Tribuna Ribeirão
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De onde vem o Fundamentalismo religioso 

José Antônio Lages * 
 
O Fundamentalismo cristão vem, em grande parte, de um entendimento literalista da Bíblia. Isso quer dizer que se trata de uma leitura ao pé da letra dos textos bíblicos, exatamente do jeito que estão escritos. Quem faz isso não leva em conta a época, o gênero literário, a forma e, principalmente, o contexto e a finalidade para o qual foi escrito um determinado texto. Desconsidera o seu significado e o seu simbolismo. Tudo com o álibi da inspiração divina. Este tipo de entendimento do que se considera “a Palavra do Senhor” tanto no Primeiro quanto no Segundo Testamentos embasa boa parte das posturas religiosas conservadoras na atualidade. Isso ocorre mais frequentemente nas denominações evangélicas pentecostais e neopentecostais, bem menos entre os católicos. 
 
Tive a felicidade de fazer minha graduação de Teologia em uma faculdade evangélica(!), em Brasília, onde a maioria dos professores possuía ótima formação acadêmica. Eram mestres e doutores formados pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), a mesma em que, anos depois, fiz meu doutorado em Ciências da Religião. Costumo dizer aos amigos e amigas que esta foi a coroação da minha vida acadêmica como aluno, tal a riqueza de conhecimento que pude adquirir em um campo em que transito desde o meu curso de Filosofia na UFJF. É que, já naquela época, cursei várias disciplinas optativas em Ciências da Religião (numa Federal!) e sempre quis me aprofundar no tema. 
 
Depois do doutorado, fiz um curso de pós-graduação lato senso em Profetismo e Apocalíptica, me especializando nestes dois temas tão importantes dos estudos bíblicos. Por outro lado, tive uma vida profissional dedicada à História, como pesquisador e como docente nas escolas públicas e privadas de nossa cidade. Este conhecimento de História muito me auxiliou nos estudos de Teologia e Ciências da Religião. Aliás, a História é uma das ciências que estuda as religiões, ao lado, principalmente, da Sociologia e da Antropologia. Tenho boas recordações da viagem de estudos que fizemos à Israel, Cisjordânia e Jordânia em 2014, sob a condução do Prof. Ademar Kaefa, verdadeira autoridade no assunto. Visitamos escavações arqueológicas relacionadas à Bíblia. Aquilo foi demais! 
 
Minha tese defendida em 2016 abordou o ensino religioso nas escolas sob a perspectiva do Estado Laico. Retornei à área da Educação. Pude fazer um estágio acadêmico com bolsa sanduíche da CAPES no GSRL (Grupo de Pesquisa sobre Sociedades, Religiões e Laicidades) que é, na verdade, um laboratório de pesquisa do Centre nacional de larecherchescientifique (CNES) da l’École pratique deshautesétudes (EPHE), em Paris. Trata-se do maior centro mundial de pesquisa sobre a Laicidade. Este estágio foi essencial para a minha pesquisa. Mas já vou logo esclarecendo: defendo o ensino do fenômeno religioso como uma área de conhecimento que pode ser ensinada no ambiente escolar laico e democrático. E nisso a França já deu o exemplo! 
 
Buda já dizia que o grande conflito da humanidade não é entre o bem e o mal, mas entre o conhecimento e a ignorância. E lembro disso para me referir a essa teologia rasa, medíocre e charlatã de muitos pastores e líderes religiosos que arrastam multidões para um caminho que tem levado inevitavelmente para a manipulação de consciências, para a mentira e a violência. E para quê? Para um projeto de poder sobre todos nós. É a isso que tem levado o fundamentalismo religioso. Como afirma o Frei Gilvander Luís Moreira, doutor em Educação pela UFMG, “aleitura libertadora dos textos bíblicos consiste em interpretação comunitária, aberta ao outro, dinâmica, ecumênica e inter-religiosa, geradora de vida, transformadora e multifacetária”. Essa leitura deve necessariamente levar em conta o contexto histórico em que foram escritos os textos bíblicos. 
 
Termino com a citação de um trecho do documento da Pontifícia Comissão Bíblica da Igreja Católica: “A abordagem fundamentalista é perigosa, pois ela é atraente para as pessoas que procuram propostas bíblicas para os seus problemas da vida. Ela pode enganá-las oferecendo-lhes interpretações piedosas, mas, ilusórias, ao invés de lhes dizer que a Bíblia não contém necessariamente, uma resposta imediata a cada um desses problemas. A leitura fundamentalista convida, sem dizê-lo, a uma forma de suicídio do pensamento. Ela coloca na vida uma falsa certeza, pois confunde, inconscientemente, as limitações humanas da mensagem bíblica, com a substância divina dessa mensagem.” Suicídio do pensamento – é exatamente isso que promove o fundamentalismo. 
 
* Consultor técnico-legislativo e ex-vereador em Ribeirão Preto (Legislatura 2001-2004) 

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