Rosemary Conceição dos Santos*
De acordo com especialistas, Mónica Ojeda Franco (1988 -…) nasceu em 1988 em Guayaquil, cidade portuária no Equador, conhecida como uma porta de entrada para as praias do Pacífico e para as Ilhas Galápagos. Bacharel em Comunicação Social, fez mestrado em Criação Literária e em Teoria e Crítica Cultural, lecionando na Universidade Católica de Santiago de Guayaquil na área de Literatura. Publicou “Doce cuentos ibero-americanos” em 2013, estreando dois anos depois com seu primeiro romance, “La desfiguración Silva” e com a coletânea de poemas “El ciclo de las piedras”. Em 2016, “Nefando”, seu segundo romance, seguido de “Canino”, em 2017; Em janeiro de 2018 publicou o romance “Mandíbula”. Destacando-se em feiras internacionais do livro, sua obra tem recebido críticas favoráveis, o que em muito contribuiu para suas conquistas e reconhecimentos em todo o mundo.
“La desfiguración Silva” analisa o papel marginal ao qual as conquistas das mulheres são relegadas na memória cultural coletiva, bem como o poder das palavras para reescrever a história, com vários personagens reaparecendo em romances posteriores de Ojeda: os irmãos Terán em “Nefando” e Annelise Van Isschot em “Mandíbula”. A história é contada através de diversas entrevistas (ligeiramente retocadas), notas, ensaios, fotografias e um roteiro de filme. Um dos entrevistados é Daniel, professor universitário de cinema que, junto com sua namorada Lena, conhece os irmãos Terán, três especialistas em literatura e cinema apesar da pouca idade. Daniel fica intrigado com os irmãos quando eles ganham um concurso de roteiro de curta-metragem com uma história perturbadora ambientada em um futuro distópico em que uma mulher chamada Eva observa fotografias holográficas de cadáveres femininos em um museu. Com o dinheiro do prêmio, os Teráns começam a filmar o curta com Lena como protagonista. Num encontro com Daniel, os Terán entregam-lhe o roteiro de um filme supostamente escrito por Gianella Silva, a quem os Terán apresentam como a única mulher que pertenceu ao movimento Tzántzico , mas que foi esquecida pela história. Os Teráns revelam a Daniel que sua intenção é resgatar a memória de Gianella, reconstruindo a suposta vida da enigmática personagem com base em artigos de revistas e anedotas de escritores da época. Daniel decide ajudá-los, mas só quando já é tarde é que ele entende as verdadeiras intenções sinistras dos Teráns, cujas ações parecem estar ligadas à gravação do curta com Lena e que ameaçam destruir sua vida.
A obra ganhou o Prêmio ALBA de Narrativa em 2014. Já com sua primeira coletânea de poemas “El ciclo de las piedras”a autora ganhou o Prêmio Nacional de Poesia Desembarco em 2015. O escritor equatoriano Marcelo Báez referiu-se ao romance de forma positiva, chamando-o de “um híbrido perfeito entre tratamento, poesia, narrativa e roteiro”. Elogiou especialmente a construção da personagem de Gianella Silva e as inúmeras referências intertextuais ao cinema e à literatura, construídas de forma tão orgânica que fizeram de Ojeda, segundo Báez, um “escritor para escritores, para cinéfilos e para conhecedores de arte”. Por sua vez, a crítica literária Alicia Ortega Caicedo referiu-se também às referências a outras obras artísticas, afirmando que ao longo do romance elas “entram furtivamente na narrativa, invadem-na, transferem a anedota, exibem as múltiplas cumplicidades da escrita cinematográfica com a literatura contemporânea”.
“Nefando” se concentra em seis artistas que dividem um apartamento em Barcelona: Kiki, uma escritora de 23 anos que está escrevendo um romance pornográfico sobre crianças; Ivan, um aluno de mestrado que luta para conter os impulsos violentos decorrentes de sua relação ambivalente com seu corpo; El Cuco, um hacker, designer de videogame e membro da demoscene ; e Irene, Emilio e María Cecilia Terán, os irmãos enigmáticos cuja motivação e criação do jogo de terror online Nefando constituem o eixo sobre o qual o romance gira. Apresentando um elenco tão variado de personagens, Nefando é profusamente multivocal, alternando relatos em primeira pessoa com entrevistas sobre a criação do jogo com capítulos da pornonovela de Kiki , seus falantes se movendo entre gírias mexicanas, equatorianas ou catalãs, dependendo de sua nacionalidade. À medida que muda da prosa para o código, de fóruns comunitários para imagens desenhadas à mão, o romance está continuamente expandindo os limites da linguagem e da forma em sua exploração de como dar fala ao indizível. É um romance complexo e profundamente comovente, que exibe perfeitamente a verve e a proficiência técnica que fizeram de seu autor um dos escritores latino-americanos mais emocionantes em atividade hoje.
Em “Mandíbula”, Fernanda, uma insolente estudante do Ensino Médio apaixonada por literatura e filmes de terror, acorda com os pés e as mãos amarrados em uma cabana no meio da floresta. Sua sequestradora, entretanto, não é uma estranha. Trata-se de Miss Clara, a professora de Literatura, uma mulher assombrada pela memória da própria mãe e assediada durante meses por suas alunas do Colégio Bilíngue Delta, uma escola católica de elite. Rapidamente, os motivos do sequestro se revelarão muito mais complexos e sombrios do que a vingança pelos traumas sofridos pela professora. Com texto imaginativo e surpreendente, Ojeda cria neste romance personagens desconcertantes e uma ambientação perturbadora para uma narrativa de nuances e contornos tênues entre o horror, o desejo e a perversidade. Nele, o medo e sua relação com os laços familiares, a sexualidade e a violência que espreita o amor estão expressos, várias vezes literalmente, por meio da mordida feroz e do ataque quase sexual, das brincadeiras dolorosas e da confiança quase dependente entre meninas e mulheres que se conectam, mas também se (a)traem.
Mónica Ojeda Franco é considerada uma das romancistas mais relevantes da literatura latino-americana contemporânea.
Professora Universitária*