Tribuna Ribeirão
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O que nos resta é rezar? 

Perci Guzzo * 
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Não, de modo algum! O que precisamos fazer não é rezar, mas sim encorajar a sociedade para enfrentar as mudanças ambientais e climáticas em curso. É preciso coragem para viver e sobreviver neste mundo inquieto e cada vez mais inóspito.  Nossa principal arma para isso é o conhecimento científico, técnico, tradicional e local. Devemos fazer o bom combate aos que negam o conhecimento racional, bem como desmentir falsos profetas e mercenários da fé. 
 
Nós precisamos muito mais de escolas e universidades estruturadas e emancipadas do que templos religiosos privilegiados pela isenção de tributos. O caminho da espiritualidade é feito por cada um a partir decisão individual e não deve ser confundido com(o) tábua de salvação coletiva. Não nos percamos! 
 
A recente fatalidade no Rio Grande do Sul (RS) poderia ter sido evitada ou, pelos menos, tido proporções menores. A compreensão da totalidade dos fatos e de suas causas, demonstra que seríamos capazes de prever, prevenir e enfrentar o que aconteceu aos gaúchos. O geólogo e professor da Universidade Federal do RS, Rualdo Menegat, autor do Atlas Ambiental de Porto Alegre, explicou de modo tenaz em recente entrevista ao site “Brasil de Fato”, todos os fatores envolvidos e responsáveis pela catástrofe. 
 
Vamos aos fatores e aos fatos. 
 
Fator climático. De fato, choveu muito! Foram 800 mm em apenas 4 a 5 dias. Muita água caiu nas porções altas do Planalto Meridional. Esse fenômeno meteorológico é explicado por águas mais quentes no Atlântico, El Niño mais forte e temperaturas bem mais altas. Nos últimos anos vários alertas concretos de chuvas e tornados têm sido dados para o Sul do Brasil. Grosso modo, isso tem sido ignorado. 
 
Fator hidrográfico. O caminho das águas é deixar o planalto pelos canais naturais dos córregos e rios, ganhar a grande planície de inundação do Guaíba, aí se acumular, e desaguar no mar que está no mesmo nível topográfico. Então, naturalmente, trata-se de região que favorece a acumulação de água e onde vivem 5 milhões de pessoas. Obviamente, nestas condições, se faz necessário um eficiente sistema antienchente. 
 
Fator uso do solo associado a serviços ecossistêmicos. Boa parte da água precipitada deveria ter sido infiltrada no solo e nos banhados e não escoado rapidamente em grandes volumes para as partes mais baixas do relevo. Políticas e leis que favoreceram a expressiva expansão da cultura de grãos em detrimento da proteção dos rios, várzeas, matas e do próprio solo, foi decisiva para que a água infiltrasse pouco. A magnitude dos problemas aumenta se os ecossistemas estiverem desestruturados. 
 
Fator infraestrutura. O abastecimento de água, o fornecimento de energia elétrica e a proteção contra inundações não funcionaram no momento dos acontecimentos. Os motivos disso foram falta de manutenção, sucateamento e privatização desses serviços essenciais; práticas comuns de políticas neoliberais. O resultado é o desamparo da população que se sente impotente e desesperada para enfrentar tais situações. Cabe ao Poder Público oferecer os serviços essenciais de infraestrutura. 
 
Fator defesa civil. Não havia sistema de alerta organizado para avisar com antecedência as comunidades das áreas inundáveis o que também prejudicou a capacidade de resposta. A população foi obrigada a abandonar suas casas à medida que a cidade foi sendo inundada. 
 
Como veem, uma tragédia climática também é construída com omissões e decisões equivocadas, pois excetuando o fator “hidrografia”, todos os demais dependem de decisões que são tomadas por seres humanos. Quem está decidindo por nós? A quem estamos delegando/terceirizando o poder de decisão? Esse ano tem eleições. Presta atenção! 
 
* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições  

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