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Equação macabra: bebida + direção = morte 

Mesmo após 16 anos de Lei Seca, motoristas e motociclistas insistem em beber e dirigir 

Motorista embriagado invadiu posto de combustíveis, derrubou bomba de abastecimento, entrou em loja de conveniência para comprar mais cerveja e foi embora; no detalhe, latas de cervejas encontradas no interior do carro  (Alfredo Risk) 

Por: Adalberto Luque 

Luciano da Silva, de 47 anos, era um ciclista experiente. Pedalava em ruas, estradas e trilhas há pelo menos 15 anos. Conhecido como “Falante”, era muito querido nos grupos de ciclistas.  

No domingo, 14 de julho, ele saiu para mais um pedal, como de costume. Seguia pelo Anel Viário Sul (Rodovia Antônio Duarte Nogueira, SP-322) sentido à Rodovia Antônio Machado Sant’Anna (SP-255).  

Na altura do km 312, um veículo conduzido por um jovem de 19 anos atingiu “Falante”. Seu corpo foi projetado metros adiante do ponto de impacto. O motorista disse que o ciclista saiu do acostamento e teria invadido subitamente a via. Isso está sendo averiguado pela perícia. 

Luciano da Silva ainda recebeu atendimento de socorristas, mas morreu no local do acidente. A Polícia Militar Rodoviária (PMRv) fez o teste do bafômetro no motorista. O acidente ocorreu por volta de 07h15 e o laudo constatou que o motorista estava embriagado, pois registrou 0,23 mg/l. 

Polêmicas 

Desde sua publicação, em 2008, a Lei Seca suscitou muitas polêmicas. A tolerância zero trouxe, ao longo de seus 16 anos, muitos debates favoráveis e contrários. Argumentos dos mais diversos fizeram com que a Lei fosse ajustada. 

Atualmente, até 0,04 mg/l, não é considerado embriaguez. De 0,05 mg/l até 0,33 mg/l, a lei considera embriaguez e a infração é gravíssima, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro. Igual ou acima de 0,34 mg/l é crime de trânsito. 

Outra questão muito comentada é que o motorista pode se recusar a fazer o teste do bafômetro, sob o pretexto de se recusar a produzir provas contra si mesmo. A recusa, todavia, não libera o motorista dos rigores da Lei. A infração é considerada gravíssima e, com fator multiplicador por 10, recusar o bafômetro rende multa de R$ 2.934,70. Além disso, o veículo é retido e a habilitação é suspensa por um ano. 

Abuso aumentou 

Mesmo com campanhas educativas e advertências, os motoristas insistem em não acreditar na gravidade de dirigir sob influência de álcool. Um estudo realizado pelo Centro de Informação sobre Saúde e Álcool (CISA) constatou que, no Brasil, o abuso de álcool aumentou de 18,4% para 20,8% entre os anos de 2021 e 2023 nos acidentes registrados. 

No estudo foi constatado que, em 2021, 1.087 pessoas morreram em decorrência de acidentes onde pelo menos um dos condutores havia bebido antes de dirigir. Um dado macabro: uma morte por hora na conta do abuso do álcool.  

Outro dado alarmante foi o aumento do número de mulheres que passaram a conduzir sob efeito de álcool. Segundo a CISA, entre 2010 e 2021, o número de mulheres envolvidas em acidente com sinais de embriaguez subiu de 10,5% dos casos para 15,2%, enquanto entre os homens, no mesmo período, houve uma estabilidade – embora o aceitável fosse redução. 

Mesmo sujeito a multas elevadas e à suspensão do direito de dirigir, condutores insistem na recusa do bafômetro. De acordo com a PMRv, somente durante a Operação Corpus Christi, 91 condutores se recusaram a fazer o teste e foram multados só na região de Ribeirão Preto. 

Tragédia 

Luísa Baptista foi vítima de grave acidente e condutor de moto não fez bafômetro ou exame clínico, mas estava em festa open bar horas antes  (Time Brasil/Divulgação e Reprodução) 

Em 23 de dezembro de 2023, a triatleta brasileira, Luísa Baptista, treinava com amigos um trajeto de 100 km de bicicleta. Ela havia conquistado ouro nos Jogos Panamericanos de Lima, no Peru, em 2019 e era promessa de medalha para os Jogos Olímpicos de Paris, que começam na próxima sexta-feira (26). 

No distrito de Santa Eudóxia, em São Carlos, Luísa foi atingida por um motociclista, que também se feriu. Foi intubada no local do acidente. Sofreu politraumatismo gravíssimo, com lesões nos pulmões. Foi para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da Santa Casa de São Carlos, depois transferida para o Hospital das Clínicas na Capital e de lá para o Hospital São Luiz, também em São Paulo. Passou mais de três meses na UTI. 

Com prótese nos quadris, teve que reaprender a andar e até a falar. Vai a Paris, mas como convidada do Comitê Olímpico Brasileiro. Voltar a andar, para ela, já foi uma grande conquista. 

O motociclista que se envolveu no acidente havia ficado até as 04h30 em uma festa open bar. Dormiu um pouco e saiu para trabalhar quando ocorreu o acidente. Não foi submetido ao teste do bafômetro ou a exame clínico para comprovar se havia ingerido bebida alcóolica. Não tinha carteira de habilitação e havia sido condenado por ameaçar sua ex-companheira, portanto, não poderia ingerir bebidas alcoólicas, nem ficar fora de casa entre 22h e 06h. Mas ele ainda não havia sido notificado pela Justiça. Nem foi submetido ao exame. 

