Por Adalberto Luque
Rafaela Bianca da Silva, de 16 anos, havia acabado de sair da escola, em fevereiro deste ano. Estava no terminal de ônibus e, assim que o coletivo chegou, se preparava para subir quando alguém à sua frente deixou um cartão bancário cair e atrasou o embarque dos demais.
Ela não sabe se foi a deixa para agirem ou coincidência. Mas um homem que estava a seu lado abriu sua mochila, apanhou o celular e saiu correndo. “Ele pegou sem eu perceber, abriu minha mochila e correu”, lamenta Rafaela.
O prejuízo foi de R$ 3 mil. Apesar do susto, ela se lembrou, ao chegar em casa, de bloquear o aplicativo de sua conta bancária. O ladrão ficou apenas com o aparelho. “E meus arquivos de música, que não puderam ser recuperados”, lamenta.
Rafaela registrou a ocorrência através do site da Polícia Civil. Recuperou a maioria dos contatos e passou a usar um celular bem mais barato, que era de sua mãe, para não ficar sem o aparelho. “Não vale a pena celular caro”, conclui.
Oportunidade
O caso de Rafaela reforça a tese do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024: o roubo e/ou furto de celular é um crime de oportunidade, com a polarização destes equipamentos e elevado valor agregado, se tornou bastante rentável para o crime.
O celular oferece uma série de oportunidades para criminosos. O mais cobiçado é poder acessar dados bancários e esvaziar contas e aplicações, pois o aparelho carrega não apenas a vida social de seu dono, como também a financeira.
Mas existem outros caminhos. Um deles é vender aqui mesmo no Brasil. Por mais que haja bloqueio e outros procedimentos tecnológicos, há criminosos especializados em romper essas barreiras e “esquentar” aparelhos nas mãos de receptadores. Nunca é demais lembrar que, quem for pego com um celular sem procedência, mesmo que sem saber, pode responder por crime de receptação.
Há também o mercado de peças de reposição, altamente vantajoso, afinal o celular é um bem de consumo com custo elevado. E, muitas vezes, consertar o aparelho danificado é melhor que trocar.
E, entre outras nuances do crime, a Polícia Federal tem combatido quadrilhas que subtraem celulares nas ruas do Brasil para vender em países da África, como Angola, Guiné-Bissau, Senegal e Nigéria. Lá o bloqueio não funciona e os aparelhos podem ser vendidos e utilizados normalmente – a menos que o novo dono venha para o Brasil e acabe sendo rastreado pelas autoridades daqui.
Mais de um por habitante
De acordo com levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas, o Brasil tinha, em maio de 2024, 258 milhões de smartphones, o que dá 1,2 aparelho por habitante.
Com tanto celular disponível, o cerco aos criminosos se torna mais efetivo. Em dezembro de 2023, o Ministério da Justiça e Segurança Pública criou o programa “Celular Seguro”, um aplicativo onde é possível cadastrar o aparelho e, em caso de furto ou roubo, bloquear e disparar informações para bancos e operadora.
No Piauí, o projeto “Recuperação de Celulares” uniu a Polícia Civil daquele estado ao Judiciário, criando um protocolo permitindo que uma única investigação concentre centenas e até milhares de aparelhos, não necessitando procedimento para cada equipamento roubado. De acordo com o governo do Piauí, cerca de 6 mil smartphones já foram recuperados.
Preferências
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, ruas e avenidas foram onde ocorreram 78% dos roubos de celulares e 44% dos furtos. Em seguida, aparecem estabelecimentos comerciais, financeiros e residências, com 14% e 13% das ocorrências, respectivamente.
Quando há grandes eventos, como shows, desfile de blocos de carnaval ou eventos que reúnam multidões, um grande número de criminosos aproveita os momentos de descontração para agir. Foi o que ocorreu após um evento de rodeio realizado no final de abril deste ano no Parque Permanente de Exposições, zona Norte de Ribeirão Preto, quando um carro foi parado pela Polícia Militar Rodoviária (PMRv) em Limeira e o motorista foi flagrado com diversos aparelhos. Confessou que havia furtado durante o evento em Ribeirão Preto.
No Estado de São Paulo, o Anuário constatou que 71,4% dos furtos ocorreram nas vias públicas, um número bem maior do que o registrado pelos demais estados. Furtos e roubos de smartphones ocorrem com maior frequência em cidades com população superior a 500 mil habitantes, caso de Ribeirão Preto, onde uma a cada quatro pessoas tem o celular levado pelos bandidos. Incidência seis vezes maior que em cidades pequenas.
A marca preferida pelos ladrões é a Samsung, com 37,4% dos aparelhos subtraídos, seguida por Apple com 25%, Motorola com 23,1% e Xiaomi com 10%. Apesar de responder a apenas 10% do mercado, os iPhones fabricados pela Apple registram um roubo ou furto a cada quatro aparelhos e, de acordo com o Anuário, talvez por ser uma marca com smartphones mais caros, correm mais riscos de serem levados por criminosos em relação a outras marcas.
Em outubro de 2023, um homem foi preso em sua casa, no Parque dos Lagos, zona Leste de Ribeirão Preto. Segundo a Polícia Civil, ele tinha um laboratório especializado em desbloquear iPhones. Embrulhava os aparelhos em papel alumínio e cortava o sinal de localização até desbloquear o celular, que depois era revendido. Vários aparelhos foram apreendidos na operação.
Regionalizando
No ano passado, 937.294 celulares foram subtraídos no Brasil. Quase metade dos casos, 425.554 ocorreram no estado de São Paulo. E 2.082 foram levados em Ribeirão Preto. No ranking das 50 cidades brasileiras com mais celulares subtraídos, 15 são paulistas. Ribeirão Preto não figura entre essas cidades.
Em 2024, foram furtados ou roubados em Ribeirão Preto 1.536 aparelhos, 10 a cada dia, entre janeiro e maio. Os dados foram pesquisados pelo Tribuna Ribeirão junto à Secretaria de Segurança Pública (SSP). O número no período, todavia, é 26,23% menor do que de janeiro a maio de 2023. Ainda assim, é bastante elevado.
Em 2023, nos cinco primeiros meses, a região dos Campos Elíseos (zona Norte), atendida pelo 2º Distrito de Polícia (DP), foi a que mais casos de furto e roubo de celulares registrou. Foram 478 no período. Somente em abril do ano passado, foram 198 ocorrências. Este número caiu 50% em 2024, quando ocorreram 98 casos.
O período se justifica por ser o mês em que ocorre um grande evento no Parque Permanente de Exposições, o antigo Recinto da Feapam, no Jardim Jóquei Clube, zona Norte, área também atendida pelo 2º DP. Uma multidão compareceu e, em momentos de distração, muitos ficaram sem o aparelho. O Parque Permanente de Exposições e seu entorno é a região onde mais ocorrem roubos e furtos de celulares em Ribeirão Preto.
O segundo endereço mais frequente é o entorno da Estação Rodoviária da cidade, na Avenida Jerônimo Gonçalves. Dependendo de onde ocorre o furto, o caso é registrado no 1º DP (Centro) ou no 3º DP (Vila Tibério). A Rodoviária fica no limite das duas delegacias.
Depois dos Campos Elíseos, três delegacias se alternam entre as com mais roubos e furtos de celular: 3º DP, 4º DP (zona Sul) e 5º DP (região do Ipiranga, zona Norte). Em 2024, o 3º DP figura em segundo lugar, com 288 casos, seguido pelo 5º DP com 223 casos e pelo 4º DP com 219 casos. Mas em 2023 o 4º DP ficou em segundo lugar com 334 casos de janeiro a maio, seguido pelo 3º DP com 329 e o 5º DP, com 296 ocorrências.
Por ser um crime de ocasião, as Polícias Civil e Militar procuram investigar e combater, mas a prevenção passa, obrigatoriamente, pelos donos dos aparelhos. Afinal, são muitas informações lá disponíveis. Além da oportunidade, são crimes suscetíveis a variáveis como local, horário, poder de compra das vítimas e tipo de dispositivo. Atraem cada vez mais criminosos por conta dos estelionatos e golpes virtuais, pois muitos dos usuários não têm cuidados básicos de segurança, como senhas fortes e outros acessórios que dificultem o acesso de criminosos. Sem contar a baixa capacidade do Estado em investigar tais ocorrências e punir os criminosos. Todo cuidado é pouco.
Diminuição ocorreu em todo o Estado, diz SSP
A Secretaria da Segurança Pública avaliou a redução de casos de roubo e furto de celulares em Ribeirão Preto e no Estado. “A SSP trabalha permanentemente para coibir os crimes patrimoniais, incluindo roubos e furtos de celulares. A cooperação entre as polícias Civil e Militar resultou em uma redução de 25% desses crimes em Ribeirão Preto nos primeiros cinco meses de 2024, comparado ao mesmo período de 2023. Os resultados positivos foram obtidos pela ação integrada e contínua das forças de segurança paulista e a operações específicas, voltadas ao combate destas modalidades criminosas, incluindo os receptadores. De janeiro a maio deste ano, o Estado registrou uma diminuição de 21,2% de crimes desta natureza em relação ao mesmo período do ano anterior.”