Perci Guzzo *
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Permaneci próximo do urso polar por um longo tempo… Uma curiosidade instigante me manteve a seu lado e assim pude ver no detalhe suas grandes patas,seu pelo grosso e seu corpo compacto. Um exemplar taxidermizado no Museu do Mar “Aleixo Belov” em Salvador, Bahia. Já havia visto o urso polar, vivo, lindo, no Zoológico de Colônia (Köln), na Alemanha, mas bem distante. Naquela ocasião – Anos 90 – a ameaça à espécie era a caça predatória; agora o risco é o derretimento do gelo no Ártico, seu habitat natural.
Os ursos polares se tornaram um símbolo das ameaças à sobrevivência das espécies perante o aquecimento global. Estudos recentes em população dessa espécie – Ursus maritimus – no Canadá, revelaram que eles/as se cansam mais e perdem muito peso em busca de alimento em ambientes descongelados. A fome também atinge esse forte carnívoro; espécie topo da cadeia alimentar.
Adaptados a caçar focas no mar congelado de onde obtêm farta quantidade de gordura e carne, ao contrário, em ambiente terrestre, sua dieta tem sido de frutos silvestres, ovos de aves e grama. Com o desaparecimento do gelo marinho no verão do Polo Norte, em função das altas temperaturas, o urso polar também começou a sofrer. O sofrimento e a morte serão as marcas ferrenhas das bruscas alterações do clima.
Em Zoogeografia estudamos a distribuição atual e pretérita das espécies de animais no planeta. Recente pesquisa científica identificou o nível suportável de calor para espécies animais em seus locais de vida, ou seja, o limite térmico geográfico das espécies. A predição da vulnerabilidade das espécies perante as alterações climáticas passa a ser análise obrigatória para definir locais de conservação das espécies. Assim, a Zoogeografia também deverá se ater à distribuição futura dos animais.
Nós, seres humanos, também temos nossos limites térmicos previamente definidos em função da evolução e adaptação ao longo de séculos e milênios. Expostos a ondas de calor que duram mais tempo e ocorrem com maior frequência, nossas funções fisiológicas também podem se comprometer em breve. Seja dentro ou fora de casa, em condições térmicas insalubres e inóspitas, a tendência é o estresse do corpo e da mente.
É o caso da desidratação pelo desenvolvimento de doença crônica renal (DCR) quando somos expostos a muito calor e não temos como se safar das elevadas temperaturas. Há evidências dessa síndrome como principal causa mortis em trabalhadores dos campos de cana-de-açúcar e de frutas na América Central.
A elevação das temperaturas médias e absolutas também é sufoco para as plantas. Estudo realizado por aluno do programa de pós-graduação em Biologia Comparada da Universidade de São Paulo (USP), Campus Ribeirão Preto, identificou que ocorre menor eficiência da fotossíntese nos períodos mais quentes do dia. Assim, o sequestro de Carbono também fica comprometido em biomas “quentes”, como Cerrado e Caatinga. Isso ocorre porque a temperatura é um fator limitante na conversão de energia luminosa para energia bioquímica.
Como diz Matança, a canção,“(…) só quem pode nos salvar/ é caviúna, cerejeira, baraúna/ imbuia, pau d’arco, solva/ juazeiro, jatobá/ gonçalo-alves, paraíba, itaúba/ louro, ipê, paracaúba/ peroba, massaranduba (…)”. Música de Augusto Jatobá, interpretada por Xangai. Ouça, é belíssima!
“Abaixo a temperatura!” é expressão cunhada por amigos/as que criam coletivamente gritos de ordem em manifestações políticas ou mesmo nos bares da cidade. Na maioria das vezes irônicas, e trocadilhescas como essa, esses brados também fazem sentido e possuem força. São meus amigos sábios e criativos do grupo “Vamos?”. Nós preferimos as temperaturas amenas; nostálgicos da distante infância dos palitozinhos de flanela e dos ursinhos quentes de pelúcia.
* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições