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Celular é a terceira causa de morte no trânsito 

Uso de celular ao volante só não supera o número de mortes causadas por excesso de velocidade e dirigir sob influência de álcool   

Apenas dois segundos de uso do celular ao volante representam dirigir às cegas por pelo menos 100 metros  (Alfredo Risk) 

Por Adalberto Luque 

Apesar do alerta em rodovias, motoristas ignoram e número de multas dobrou em um ano  (Entrevias/Divulgação)

Paraná trabalha no transporte de passageiros há quase duas décadas. Foi taxista, alugando o táxi e o ponto de outro taxista num shopping da zona Sul de Ribeirão Preto. À medida em que os veículos por aplicativo caíram no gosto popular, Paraná virou motorista por aplicativo, utilizando seu próprio veículo. 

O negócio cresceu e o motorista se destacava nas avaliações pelo bom papo, educação e eficiência nas corridas. Então resolveu alugar um carro novo e crescer na plataforma. Mas era preciso economizar. Com cerca de 20 anos na área, resolveu não fazer o seguro, que na locadora era opcional. Afinal, ele nunca havia se envolvido em colisão. 

Um dia, a conta veio. Paraná seguia pela Avenida Professor João Fiúsa, transportando uma passageira. Ela iria descer dois quarteirões depois do cruzamento com a Avenida Presidente Vargas, na zona Sul da cidade. No aplicativo surgiu um passageiro pedindo uma corrida no quarteirão seguinte.  

Paraná foi mexer no celular para garantir a corrida e não percebeu que o semáforo do cruzamento com a Avenida Presidente Vargas havia ficado vermelho para ele. O carro da frente parou. Ele não percebeu e bateu forte. 

A passageira relatou o ocorrido, reclamando que sofreu ferimentos leves por conta da imprudência do motorista, que foi descredenciado da plataforma. Pior: teve que arcar com os custos de funilaria do veículo que seguia à sua frente e do que ele tinha alugado. E sem seguro.  

“Um prejuízo de quase R$ 40 mil, nos dois carros. Não tinha dinheiro, tive que vender meu carro e fazer empréstimo. Hoje continuo trabalhando como motorista por aplicativo em outra plataforma com o carro de um parente, emprestado. Ainda estou pagando as dívidas. Minha vida virou uma bagunça, por causa de dois segundos de distração”, lamenta. 

Terceira causa de morte 

Os prejuízos de Paraná foram apenas materiais. Mas não é por acaso que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em seu parágrafo único do artigo 252 afirma que o condutor que segurar ou manusear o telefone enquanto dirige está cometendo infração gravíssima, sujeito a multa de R$ 293,47 e sete pontos no prontuário do motorista infrator. 

Antes a multa era considerada média, rendendo quatro pontos na carteira. Mas com o aumento no número de casos, desde 01 de novembro de 2023 a mudança passou a vigorar. E, na redação do CTB, constou a palavra “manuseando”, para punir também quem manda mensagens de texto ou fica olhando redes sociais enquanto dirige. 

A causa para tamanho rigor na lei está nos números divulgados pela Associação Brasileira de Medicina no Tráfego (Abramet). De acordo com o órgão, no Brasil, o uso do celular ao volante já é a terceira maior causa de mortes no trânsito, atrás apenas de colisões causadas por excesso de velocidade e dirigir sob influência de álcool. 

Prática comum 

Velázquez, especialista em trânsito adverte: acidentes de trânsito custam bilhões de reais anuais, um problema de saúde pública  (Alfredo Risk)

Segundo o mestre em Engenharia de Transportes e especialista em Trânsito, engenheiro Fernando Velázquez, dirigir falando ao celular, infelizmente, é muito comum nas cidades, embora considerada infração gravíssima.  

“A gente vive numa sociedade que hoje precisa tudo responder logo, rápido. Seja por mensagem de texto no celular, seja por e-mail. E isso tem consequências graves, como por exemplo, acaba retardando em 35% o tempo de ação e reação do ser humano. Só para termos uma referência, dirigir alcoolizado diminui 12%. Então é uma infração que gera consequências muito drásticas”, aponta. 

Ele cita, por exemplo, que se o veículo está trafegando a 80 km por hora e o motorista manda uma mensagem de texto, se a mensagem levar de três a cinco segundos para ser enviada, representa pelo menos 100 metros que a pessoa está dirigindo às cegas. “Atrelado ao tempo de ação e de reação, é praticamente inevitável um acidente. É como um estado de atenção dividido, onde a pessoa, além da direção que é o foco principal, está mexendo no celular, está com um copo de café na mão, está mexendo no rádio, está olhando para o lado. Vai dividindo a atenção em relação ao foco principal”, explica Velásquez. 

Ariel Garavine, especialista em segurança viária da concessionária Entrevias, que administra rodovias na região de Ribeirão Preto, concorda.  

FOTO 03: Garavine, da Entrevias: “Uso de celular ao volante é cada vez maior” (Entrevias/Divulgação)

“O celular é realmente um grande perigo no trânsito, a gente percebe que o uso ao volante é cada vez maior. Nós realizamos campanhas permanentes alertando o nosso usuário sobre o risco. Temos faixas nas rodovias, campanhas em nossas mídias digitais e alertamos o motorista em todas as ações de segurança viária. Um segundo no celular, seja falando ou digitando, pode custar uma vida”, aduz. 

Com rotinas cada vez mais dependentes do celular, cerca de 675 brasileiros se arriscam todos os dias ao utilizar o aparelho enquanto dirigem, o que significa que, a cada hora, 28 condutores negligenciaram a atenção ao volante, reforçando uma das principais causas de sinistros de trânsito no Brasil. O alerta é da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), ao analisar os dados do Registro Nacional de Infrações de Trânsito (Renainf) referentes ao ano de 2021. 

 

Abuso 

Thainá Diniz, da RP Mobi, adverte que manusear o celular durante a direção é tão perigoso quanto dirigir sob efeito de álcool  (Alfredo Risk)

Na área urbana de Ribeirão Preto, o número de infrações registradas por motoristas que insistem em dirigir falando ao celular é notório. De acordo com a RP Mobi, responsável pelo trânsito na cidade, apenas nos quatro primeiros meses de 2024 foram aplicadas 14.687 multas relacionadas ao celular. Foram 11.348 motoristas flagrados dirigindo e falando ao celular, enquanto outros 2.875 estavam manuseando o aparelho e 464 conduziam utilizando-se de telefone celular. 

O número total representou um aumento de 108% em relação ao apurado no mesmo período de 2023, quando foram registradas 7.064 multas de trânsito, relacionadas ao uso de aparelho celular. Durante todo o ano de 2023, foram multados 22.752 motoristas pelo uso do aparelho. Apenas nos quatro primeiros meses deste ano, 64% deste total já foi atingido. Se a proporção for mantida, Ribeirão pode registrar bater em até 50 mil infrações ligadas ao uso indevido de celular ao volante. Em apenas quatro meses, a média foi de 121 multas por dia. 

A RP Mobi informa que o seu programa de educação para o trânsito, o Siga Consciente, realiza palestras de alerta sobre o assunto e blitzen de conscientização no trânsito com o apoio da Polícia Militar. Nessas ações, os condutores e futuros motoristas recebem orientações e panfletos sobre os riscos que usar o celular no trânsito para ler, digitar, falar e escutar o fone de ouvido pode tirar completamente a atenção na direção. 

“Há estimativas que indicam um aumento em até 80% na chance de um acidente nessas circunstâncias relacionadas ao celular no trânsito. Ainda, destacamos que estudos internacionais indicam que manusear o celular durante a direção é tão perigoso quanto dirigir sob o efeito de álcool. Estima-se que teclar ou atender uma ligação ao volante, amplia em 400 vezes a chance de provocar um sinistro viário”, afirma Thainá Diniz, chefe da Escola Pública de Trânsito da RP Mobi. 

Epidemia 

Na análise de Velázquez, os acidentes com mortos e feridos representam um custo muito alto para a União, estados e municípios. “Os acidentes de trânsito chegam a custar bilhões de reais anuais. É um problema grave, é um fato de saúde pública, uma epidemia. Nós, da área de engenharia, temos trabalhado bastante, junto com outros órgãos como o Observatório Nacional de Segurança Viária, entidades envolvidas no trânsito, para que haja campanhas, haja engenharia para que existam dispositivos e recursos de engenharia para minimizar, pelo menos, os acidentes tidos como graves. Uma vida que a gente salve já é um ganho absurdo. É isso que estamos batalhando.” 

De acordo com a Abramet, 57% dos acidentes que acontecem são dos jovens de 20 até adultos de 39 anos. É uma fatia considerável da sociedade que sofre com isso. Para mudar, um dos focos da campanha do Maio Amarelo, que realizou diversas ações com o objetivo de combater as mortes no trânsito foi justamente alertar para os riscos de dirigir manuseando ou falando ao celular. 

Velázquez cita o Observatório Nacional de Segurança Viária, uma instituição sem fins lucrativos, que tem se empenhado nisso. “Há um conceito das rodovias que perdoam. O acidente vai acontecer, não podemos deixar a responsabilidade apenas dos usuários. Se acaso ele vai acontecer, de forma aleatória, precisamos minimizar esse risco. A engenharia perdoar o erro humano. É uma batalha diária por rodovias mais seguras, também traduzindo nas áreas urbanas, onde precisamos ter reforço da fiscalização, sermos muito mais rígidos, para barrar essa impunidade”, acredita. 

Na opinião do mestre em Engenharia de Transportes, esse quadro só vai mudar quando houver rigor na aplicação de multas aos infratores. “Infelizmente, na sociedade onde vivemos, dói mais no bolso do que na vida de uma pessoa. Se atribuir apenas advertências ou penas leves, não funciona. Precisamos ser rígidos nesse quesito”, conclui Velázquez. 

 

 

 

 

 

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