Tribuna Ribeirão
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A tragédia no sul: responsabilidades e omissões 

José Antônio Lages * 
 
Esta foi a tragédia inúmeras vezes anunciada. A lembrança de 1941 não foi suficiente. No ano passado, tivemos a prévia do que aconteceria este ano. E o que foi feito? Nada! Aliás, foi feito sim: o desmonte de toda uma política de proteção ao meio ambiente perpetrada pelo governador Eduardo Leite e pelo prefeito Sebastião Melo. É incrível como estes governantes, que gostam de se posar de centro, acabam se rendendo, na prática, aos negacionistas do clima. Acabam em nada se diferindo de um Ricardo Salles. Ocupam espaços de poder não para defender o meio ambiente mas para, literalmente, destruir o meio ambiente. A conta chega logo e já está chegando alta e com muita rapidez. 
 
Parte da tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul foi causada pela ação do homem, que construiu em locais impróprios. Fica clara a ausência de um projeto de urbanização adequado. Por outro lado, as autoridades não fizeram as manutenções corretas nos diques de contenção e nas barreiras antialagamento. A avaliação é do professor Roberto Reis, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Biodiversidade da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Ele acrescentou que essas obras, feitas nos anos 1970, nunca receberam manutenção adequada. “A culpa da enchente pode ser do planeta. Mas a culpa da tragédia é dos administradores do estado e das cidades”. 
 
Em sua entrevista à Agência Brasil, Reis lembrou que, em setembro do ano passado, o estado enfrentou uma grande enchente. “Aí se viu que as comportas e parte dos diques não estavam funcionando. Era hora de ter arrumado. Já foi uma mega-enchente. Uma muito pior veio agora. Deveríamos ter arrumado tudo de setembro para cá. Espero que desta vez aprendam, porque o custo está sendo muito alto”. E por falar em custo, fica óbvio, nesta tragédia gaúcha, que os pobres acabam pagando um preço muito mais caro. As partes mais altas de Porto Alegre, onde temos as áreas nobres da cidade, nunca são atingidas. Os pobres constroem suas moradias nas áreas de várzea, justamente as que acabam debaixo d’água. 
 
Na avaliação de Roberto Reis, chuva em excesso, causada por mudança climática, é um fenômeno da natureza mas que ocorre também pela ação humana. “A cada tempo, há chuvas extremas que causam enchentes”, completou. Desta vez, contudo, ocorreu no estado a enchente mais forte de toda a história do estado, que ele atribui, em parte, à mudança climática causada pelo excesso de gás carbônico na atmosfera, o famoso aquecimento global, negada pelos negacionistas do clima. Essa é a parte natural do evento. O resto, para ele, é ação direta da sociedade e omissão das autoridades. 
 
Para uma explicação mais técnica do fenômeno, para o professor Rodrigo Paiva, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o que provocou a grande cheia no Lago Guaíba é, basicamente, um volume muito grande de chuvas que cai na sua bacia desde o final de abril e início de maio. Essa precipitação atingiu níveis recordes, registrandoaté 800 milímetros. Ele explicou que, no primeiro momento, houve cheias bem rápidas nos rios da serra, onde existem vales mais encaixados em que os volumes de água correm rapidamente e os rios se elevam com rapidez e grande amplitude. “Há casos de 20 metros de elevação em menos de um dia. Isso causou muita destruição, por exemplo, no Vale do Taquari, de novo”.  
 
Não faltam as explicações técnicas para compreendermos cientificamente os extremos do clima. Já temos muitas pesquisas e publicações sobre o assunto. Mas para quem insiste em negar as evidências, só resta mesmo as medidas paliativas que não resolvem nada. Uma política de sustentabilidade nem passa pela cabeça dessa gente. As ações humanas têm boa parte da responsabilidade do que ocorreu no sul, mas as autoridades são, sem sombra de dúvida, as maiores responsáveis pela conta de mais de cem mortos e ainda dezenas de desaparecidos. Que esses mártires possam fazer ouvir a sua voz. Chega de negacionismo, chega de irresponsabilidade, chega de omissões.   
 
* Consultor técnico-legislativo e ex-vereador em Ribeirão Preto (Legislatura 2001-2004) 

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