Tribuna Ribeirão
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Neurociência da vida cotidiana (28): Onde está no cérebro a liderança? 

José Aparecido Da Silva* 

 Algumas definições de liderança traçam-na como o cerne dos processos grupais. A partir desta perspectiva, o líder está no centro da atividade e mudança do grupo, incorporando a vontade do mesmo. Outras definições, conceituando a liderança a partir da perspectiva da personalidade do líder, sugerem que a liderança é uma combinação especial de traços, ou características, próprias aos indivíduos, que os capacita a induzir outros à realização de tarefas. Outras mais definem liderança como ações ou comportamentos, considerando as realizações efetuadas pelo líder para provocar mudanças no grupo ( para detalhes ver Da Silva, J.A. O Processo de Liderança: Traços, Habilidades, Comportamentos, Relacionamentos, Situações e Seguidores. Escrita Livros, 2018). A despeito da pluralidade de conceituações, os seguintes componentes podem ser identificados como centrais ao fenômeno da liderança. São eles: (1) liderança é um processo, (2) liderança envolve influência, (3) liderança ocorre dentro de um contexto de grupo e (4) liderança envolve realização de objetivos. Tomando por base estes componentes, podemos definir liderança como um processo no qual um indivíduo influencia um grupo de indivíduos para alcançar um objetivo comum. Definir liderança como um processo significa que ela é essencialmente um evento transacional, que ocorre entre o líder e seus seguidores. Tal processo implica que o líder afeta, e é afetado, por seus seguidores. 

Todavia, as maneiras como os líderes e seus seguidores interagem pode depender de várias coisas. Uma forte influência sobre essas interações são as percepções. Se um seguidor é percebido como capaz e confiável, um líder pode atuar diferentemente em relação ao mesmo, e de modo distinto de como atuaria caso ele fosse percebido como incapaz ou não confiável. A mesma coisa ocorre para as percepções do seguidor em relação ao líder, chamadas de atribuições. As atribuições dos seguidores podem ter forte impacto sobre o sucesso dos líderes. Líderes vistos como competentes são mais prováveis de ganhar poder e prestígio, além de avançar posições mais elevadas. As atribuições dos seguidores geralmente são feitas considerando a lealdade do líder, sua competência e, principalmente, o sucesso. Quando os líderes implementam decisões bem-sucedidas, eles ganham créditos, os quais edificam as ideias bem-sucedidas de um líder ao longo do tempo. Já as crenças, os valores e os traços de personalidade, tanto dos seguidores individualmente quanto do grupo de seguidores, podem afetar o sucesso da liderança. 

Pesquisadores chineses (Ni J, Yang J & Ma Y. Social bonding in groups of humans selectively increases inter-status information exchange and prefrontal neural synchronization. PLoS Biol. 2024 Mar 19;22(3):e3002545) procuraram entender o comportamento entre líderes e seus seguidores, particularmente por entenderem que os grupos sociais são frequentemente organizados hierarquicamente, onde as diferenças de status e os laços entre os membros moldam a dinâmica do grupo. Para entender melhor como o vínculo influencia a comunicação dentro de grupos hierárquicos, e quais regiões do cérebro estão envolvidas nesses processos, os pesquisadores registraram dados de 176 grupos de três pessoas de participantes humanos (que nunca haviam se encontrado antes) enquanto se comunicavam entre si, sentados frente a frente. Os participantes usaram bonés com eletrodos fNIRS (espectroscopia funcional de infravermelho próximo) para medir de forma não invasiva a atividade cerebral enquanto se comunicavam com os membros do grupo. A Espectroscopia Funcional em Infravermelho Próximo (fNIRS – Functional Near- Infrared Spectroscopy) é uma técnica que permite a medição contínua, e não invasiva, de oxigenação em tecidos (em especial tecido cerebral), bem como sua hemodinâmica, através da radiação em infravermelho próximo 

Cada grupo selecionou democraticamente um líder, de modo que cada grupo de três incluiu, em última instância, um líder e dois seguidores. Depois de elaborarem estratégias em conjunto, os grupos jogaram dois jogos econômicos concebidos para testar a sua vontade de fazer sacrifícios para beneficiar o seu grupo (ou prejudicar outros grupos). Os experimentadores designaram algumas tríades para passar por uma sessão de vínculo, onde foram agrupadas de acordo com preferências de cores, receberam uniformes e conduziram através de uma sessão introdutória de bate-papo para construir familiaridade. Os grupos vinculados falaram mais livremente, e trocaram de interlocutor com mais frequência e rapidez, em relação aos grupos que não experimentaram esta sessão de vínculo. Este efeito de conexão, relacional, foi mais forte entre líderes e seguidores do que entre dois seguidores. 

Atividade neural em duas regiões do cérebro ligadas à interação social, o córtex pré-frontal dorsolateral direito (rDLPFC) e a junção temporoparietal direita (rTPJ), estariam sincronizadas e alinhadas entre líderes e seguidores, caso tivessem conexão. Os autores afirmam que esta sincronização neural sugere que os líderes podem sugerir os estados mentais dos seguidores durante a tomada de decisões em grupo, embora reconheçam que as suas descobertas se restrinjam a indivíduos chineses do Leste Asiático que comunicam através de texto (sem sinais não-verbais), cuja cultura enfatiza coesão do grupo e compromisso com os líderes do grupo. Tomados juntos os dados obtidos, os autores acrescentaram: “O vínculo social aumenta seletivamente a troca de informações e a sincronização neural pré-frontal entre indivíduos com diferentes status sociais, fornecendo uma explicação neurocognitiva potencial de como o vínculo social facilita a estrutura hierárquica dos grupos humanos”. Logo, a interação entre líder e seguidor é similar à vela e à chama: nunca juntas, mas nunca separadas. 

Professor Visitante da UnB-DF* 

 

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