Perci Guzzo *
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Penso que as cidades com história econômica pujante são as que mais terão dificuldades para se adequar à nova realidade climática. Há um apego às suas trajetórias. E apegar-se demais é atraso de vida. Capital disso; capital daquilo; capital daquilo outro. Assim, mergulhados em nossos próprios umbigos, não enxergamos o tanto que estamos atrasados.
É um território de muitas lutas; muitas apagadas. É uma cidade agradável para os padrões nacionais. Foi opção de muitos que a conheceram nas décadas de 70, 80 e 90 no século XX. Mas tem sido muito judiada. Uma obtusidade tomou conta de RP nas últimas décadas quando deixou de ser uma cidade para as pessoas e passou a ser uma mercadoria. Um desvio para o insustentável; aquilo que de antemão se enxerga que “vai dar ruim”.
Comecemos pelos deslocamentos. Está na cara que nosso modo de se transportar pela cidade é insustentável. Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), 65% das nossas emissões de Carbono vem do nosso modo de se deslocar. Cada um no seu Mustang, não é assim?! Carro ocupa espaço, esteja ele em movimento ou não. O sistema viário privilegia o automóvel. Basta acompanhar o desembolso do orçamento municipal para recapeamento e construção de novas vias.
Todos os dias ouço no rádio sobre atropelamentos com feridos e/ou mortes na cidade. Isso é um atraso inconcebível! Atualmente, 25 pessoas morrem para cada 100.000 habitantes/ano em RP; um expressivo índice. É preciso acalmar o trânsito, impor novos limites de velocidade, investir na modificação dos modais de viagens, privilegiando o transporte público e a mobilidade ativa: pedestre e ciclista. O Plano de Mobilidade Urbana define as medidas para zerar as mortes no trânsito até 2026.
Lixo, uma invenção nossa, humana. Os resíduos sólidos perfazem a segunda maior fonte de emissão de gases de efeito estufa em RP. Representam 20% das nossas emissões de GEE. Montanhas diárias de plástico, isopor, papel, restos de alimentos saem de nossos domicílios; somam 890 toneladas por dia. Entulho coletado nos ecopontos são outras 328 toneladas/dia. São dados da Secretaria Municipal da Infraestrutura. Descartamos tudo misturado e lambuzado. Porcões luxuosos. A separação dos resíduos, a coleta separada e a compostagem merecem um outro patamar de atenção.
Barulho. Escancaradamente estressante! Motos com seus escapamentos furados, música altíssima onde quer que estejamos, vias expressas emitindo ruídos diuturnamente devido às altas velocidades, pessoas falando alto em seus celulares ou gritando com colegas em ambientes coletivos e ainda cães vizinhos impertinentes. A ação do Poder Público é pífia perante o nível de agressão contínua aos nossos ouvidos. Passamos a conviver com tudo isso, mas saibam, é decadente.
Gasto de água. Esbanjamos água preciosa há décadas. Chegará a hora do veredito. Segundo os especialistas não se sabe qual o tamanho da reserva de água subterrânea que temos para gastar e esbanjar. Lavar calçadas rotineiramente e impunimente em 2024… só aqui! Houve um avanço nada desprezível das perdas nas redes de distribuição. Perdíamos 62% do que era extraído do aquífero há dez anos atrás e agora perdemos 43%; ainda um índice altíssimo. Os dados são do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento que também revela que consumimos quase o dobro da média nacional.
Calor + seca + queimadas urbanas + incêndios florestais + qualidade do ar ruim ou péssima + gasto de água. Acredito que dispensa tecituras da minha parte a esse tema. Perderemos o controle do fogo em breve se subestimarmos as mudanças que estão ocorrendo.
Citei cinco pontos onde somos escandalosamente insustentáveis. Há outros.
Devemos ser mais prudentes e nos prepararmos para os novos tempos. O modelo de desenvolvimento histórico e vigente faz de RP uma cidade segregada e decadente. Precisa mudar. As necessidades de adaptação à nova realidade climática se imporão nestas terras “rossas”. Como diz meu pai quando aqui chega, “Ribeirão Vermelho”. A cor da terra é realmente belíssima. Façamos bem feita nossa parte a esse orgulhoso presente.
* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições