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Projeto esquenta clima entre PM e Polícia Civil

Assim que o governador Tarcísio de Freitas divulgou que a PM poderia fazer Termo Circunstanciado, policiais civis subiram o tom e cresceu disputa entre as forças 

De acordo com projeto, PM poderia registrar ocorrências de menor gravidade ( Max Gallão Mesquita)

Por Adalberto Luque 

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou, na terceira semana de abril, que a Polícia Militar (PM) vai poder exercer atividades de investigação no Estado de São Paulo. De acordo com Tarcísio, as medidas constam em uma ordem preparatória que prevê implementar o Termo Circunstanciado Policial Militar (TCPM). 

Desta forma, os PMs vão poder registrar ocorrências de menor potencial ofensivo, com penas de até dois anos. Atualmente isso é atribuição exclusiva da Polícia Civil. Para que isso seja viabilizado, foi dito que os batalhões receberão reformas e os policiais militares terão um rápido treinamento. 

Desta forma, os PMs poderiam registrar a ocorrência, apreender objetos que possam comprovar um crime, requisitar exames e investigar. A medida, todavia, desagradou aos policiais civis. 

A presidente do Sinpol, Fátima Aparecida Silva, diz que problema seria facilmente resolvido se governo preenchesse as 17 mil vagas em aberto na Polícia Civil (Sinpol/Divulgação)

 Segundo a presidente do Sindicato dos Policiais Civis da região de Ribeirão Preto (Sinpol), Fátima Aparecida Silva, todas essas são atribuições de Polícia Judiciária. “A Polícia Civil sofre com a falta de recursos humanos. Temos um déficit em todo o Estado de 17 mil policiais civis. Só em Ribeirão Preto, é preciso contratar mais 50 investigadores, 50 escrivães e 20 delegados, apenas para ficarmos nas carreiras da chamada ‘linha de frente’. E o governador vai aumentar o serviço dos policiais militares e causar uma grande confusão”, prevê Fátima. 

Para ela, se um Termo Circunstanciado não for bem elaborado, vai favorecer o criminoso, porque o que faz com que alguém pague por um crime que cometeu é o processo de elaboração do inquérito, onde são coletadas provas, onde objetos que comprovem o crime são devidamente apreendidos, onde o inquérito é redigido de forma uniforme, para que a Justiça e o Ministério Público possam exercer seu trabalho e condenar o infrator. 

“A PM tem papel ostensivo e repressivo. Alegam que uma viatura leva até quatro horas para registrar uma ocorrência. Isso ocorre porque no plantão só tem um escrivão. Se o governo contratasse mais policiais civis, o processo seria célere”, observa. 

Ainda neste ano 

A expectativa do governo era implementar até o final do ano. O Termo Circunstanciado é elaborado em crimes de menor potencial ofensivo e com julgamentos mais rápidos, pois tramitam em juizados especiais. A ideia é que o TC seja registrado por um PM na rua e, depois, revisado por um PM graduado que ficará no batalhão. Na sequência, será assinado pelo oficial responsável e encaminhado para o juizado. 

Porém, os PMs poderiam intimar vítimas, autores e testemunhas para prestarem depoimento. E realizar diligências para coletar mais informações, ou seja, investigar. Para Fátima, isso é usurpar as atividades da Polícia Civil. 

“Quando falamos em um déficit de 17 mil cargos, não se trata de novas vagas, mas de vagas que não foram preenchidas desde 2013, quando o governo publicou a última portaria que trata do assunto. Ou seja, policiais civis se aposentaram, morreram, deixaram a Instituição e não foram substituídos. Hoje um policial civil faz o trabalho de dois, três ou até mais. Um absurdo. Estamos cansados de tanto descaso”, desabafa. 

Menor número 

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a medida de Tarcísio chega num momento crítico para a PM de SP. Ao divulgar seu Anuário Brasileiro de Segurança Pública em 26 de fevereiro deste ano, o FBSP informou que a Polícia Miliar de São Paulo encolheu 8,9% em 10 anos. 

Em 2013 a Corporação tinha 89.869 policiais militares na ativa. No ano passado o número foi de 80.037. E o serviço vai aumentar, com a nova atribuição que o governador deve determinar para a PM.  

“Isso tudo parece ser mais para mascarar uma situação. Se até a PM está com efetivo menor, imagine a Polícia Civil. E o salário continua baixo. Quando o atual governador assumiu, o policial civil paulista recebia o segundo pior salário do País. Hoje subimos um pouco. Recebemos o sétimo pior. Isso espanta interessados em seguir carreira. Nossa data-base foi março e o governador sequer mencionou que estuda um reajuste. Ganhamos mal, trabalhamos muito, ficamos frustrados por não atender a população como ela merece. Afinal, a população é nosso verdadeiro patrão. Os governos ocupam cargos com tempo determinado. E não investem na segurança, não valorizam os policiais”, dispara Fátima. 