Posto invadido 

Em outro caso, um professor da USP, embriagado, invadiu um posto de combustíveis no Santa Cruz do José Jacques, zona Sul de Ribeirão Preto. Derrubou uma bomba de abastecimento, parou o carro, foi comprar mais cerveja e foi embora do local. Poderia ter causado uma tragédia. Como tantas outras motivadas pela combinação álcool e direção. 

Acidentes são letais pela falta de reflexo 

Leandro Mota, coordenador do SAMU: aumento de motoristas e motociclista com hálito etílico  (Alfredo Risk) 

Segundo o coordenador do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) em Ribeirão Preto, médico intensivista Leandro Silva Mota, os socorristas têm percebido que o número de acidentes envolvendo condutores que ingeriram bebida alcoólica aumentou.  

“Principalmente com motociclistas. Percebemos no hálito etílico, na presença de cascos e latas no interior do veículo. Muitas vezes, acidentes fatais. Isso ocorre pela diminuição do reflexo quando a pessoa ingere bebida alcóolica. Não consegue controlar o carro, fazer um desvio ou perceber um veículo mais próximo”, explica. 

Leandro reforça que isso ocorre com maior frequência nos finais de semana ou dias próximos. “Tendem a ser mais letais pela falta de reflexo. A perda do controle do veículo, principalmente em alta velocidade, acaba gerando um trauma muito mais forte em quem está dentro do carro ou ejetando a vítima muito mais distante, quando se trata de motocicletas”, aduz.  

Mota ressalta que há um custo na questão de beber e dirigir. “Se o acidente for fatal, perdemos uma ou até várias pessoas, que deixam seus cargos em um local de trabalho. Quando não é vítima fatal, temos aqueles que ficam internados em hospitais por meses, impactando todo o sistema de saúde. E, após sua saída, tem custo de fisioterapia, psicologia, serviço social. E às vezes nem consegue voltar para a função que exercia”, avalia. 

Para o coordenador do SAMU, o custo atinge o setor de saúde, serviço social e trabalhista. “Nos finais de semana e à noite, aumentam muito os casos de motoristas e motociclistas, embriagados ou não, que se envolvem em acidentes. Um veículo pode atingir várias pessoas, pode causar atropelamento. Temos perdido muita gente. É família que perde um ente, amigos e roda de amizade, é o trabalho que perde um funcionário. A repercussão de um acidente gerado por alguém que ingeriu bebida alcóolica é muito desastroso para nossa sociedade”, encerra Mota. 

 

Irregularidades e injustiças nas fiscalizações 

O advogado Dias Djamdjian relata que existem irregularidades e injustiça nas fiscalizações e todos têm o direito de se defender (DJM Advogados/Divulgação) 

Advogado e presidente da Comissão de Direito de Trânsito e Transportes da 125ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil-SP entre 2019 e 2023, Carlos Eduardo Dias Djamdjian explica que o teste do bafômetro tem tolerância zero. 

“Ninguém pode beber e dirigir. O que existe é uma margem de erro do aparelho, uma vez que pode existir um ‘falso positivo’. Existem três situações possíveis. A primeira é a recusa ao teste, que em qualquer sinal de consumo de bebida ou outra substância, é obrigatório o agente de trânsito oferecer o teste. A mera recusa já é fator de autuação constante em multa de quase 3 mil reais e 12 meses de suspensão da CNH. A segunda situação é em caso de teste positivo em teor até 0,04 mg/l. As consequências serão as mesmas acima, porém a multa será de dirigir embriagado, e não de recusa. A última situação é o crime de trânsito, em caso de constatação maior que o limite acima. Neste caso o condutor será conduzido a uma delegacia e será autuado por crime de trânsito”, explica o advogado. 

Diretor da DJM Advogados, lembra que, em casos de acidentes graves, o condutor será responsabilizado, tanto com enquadramento do CTB, quanto do código penal e responderá por seus crimes. Mas o advogado defende o direito de defesa.  

“Existem diversas irregularidades e injustiças nas fiscalizações. Então, independente de se recusar ou soprar o aparelho, a multa ou acusação é passível de recurso, com grandes chances de se reverter o resultado daquela autuação”, conclui Dias Djamdjian. 

 

SSP diz que morte de ciclista é investigada 

A Secretaria de Segurança Pública informou que a morte de Luciano da Silva foi registrada como homicídio culposo na direção de veículo e encaminhada ao 6º Distrito Policial, que segue com investigações e realiza diligências para esclarecer o caso. 

“São Paulo realiza ações voltadas à fiscalização e educação no trânsito desde 2007, antes mesmo do marco da Lei Seca (Lei 11.705/ 2008). As forças de segurança atuam de forma integrada para garantir a segurança nas vias do estado”, informa. 

A SSP acrescenta que a PM realiza blitz diárias e ações específicas como a Operação Direção Segura, para coibir práticas ilegais e garantir o cumprimento das normas de trânsito. Além disso, a constatação de embriaguez ao volante pode ser feita através do teste do etilômetro ou por exame clínico com amostra biológica para verificar a presença de álcool no organismo.  

“Apenas neste ano, mais de 2,3 mil Operações Direção Segura foram realizadas no território paulista, resultando em 49 prisões em flagrante e na autuação de 11,3 mil condutores por recusa ao teste do etilômetro”, conclui a SSP. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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