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A Verdade no espelho é Mentira? 

(In Memoriam da jornalista Érica Amêndola)

Luiz Paulo Tupynambá *
blog: www.tupyweb.com

Vivemos tempos em que realidades iguais são interpretadas de inúmeras maneiras, dependendo do credo e do gosto do interpretador ou do freguês. Época na qual a racionalidade cede lugar à manipulação intencional, que molda o discurso próprio e o alheio para caber na sua própria narrativa, mesmo que seja uma guinada de cento e oitenta graus no sentido original da mensagem. O que interessa é a narrativa, que nada mais é que o “tempero” que fará com que certas pessoas ou grupos devorem com gosto o prato servido e outros o rejeitem com asco. Uma salada de alface e tomate, temperada com uma pitada de sal, meio limão espremido e uma generosa colher de bom azeite de oliva, é bem-aceita no mundo todo. Acrescente uma colherada de óleo de rícino a ela, com pimenta forte, e muitos recusarão. Quem comer certamente terá um problema intestinal. Ambas são saladas de tomate e alface, mas têm seu sabor alterado e resultados diferentes na saúde das pessoas. O que muda tudo é o tempero ou, no caso de uma mensagem, é a forma da narrativa.

No final da semana passada, a Microsoft Research apresentou ao mundo o seu projeto VASA-1. Esse nome esquisito é uma sigla interna da empresa para referenciar o Projeto de Rostos Falantes Guiados Por Áudio Gerados Em Tempo Real. Calma, é confuso, mas eu explicarei tintim por tintim dessa prosopopeia toda. Comecemos pelo início, como já dizia Ignatius Óbvius, sob o comando do Imperador Nelsius Rodrigus, primeiro e único.

Existem as fake news, muito bem conhecidas nas mídias sociais, que têm no tal do “X” o seu paraíso. No geral, a origem das fake news pode ser rastreada, o que pode gerar possíveis atitudes administrativas e judiciais por parte das autoridades. A publicação pode ser retirada do ar, o criador pode ser bloqueado ou banido e ainda ser processado nas áreas cível ou criminal. Mesmo bots podem ser “desligados” pela própria rede, por decisão própria ou judicial. A Câmara Federal do Brasil estava para votar o Projeto de Lei 2630/2020 (Lei das Fake News), porém o Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, PP-AL, resolveu criar um “grupo de estudos” para analisar o projeto, já analisado, costurado, relatado e votado pelo Senado Federal. Isso para fazer pirraça com o governo federal devido à sua “briga de comadres” com Alexandre Padilha, PT-SP, Ministro das Relações Institucionais de Lula.

Na verdade, Lira aproveita sua confusão com Padilha para enterrar o projeto votado pelo Senado, de olho na sua sucessão como presidente da Câmara, para assim agradar à bancada bolsonarista e de extrema-direita. Foi um endosso de Lira às intromissões de Elon Musk na política brasileira. Assim, nas eleições deste ano assistiremos a um festival de fake-news atiradas por e para todos os lados, muito maior do que aconteceu em 2022. Mais uma atrasada que o Brasil toma em seu caminho rumo ao Estado Democrático de Direito. As fake-news correrão sem rédeas nas eleições deste ano. Agradeça à Lira.

Mas, voltemos ao VASA-1. Agora falamos de uma modalidade de fake news que envolve a produção de imagens, áudios e vídeos falsos tratando de um assunto real. Nesse caso, o nome correto é deep-fake. Imagine o Presidente Lula discursando em cadeia nacional, em horário nobre, elogiando os torturadores dos “anos de chumbo” da ditadura militar. Ou o ex-presidente Jair Bolsonaro, em frente à sua casa em Angra dos Reis, pedindo perdão por seus erros e bravatas às famílias dos mais de setecentos mil mortos na pandemia. Ou Lula execrando publicamente Fidel Castro e Che? Ou o Eduardo Bolsonaro rasgando elogios a Lenin e a Mao-Tsé-Tung? Espere e verá coisas assim.

A grande diferença dessa para as outras Inteligências Artificiais é a movimentação dos músculos do rosto e da cabeça. A partir de um avatar criado ou não por IA – pode ser uma foto da pessoa – cria-se uma movimentação extremamente natural e similar ao real. E logo vem a versão 2 com movimentação de braços, mãos e pernas. Numa mesma fala, o avatar pode ir do riso à tristeza, exatamente como se fosse uma pessoa real falando e sentindo. Cabelos também têm movimento natural, acompanhando o rosto.

Outra coisa que impressiona é a capacidade de gerar o vídeo imediatamente, sem processamento aparente. Ou seja, logo essa ferramenta estará apta a gerar vídeos ao vivo (lives) de qualquer um, que poderão ser transmitidos por qualquer mídia.

A Microsoft Research lembra às pessoas que procuram se informar sobre o VASA-1 que os limites éticos e legais devem ser respeitados, além da observância quanto aos direitos autorais. Ótimo, pois sabemos que todos os políticos e seus seguidores no mundo de hoje são zelosos quanto a tudo isso, né? Ninguém mente, ninguém xinga, ninguém faz uma maledicência. Para com isso. Sem regulamentação, as deep-fakes vão reinar e provocar um caos nos sistemas eleitorais democráticos, o que, aliás, é de interesse de grupos e partidos da extrema-direita no mundo todo.

A cada dia, a Democracia é mais ameaçada no mundo ocidental. É preciso que os cidadãos conscientes deixem de lado as picuinhas e o jogo insalubre da polarização política. A história da década de 30 do século XX na Europa nos exemplifica sobre isso. Se os brasileiros não prestarem atenção no que está acontecendo no mundo, corremos o risco de votarmos com liberdade pela última vez em 2026. Depois, meu amigo, aprenda a bater os calcanhares e a esticar o braço. Inté. Ou Anauê, sei lá.

* Jornalista e fotógrafo de rua 

 

 

 

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