Para a presidente do Sinpol, além de aumentar a carga de trabalho do PM, a medida vai gerar diversos problemas. Além disso, deve criar mais animosidade entre policiais civis e militares, que já viveram dias tensos e hoje têm um convívio pacífico. “Podemos voltar a ter disputas, animosidades de ambos os lados”, prevê.  

Favorecimento 

O Sinpol também enxerga um favorecimento à PM, em detrimento da Polícia Civil. Para a presidente do sindicato, o fato do secretário da Segurança Pública, Guilherme Muraro Derrite, ser oficial reformado da PM e as medidas recentes, levam a essa suspeita.  

“Ano passado, os índices de reajuste para os PMs foram maiores. A Polícia Civil não tem mais participado das ações conjuntas com o Ministério Público no combate a facções criminosas. Isso pode demonstrar um favorecimento às ações da PM”, entende. Fátima também acusa Derrite de não conversar com os policiais civis. “Estamos há um ano tentando uma reunião com o secretário e não somos atendidos. Parece que o policial civil é considerado menos importante no atual governo”, alfineta. 

Subindo o tom 

Diante da insatisfação com a medida, a cúpula da Polícia Civil se reuniu. O delegado-geral Artur Dian convocou uma reunião extraordinária do Conselho da Polícia Civil, realizada na segunda-feira (22). Além dos chamados “cardeais” (os 23 delegados que ocupam postos de chefia), estava presente o secretário-adjunto da SSP, delegado Osvaldo Nico Gonçalves. 

Assim que a longa reunião terminou, Derrite divulgou um vídeo anunciando um recuo. Informou que será constituído um Grupo de Trabalho (GT) com dois representantes da PM, dois da Polícia Civil e dois da Polícia Técnico-Científica, com 45 dias para examinar o tema. 

Além de analisar se a PM irá elaborar os TCs, o grupo também vai estudar a criação de um Boletim de Ocorrência Único. Derrite garantiu que não haverá invasão de atribuições entre as forças policiais. Ainda assim, os ânimos ficaram acirrados. PM e Polícia Civil, historicamente, já tiveram vários episódios de conflitos. 

Um deles foi na greve dos policiais civis, em 2008, quando, por ordem do então governador José Serra, a PM impediu o avanço de policiais civis em greve, que marchavam do estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbis, ao Palácio dos Bandeirantes. Vários policiais, das duas forças, chegaram a empunhar armas e o clima ficou extremamente tenso, no episódio lembrado como a “Batalha dos Bandeirantes”. O que se espera é que isso não se repita mais. 

 Elaborar TC está previsto em Lei 

Coronel aposentado e especialista em Segurança Pública, Gritti avalia que qualquer pessoa pode registrar uma ocorrência através da Delegacia Eletrônica e PM não estaria praticando ato de polícia judiciária  (Alfredo Risk) 

Coronel aposentado da Polícia Militar e especialista em Segurança Pública, Marco Aurélio Gritti não vê problemas na elaboração de TC. Segundo ele, é um documento de registro de contravenções e crimes de menor potencial ofensivo, previsto no artigo 69 da Lei 9099/1995 e é feito há muito tempo, pela PM de 18 estados brasileiros, além da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Polícia Ambiental, diante das distâncias entre o local dos fatos e o registro. 

“O TC nada mais é do que um Boletim de Ocorrência com mais informações, ou seja, documento de REGISTRO. Não é investigação, nem tampouco se trata de ato de polícia judiciária (Flagrante ou Inquérito Policial)”, avalia Gritti. 

Ele explica que qualquer pessoa pode registrar um crime ou contravenção através do Boletim de Ocorrência (BO), através da Delegacia Eletrônica, o que é permitido por Lei. “Por certo que o legislador e o STF entenderam plenamente Constitucional que a Autoridade Policial Militar também o fizesse. O TC/PM é um meio de gestão inteligente, de atendimento célere e eficaz, dentro da Lei, com economia de meios, de tempo e combustível, permitindo com que os policiais militares REGISTREM o fato, e rapidamente retornem à atribuição Constitucional de Policiamento Preventivo e Preservação da Ordem Pública”, conclui Gritti. 

SSP diz que medida fortalece investigação 

A SSP informou que a elaboração do Termo Circunstanciado de Ocorrência pela PM é prevista pela Lei Federal 9.099/95 e referendada por recentes decisões do Supremo Tribunal Federal.  

“Segundo entendimento da própria Suprema Corte, a lavratura do TCO não é atribuição exclusiva da polícia judiciária e não é um ato investigativo. Trata-se de um procedimento administrativo para o registro de crimes de menor potencial ofensivo – com pena máxima de até dois anos ou contravenções penais -, que são apresentados diretamente ao Juizado Especial Criminal, sem prejuízo às atividades de policiamento preventivo e ostensivo.” 

A SSP acrescentou que a medida já está em funcionamento em 17 estados brasileiros e tem por objetivo dar mais celeridade ao atendimento do cidadão, otimizar recursos e garantir condições à Polícia Civil para fortalecer as investigações de crimes de maior potencial ofensivo, sem prejudicar o policiamento preventivo e ostensivo nas ruas do Estado. 

 

 

 

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