Tribuna Ribeirão
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Mexê com trem de tempo, dá certo não 

Luiz Paulo Tupynambá *
blog: www.tupyweb.com

“Seo Mariano, aquela curva da vossoroca na entrada aqui do seu sítio parece que fica mais curva cada vez que eu venho aqui, não é mesmo?”. Seo Mariano coçou o chapéu de palha sujo de terra e mineiramente respondeu: “Seo Paulo, dizê uma coisa pro sinhô. Mexê com trem de tempo, de chuva, dá certo não, hum, hum. Mió mesmo é desviá a estrada”. Diálogo entre meu pai, Paulo Tupinambá, e morador da Serra da Canastra.

Reproduzo o diálogo entre meu pai e Seo Mariano para ilustrar a ideia de uma época onde o clima era uma condição imutável, com pequenas variações entre os anos “bons” e os “ruins” para a agricultura. Basicamente acreditava-se, e os negacionistas ainda acreditam, que o clima de hoje é o mesmo que existia no dia em que Deus expulsou Adão e Eva do Jardim do Éden, onde o clima bom e saudável é eterno. Mandou os dois se virarem na terra rasa para ter o que comer. De lá para cá, segundo o negacionismo, nada mudou. Chuva forte? Foi Deus quem mandou. O tempo de sequeiro durou três anos? É castigo de Jeová pro povo descrente da palavra divina. Não choveu no sertão? Cobra Pedro, José e João, cada um com sua procissão.

A pressão crescente da atividade humana sobre a Natureza através dos séculos, acelerada nas últimas três centúrias, mudou o esquema. De lá para cá a temperatura global está em ascensão. 2023 registrou 1,4ºC acima da média histórica e foi considerado o ano mais quente da história com média de 24,92ºC. Fica óbvio que o aumento do uso de combustíveis fósseis, da exploração indiscriminada de áreas para plantio, derrubada de matas nativas e a ocupação de solo em áreas de mananciais para utilização econômica e habitação de populações humanas tem tudo a ver com esse aumento da temperatura global e todas as consequências terríveis que estão batendo em nossa porta.

Não quero cair aqui na discussão politiqueira que tentaram imiscuir entre o noticiário logo no começo da tragédia no sul do país. Gente que faz política com a desgraça alheia devia ser alijada sumariamente da vida partidária. Soltar fake-news, boatos, inverdades e aproveitar-se da tragédia para lacrar é indecente. Faturar com Pix, mentindo e usando imagens do que está acontecendo nas cidades gaúchas, é nojento e deveria ser motivo de prisão em flagrante. Porém, mesmo na grande imprensa tem quem defenda esse lixo dizendo que “não se pode ferir a liberdade de expressão”. Isso é crime, não é uma forma de liberdade. Tristes tempos, triste imprensa.

Mas sou obrigado a falar na parte política, pois é uma tragédia que acontece num estado referencial para o Brasil e que demandará muita negociação e boa vontade das autoridades para que a situação seja remediada e comece sua reconstrução.

O governo Lula mandou bem ao tomar a iniciativa não só da agregação de recursos materiais e de pessoal para auxiliar nas buscas e resgate dos atingidos. Rapidamente foram mobilizadas forças militares federais e da Força Nacional de Segurança. Isso apesar da grande dificuldade para a chegada de aeronaves maiores a Porto Alegre e outras cidades devido à falta de teto e da inundação dos aeroportos locais. Assim que houve a possibilidade toda a máquina federal mobilizou-se.

A presença física do presidente e de vários ministros acelerou a comunicação entre os governos estadual e federal. A visão in-loco da dimensão apocalíptica do evento, acentuou a urgência da tomada de medidas. De imediato o Ministério dos Transportes (o titular da pasta, Renan Filho, MDB-AL estava lá) liberou um bilhão de reais para iniciar o trabalho de recuperação das rodovias federais no estado. A suspensão, por medida provisória, do pagamento da parcela da dívida deste ano do estado para com a União, num valor superior a 4 bilhões de reais, ajuda a desafogar as finanças gaúchas na primeira hora. As parcelas de 2025 e 2026 também poderão ser postergadas, o que está em negociação com o Ministério da Fazenda.

Foi aprovado, pela Câmara Federal e Senado, um Projeto Legislativo de Decretação de Calamidade Pública, sem fundo definido, que permitirá que os gastos com a reconstrução do Rio Grande do Sul sejam excluídos dos parâmetros exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Um pacote de ajuda com empréstimos a longo prazo e juros subsidiados deve ser anunciado em breve, com recursos para que famílias e pequenos negócios possam reiniciar sua vida com alguma tranquilidade. Outras medidas de financiamento para a reforma e recuperação dos imóveis, nos mesmos moldes de juros baixos e prazo longo, deve vir com recursos do Minha Casa, Minha Vida. Enfim o governo federal está cumprindo o seu dever republicano. A próxima obrigação é começar imediatamente a implantar um programa nacional de prevenção de desastres naturais. O recém anunciado PAC do Lula já prevê uma boa verba para isso. Veremos se funciona.

As notícias mostram que a situação está a semanas de melhorar, infelizmente. E quando nos informamos melhor sobre o assunto aquecimento global, vemos que eventos climáticos extremos como este serão mais recorrentes a cada ano.

Temos obrigação de contradizer o nosso amigo Seo Mariano e seu conformismo de outra época. É urgente uma mudança radical em nossa compreensão de como nos relacionamos com o clima do planetinha azul.

Mas, bá, tche, neste momento, colorado que sou, sou também tricolor. Minha solidariedade a todos os gaúchos e gaúchas. Não deixe de fazer sua doação.

* Jornalista e fotógrafo de rua 

 

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