Tribuna Ribeirão
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Neurociência da vida cotidiana (22): Dislexia 

José Aparecido Da Silva* 

Sabemos que nem todas as crianças aprendem a ler no primeiro ou no segundo ano escolar e algumas delas tornar-se-ão adultos sem lidarem confortavelmente com a leitura (a herdabilidade para a habilidade de leitura varia entre 60 e 80%). Segundo Shaywitz e colaboradores (Shaywitz BA, Lyon GR, Shaywitz SE. The role of functional magnetic resonance imaging in understanding reading and dyslexia. Dev Neuropsychol. 2006;30(1):613-32) a mais comum das citadas incapacidades de leitura é a dislexia, incapacidade para ler apesar de educação apropriada, inteligência normal e ausência de lesões ou transtornos sensoriais ou neurológicos. Definida como condição de neurodesenvolvimento caracterizada por reconhecimento incorreto e lento de palavras, a dislexia representa uma desordem dentro do sistema de linguagem e mais especificamente dentro de um sub-componente daquele sistema, processamento fonológico. Levantamentos indicam que problemas de leitura afetam 3 a 17% das pessoas no mundo e que, em adição, 5 a 10% das crianças escolares vivenciarão dificuldades com leitura. Muitas dessas crianças manifestarão várias (mas raramente todas) das seguintes características: dificuldades de gerar palavras que rimam ou contar sílabas em palavras (consciência fonológica), dificuldade de manipular sons em palavras (consciência fonêmica), dificuldade de distinguir diferentes sons em palavras (processamento fonológico) e dificuldade em aprender os sons de letras (fonética).  Ademais, as crianças afetadas poderão estar em maior risco para vários problemas educacionais e psicossociais persistentes, tais como estresse, ansiedade e deficiências no processamento cognitivo.  

Porém, sendo dislexia um constructo cuja definição é ampla, e até mesmo controversa, suscita discussões teóricas, educacionais e clínicas. Por exemplo, entender dislexia como um desempenho de leitura abaixo do que seria esperado dado o QI (Quociente Intelectual) de um indivíduo, tem sido crucial para considerá-la como uma dificuldade de aprendizagem específica. Nos EUA, embora haja legislação educacional específica que impeça escolas usarem testes de QI para identificar indivíduos com dificuldades de aprendizagem, a maioria delas e, também, os psicólogos escolares, ainda baseiam-se na discrepância entre o desempenho de leitura e o escore de QI para definirem dislexia. Aqui entende-se que na presença de uma intacta habilidade intelectual geral, dificuldades de leitura podem surgir de diferentes causas requerendo formas de tratamento diferentes daquelas dificuldades acompanhadas por baixa habilidade intelectual. Outros estudos sugerem que o déficit fonológico subjacente é similar em pobres leitores discrepantes (baixa pontuação em leitura e alto QI) e nos não-discrepantes (baixa pontuação em leitura e baixo QI). Na realidade, achados sugerem que as bases cerebrais subjacentes ao fracasso de leitura são similares em todas as crianças com baixos escores nesta, sejam, ou não, tais escores discrepantes das pontuações da capacidade intelectual mensurada por testes de QI. Mas, como decompor este problema? 

Para resolver esta questão, pesquisadores (ver, por exemplo, Shaywitz BA, Lyon GR, Shaywitz SE. The role of functional magnetic resonance imaging in understanding reading and dyslexia. Dev Neuropsychol. 2006;30(1):613-32; Prasad S, Sagar R, Kumaran SS, Mehta M. Study of functional magnetic resonance imaging (fMRI) in children and adolescents with specific learning disorder (dyslexia). Asian J Psychiatr. 2020 Apr;50:101945; Hernández-Vásquez R, Córdova García U, Barreto AMB, Rojas MLR, Ponce-Meza J, Saavedra-López M. An Overview on Electrophysiological and Neuroimaging Findings in Dyslexia. Iran J Psychiatry. 2023 Oct;18(4):503-509.) usaram a técnica de ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês) para examinarem se as atividades cerebrais que ocorrem durante o processamento fonológico característico da dislexia seriam similares, ou não, entre crianças com pobre habilidade de leitura, mas com QI elevados (leitores discrepantes) e crianças com pobre habilidade de leitura, mas com QI rebaixados (leitores não-discrepantes). Os participantes com dificuldades de leitura tinham entre oito e 17 anos, mas sem qualquer diagnóstico de desordem psiquiátrica, neurológica, sensorial ou déficit de atenção, e não usavam qualquer medicação psicotrópica. Os dados revelaram que os pobres leitores, discrepantes e não-discrepantes, exibiram padrões similares de ativação reduzida nas áreas cerebrais, como, as regiões occipito-temporal e parieto-temporal esquerdas. Os resultados convergem com as evidências comportamentais indicando que, independente do QI, pobres leitores têm tipos de dificuldades de leitura similares em relação ao processamento fonológico. 

De outro lado, nosso amigo, Dr. Simon Grondin, em seu livro “The perception of time: your questions answered” (2020), baseando-se na teoria do processamento cognitivo, a partir de dados de um estudo por ele realizado mostrou que, comparado às crianças sem dificuldade de linguagem, aquelas que apresentam alguma deficiência têm maior obstáculo em determinar a ordem temporal de estímulos auditivos não verbais quando a duração entre esses estímulos é de 150 milissegundos ou menos. Observações similares têm sido focalizadas sobre o uso de sílabas que seguem uma à outra rapidamente. Por sua vez, outro estudo relatado por ele envolvendo mais de 160 variáveis, conhecidas por estarem relacionadas a problemas de linguagem, 98% das crianças, no estudo, foram classificadas como tendo ou não tendo uma desordem, baseado em seis variáveis, cada uma envolvendo habilidades de processamento temporal. Considerando, até então, estes e outros estudos similares, reforça-se a hipótese de um déficit de processamento temporal como um plausível fator causal de incapacidade de linguagem específica. Em relação à incapacidade de leitura, também se supõe problemas conectados ao processamento de informação temporal, pois este fator não é apenas limitado à linguagem oral, mas, também, estende-se à aprendizagem de leitura. De fato, uma incapacidade de leitura é diagnosticada como tal quando a habilidade de leitura é significativamente piorada do que o normalmente esperado de uma criança de uma dada idade, considerando suas habilidades sensoriais e intelectuais e o ensino por ela recebido. Assim, a desordem freqüentemente conhecida como dislexia, ou dislexia de desenvolvimento, não é um mero atraso na aprendizagem. Assim, quando comparadas às crianças que não têm qualquer problema dessa ordem, aquelas com incapacidade de aprendizagem de leitura também têm dificuldade para perceber a ordem de chegada de estímulos separados por 8 até 305 milissegundos. 

Professor Visitante da UnB-DF* 

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