Por Hugo Luque
A bola rola em Ribeirão Preto. Mas não para Botafogo, Comercial ou até mesmo Olé Brasil. As equipes que entram em campo também são tradicionais e queridas pelo povo da cidade, como Jandaia, Jardim Paulista, Quintinense, Vila Virgínia, Paulista, Jamaica e tantos outros. Trata-se do futebol amador, que cada vez mais tem amador só no nome.
Os clubes estampam patrocinadores em suas camisas, o público comparece em peso, a qualidade do jogo – e dos gramados – também tem melhorado e, é claro, o mercado passou a movimentar mais dinheiro. Na Grande São Paulo, por exemplo, a liga que organiza as dez principais copas da região desembolsou cerca de R$ 1,5 milhão em 2018 com premiações e afins.
Assim, é comum achar aqueles que brilham nos gramados em busca de uma renda maior. É o caso de Cleverson Belarmino. Com passagens por clubes profissionais, o meia conheceu a várzea após uma grave lesão. O que começou com uma tristeza, agora é uma importante fonte de renda para o empresário do ramo da terraplanagem.
“Comecei na base do Botafogo, mas foi no Comercial que tive minha primeira oportunidade como profissional. Tive passagens por Atlético Sorocaba, Juazeiro da Bahia e pelo futebol da Alemanha. Quando retornei ao Brasil, quebrei o tornozelo e decidi parar de jogar profissionalmente. Despertei o interesse de alguns clubes amadores, aceitei um convite e conheci o amador, onde estou até hoje”, conta.
Constante evolução
Embora ainda tenha dentistas, pedreiros, comerciantes e profissionais de outras áreas, o futebol de várzea deixou de ser apenas um passatempo dos trabalhadores e agora é um negócio. Cada vez mais competitivo, este ramo tem até mesmo aqueles que treinam todos os dias, como revela o jogador e personal trainer Lucas Felipe Leal.
“Nem todos os atletas treinam todos os dias, mas certamente os mais dedicados jogam nos grandes clubes de Ribeirão e também ganham mais”, explica.
Para Cleverson, a várzea ainda tem crescido em outros aspectos, como estrutura e organização dos campeonatos. Para alguém como ele, com experiência na Série A2 do Campeonato Paulista, essa constante evolução é o que mantém tantos jogadores nos gramados amadores.
“O amador vem evoluindo muito em relação a uniforme, estrutura de campo, torcida e organização. O amador está muito mais próximo do profissional. Hoje, até brincamos que ficou um semiprofissional”, detalha o empresário. Ele acrescenta que, hoje em dia, até os técnicos se dedicam mais.
“Os treinadores, assim como os atletas, são todos pagos e mesclam o profissional com o pessoal de forma que cada um tem sua flexibilidade. Os jogos são aos fins de semana e a maioria não trabalha”, completa.
Na visão de Leal, boa parte dessa revolução é responsabilidade do dinheiro, cada vez mais presente nos campos dos bairros. Desde 2011 neste cenário, ele viveu a mudança temporada após temporada.
“O que mais mudou foi o investimento. Hoje, os atletas ganham muito bem para jogar no amador. Antigamente era mais pela camisa, mas hoje os investimentos são muito maiores. Difícil comparar com profissional, mas alguns clubes amadores de Ribeirão Preto pagam mais que muitos clubes de Série A2 e A3, com certeza”, destaca o personal trainer, que também vê mais pressão.
“Em Ribeirão temos vários campeonatos. Alguns pagam para nós jogarmos e alguns são pela amizade, mas muitos atletas acertam por ano. Todo ano temos negociação, tanto ida para o clube quanto os valores. A maior pressão está nesses valores pagos. Por recebermos valores altos, somos cobrados por resultados.”
Dinheiro atrai nomes de peso
No Brasil, este dinheiro tem atraído atletas profissionais. Recentemente, nomes como Pará, ex-lateral do Santos, Alê, ex-volante do São Paulo, e Bruno César, ex-meia de Palmeiras e Corinthians, disputaram torneios na região da capital paulista. Não é diferente em Ribeirão.
Para formar o elenco que conquistou o acesso à Série A2 em 2022, o Comercial trouxe alguns nomes que estavam no amador, como Wendell e Tota, importantes naquele ano. Alguns, inclusive, ainda fazem jogos pontuais, normalmente no fim de cada temporada. Para os “profissionais do amador”, no entanto, a temporada pode ser longa e significar vestir algumas camisas diferentes no ano.
“Costumamos fazer contrato de um campeonato para que atleta e clube não fiquem com compromisso. No meu caso, tenho muito convites, então o ano é bem extenso em jogos. Disputo campeonato em Ribeirão, na região e em outros estados, como Minas Gerais, onde o amador vem crescendo muito”, conta Cleverson, que garante: é possível viver apenas da renda da várzea.
“Todo campeonato que disputo os atletas recebem. Nada mais justo, pois temos gastos com academia, preparação física e fisioterapeutas. Creio que é uma via de mão dupla. Viver de amador dá, sim. Não é meu caso, mas é uma ótima grana e ajuda no final do mês, se colocar na ponta do lápis. Tem meses que determinados atletas ganham mais que muitos nos times menores do profissional. Vários já mesclam profissional e amador, pois essa renda extra ajuda no final do mês.”
A magia continua
Até mesmo o Doutor Sócrates, no começo da década de 1990, entrou nos campos ribeirão-pretanos para defender o extinto Super-Estrela. “Foi uma passagem muito rápida. Eu tinha amigos no time e joguei algumas partidas. Foi uma participação esporádica”, admitiu o ídolo corintiano, em 1999, à Folha de S. Paulo.
Mesmo com tantas cifras envolvidas e menos contratos por amizade, como era no passado, o cenário varzeano continua empolgante e se mantém como a possibilidade, para muitos, de realizar sonhos dentro das quatro linhas.
Cleverson acredita que o maior charme do amador está no fato de que, mesmo com um certo nível de profissionalização, o campo não se distancia da arquibancada e do dia a dia da comunidade local – no sentido da amizade e do puxão de orelha.
“Obviamente tem o quesito pressão. Onde tem competição, é impossível não ter cobrança, mas é essa atmosfera que faz o amador ser único. Afinal, os torcedores e atletas, na maioria das vezes, se conhecem”, conclui.
Foto 03:
Na grama alta da várzea, Cleverson conquista sua renda extra
(Foto: Arquivo pessoal)