicador Joseph Goebbels, transformou o rádio e seu poder de difusão imediata das palavras numa arma poderosa de arrebatamento de multidões com o uso dramático do microfone. Goebbels descobriu que não há racionalidade que supere a manipulação das emoções primárias quando se trata de convencer as massas populares. Mensagens que usam a linguagem comum e popular, carregadas de dramaticidade teatral, despertam a manifestação dos sentidos primais, galvanizam o público e o colocam na direção desejada. Pena que esse conhecimento todo foi usado para criar o maior crime contra a Humanidade da História. 
 
Para nossa sorte, o rádio foi sempre usado com bom senso em outros lugares. Criou os primeiros fenômenos musicais nacionais e semeou o nascimento das primeiras gravadoras e selos musicais. Cantores, cantoras e bandas musicais deixaram o limite dos auditórios apertados para serem conhecidos mundo afora. O que seria da propaganda hoje sem os ‘jingles’ e os ‘slogans’ cantados ou falados por vozes ‘melodiosas’? Será que teríamos Nelson Gonçalves, Inezita Barroso, Tom Jobim, tropicalismo, Chicos e clubes musicais da esquina? E Sinatra, Beatles, Tina Turner, Bee Gees, Madonna e Beyoncé? 
 
Sem o rádio, como você faria para saber se o trânsito perto da escola de sua filha está parado ou desviado? O metrô está em greve? Levo guarda-chuva ou não? E o Corinthians ganhou ou perdeu ontem à noite? Qual é mesmo aquela rádio que só toca anos 80? Opa, o contrafilé naquele supermercado está barato, vou passar lá depois do trabalho.  
 
O rádio está presente no dia-a-dia de quase todos nas cidades pelo mundo afora. Não é diferente aqui do que é em São Paulo, Nova Iorque e Londres. É pelo espelho imaginário que o rádio nos proporciona que nos aproximamos dos acontecimentos urbanos e identificamos os signos de nossa comunidade, mesmo nesses tempos de internet. E não importa se o rádio do seu carro está desligado. Logo você encontrará alguém da rádio peão no ambiente de trabalho. Se você usa transporte urbano, com certeza vai escutar a rádio colega, aquela que a senhora da sacola roxa lá na frente se vira e grita no meio do busão lotado: “oh, colega! Você ouviu na rádia o que o fulano falou?” A senhora de vestido amarelo sentada a seu lado ajeita os “bobs” e responde: “craro que ouvi, ué”. A vida urbana nos afeta mais do que qualquer vídeo ou publicação no Instagram. Nunca releguei o rádio como mídia de segundo plano em uma eleição, ainda mais se é uma eleição local.  
 
Por isso a ascensão do Datena nas pesquisas eleitorais em Sampa e a confirmação de favoritismo aqui de um candidato deputado, com mais de dez anos de horário diário no rádio não me surpreendem. Desde 1964 a cidade tem história em eleger candidatos radialistas. Se você está trabalhando em uma campanha eleitoral municipal, não deixe o rádio de lado. Você estará se arriscando a comer poeira quando as urnas forem abertas. 
 
* Jornalista e fotógrafo de rua 
 
¹ Fonte: História do Rádio no Brasil: Fonte: Radionovelas: a era de ouro do rádio brasileiro. 

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