Tribuna Ribeirão
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Vou com os que ficam 

Sérgio Roxo da Fonseca *
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Por volta da metade do século XX, terminando o curso primário, com 10 anos, resolvi “ser padre”. Comuniquei ao meu pai o resultado do meu propósito. No dia seguinte convidou o dr. Morgade Miranda, seu amigo, para estudar comigo as consequências de minha decisão.

Perguntou-me se realmente era esta a minha decisão. Respondi que sim. Meu pai revelou-me então que ele era excomungado pela Igreja Católica por ser “maçom”. Mesmo assim confirmei minha intenção. Pediu-me que eu não revelasse a ninguém ser ele maçom. O segredo converteu-se numa razão de ser.

Levou-me à presença do Arcebispo D. Manuel da Silveira Delboux que me internou no seminário menor Maria Imaculada de Ribeirão Preto então instalado num enorme prédio localizado até hoje defronte do Hospital São Francisco. Hoje está instalado em Brodosqui.

O seminário menor era organizado em cinco pequenas salas. O seminário de Ribeirão Preto, até então muito novo, não havia ainda promovido nenhum dos seus alunos para o seminário maior de São Paulo.Dali saíram, anos depois, Leocádio Monteiro Pontes, D. Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo de Guarulhos, D. Diógenes Matheis, bispo de Franca, entre outros.

Muitos membros da Igreja punham-se contra qualquer afastamento da firme orientação religiosa pregada pelo Papa Pio XII. Dia e noite criticavam a maçonaria, a comunidade dos excomungados que, dia mais, dias menos iriam pagar seus pecados nas chamas infernais do capeta.  

Aquela pregação me trazia-me uma enorme amargura, pois supunha que não podia ser atenuada por ninguém, tendo em conta a promessa feita ao meu pai, homem reconhecidamente honesto já condenado a cumprir a pena perpétua no fogaréu do capeta.

O orientador espiritual do seminário era o Padre Luiz de Abreu que, tal como eu, gostava de futebol, o que era visto por ali como um defeito de conduta, tendo em conta a rígida disciplina imposta pelo reitor Cônego Sílvio de Morais Matos, que tempos após tornou-se o cura da Catedral da Sé de São Paulo.

Não suportando o peso do silêncio, fruto do enorme respeito que tinha pelo meu pai, um dia dirigi-me à sala do Padre Luiz e lhe disse- que vivia o cuidando de um enorme e doloroso segredo. Na época já estava beirando os 13 anos.  

Qual é o seu segredo, perguntou-me? Meu pai é maçom excomungado e irá assim para o inferno. Espero ir com ele em sua eterna companhia, acrescentei.

Então seu pai é maçom? É maçom, respondi! É excomungado, repliquei.

Pois fique sabendo que o meu pai, enquanto vivo, também era maçom e honestíssimo. Então se e ele morreu, acrescentei, deve estar cumprindo as penas eternas do inferno.

Não, não está no inferno de maneira nenhuma. O Cristo, quando derramou seu sangue na cruz, salvou a alma de todos os homens da terra, de todas as mulheres e até mesmo de todas as crianças. Esse foi o enorme milagre que Cristo trouxe ao mundo, sentenciou calmamente o Padre Luiz de Abreu nos corredores do seminário menor.

Mas é possível um maçom escapar das trevas perpétuas, insisti? A resposta afirmativa que ouvi tinha a sonoridade do sacrifício do calvário. “Vou com os que ficam”.

Meu pai enquanto viveu nunca se afastou da maçonaria. Há cinquenta anos passou a morar em Barra Mansa-RJ, cuidando de todos que precisavam do seu cuidado. Longe da política não deixou bens a inventariar.

A cidade de Barra Mansa rebatizou uma praça do seu centro urbano dando a ela o nome de Praça Dante Fonseca.

* Advogado, professor livre docente aposentado da Unesp, doutor, procurador de Justiça aposentado, e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras
 

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