Por Fabiano Ribeiro
“Para marcar a realização de sua edição em 2019, com a participação de bandas que agitam a cena brasiliense, o Festival João Rock lança este fanzine especial para tratar da música criada na capital federal”. Essas são as primeiras linhas do prefácio, do fanzine Camelão Candango, encabeçado pelo jornalista ribeirão -pretano Ângelo Davanço, que foi lançado em Brasília e que, brevemente, deverá ser apresentado em Ribeirão Preto.
Se você gosta de rock nacional com certeza vai querer ter um exemplar do Camaleão Candango que, em riquíssimas linhas e excelentes ilustrações, traz interessantes histórias de bandas que marcaram e marcam toda uma geração, como Legião Urbana, Capital Inicial, Raimundos, Plebe Rude, entre outras, que se apresentarão no Festival deste ano.
Davanço, amante e produtor de fanzine desde sempre, conta que o projeto surgiu após uma conversa com um dos organizadores do João Rock, o empresário Luit Marques. “Produzo [fanzine] desde os anos 90. Isso despertou nele o interesse em fazer algo diferente para marcar a realização do Palco Brasil, neste ano, dedicado ao Rock de Brasília. E, como nestes tempos de tecnologia, smartphones, redes sociais, o diferente é o simples, surgiu o projeto de fazer um bom e velho fanzine de papel sobre o assunto”, conta.
Aprovada a ideia do ‘zine’ surgiu a questão: o que escrever? “Então a ideia foi fazer um passeio, por meio de textos, pelas diversas fases da cena musical de Brasília, passando pelos grupos de iê iê iê dos anos 60, a Turma da Colina nos 80, as bandas pós-Geração Coca-Cola nos 90, outros ritmos, como o reggae e o rap, até chegar à novíssima safra do rock candango. Além dos textos, resolvemos fazer histórias em quadrinhos, tão típicas dos zines, com o seguinte tema: lembranças e curiosidades das bandas de seus primeiros shows”.
“Nossa assessoria nos apresentou os fanzines do Angelo Davanço e de cara já tivemos várias ideias! Juntos chegamos ao fanzine do Palco Brasil, edição Brasília, onde os artistas puderam, sob a direção do Davanço e nossa, desenvolver desenhos e contar as histórias mais legais do começo de cada banda de Brasília, que estará no João Rock. Resultado? Uma obra-prima, que entra para os anais da nossa história e também marca os 18 anos de festival. Ficamos muito felizes com o resultado final. E pra quem não tem o seu exemplar, pode conferir digitalmente”, explicou Luit Marques.
Davanço convidou ilustradores de Ribeirão e da região, e iniciou as pesquisas e as entrevistas. Para isso contou com o apoio de Felipe Ungaretti, integrante da equipe de produção do Festival João Rock. “Daí foi fazer os roteiros das HQs, colocar os desenhistas para trabalhar e depois editar o fanzine”, explica.
A receptividade das bandas
Nesse processo todo, o tempo foi o maior desafio. Davanço e ilustradores tiveram pouco mais de um mês para produzir. “Um tempo relativamente curto se pensarmos que são sete bandas mostradas no zine, além dos textos para contextualizar as coisas”.
O jornalista conta que a receptividade das bandas foi positiva. “De novos nomes, como o Tomás Bertone, da banda Scalene, a veteranos como o Dinho Ouro Preto, do Capital, os artistas se mostraram surpresos com o tema e curtiram rememorar coisas do início de carreira”.
Uma curiosidade relatada por Davanço foi a empolgação do pessoal da Plebe Rude. “Philippe Seabra e André X, da Plebe Rude, pareciam crianças ao falar sobre os primeiros shows, quando eram apenas adolescentes e aprontavam coisas de adolescentes! Fazer este zine também me fez retornar ao contato com artistas e bandas do rock, algo que eu fazia regularmente nos anos 90, e hoje, como naquele tempo, a impressão que tenho é que estes caras adoram uma oportunidade de fugir do óbvio, de falar de outras coisas que não sejam como é o novo disco ou como será a próxima turnê!”.
Além das entrevistas com os músicos, Davanço buscou informações com jornalistas ligados à cena musical de Brasília, pesquisou livros, sites e documentários sobre o tema.
Quando e como adquirir um exemplar ainda não foram divulgados. Mas se você quiser ver o excelente resultado, basta acessar https://assets.joaorock. com.br/JR2019_Fanzine_CamaleaoCandango.pdf (o zine está disponível para visualizações em PDF).
Davanço e o interesse pelos fanzines
“Antes de ser jornalista eu já era fanzineiro. Lancei o zine A Falecida, junto ao José Luís Gomes e ao Milton Billar Montero, em julho de 1991. Me formaria na Unaerp apenas em dezembro daquele ano” conta Angêlo Davanço sobre seu amor pelos fanzines.
O jornalista lembra que, naquela época, sem internet, sem uma mídia cultural muito atuante, a única maneira de conhecer coisas novas na área cultural era por meio da Folha Ilustrada e da revista Bizz. “E havia os fanzines, que faziam o papel de mostrar as coisas que a mídia não mostrava. Fazer um fanzine, naquela época, era por um desejo de compartilhar as coisas que a gente se deparava com outras pessoas. E assim fizemos com os quadrinhos, a literatura, o cinema e, especialmente, a música”.
A Falecida trazia, além de novidades, conversas com músicos já estabelecidos. “E assim falamos sobre cinema e política com o Renato Russo, sobre poesia com o Arnaldo Antunes, além de entrevistas com Titãs, Ira!, Marcelo Nova, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Hermeto Pascoal e blueseiros como Nuno Mindelis, Blues Etílicos e Magic Slim. Depois de idas e vindas do zine A Falecida, muitas oficinas de fanzines realizadas e o surgimento da internet, fazer fanzine ficou meio que fora de moda. A novidade era fazer um blog, uma fanpage, um perfil em rede social. Fiz tudo isso, mas a ideia de fazer zines de papel nunca me abandonou. Hoje produzo zines como uma forma de resistência. Um modo de mostrar às pessoas que existe muita vida além das telas de computadores e que não importa o veículo, o que precisamos, mais do que nunca hoje, é desenvolver nossa capacidade de reflexão e de criatividade. E nada melhor que um zine, um veículo extremamente barato, para ser o veículo destas ideias”.
Para quem conviveu com A Falecida, ou tem curiosidade em conhecer, Davanço tem em mente retomar uma produção regular do zine. Além disso, quer restabelecer as publicações do canal {ofizine}, que criou há dois anos e está parado. “Trata-se de um espaço na internet, com blog e redes sociais, destinado a mostrar o que tem sido feito no meio fanzineiro no Brasil, além de mostrar zines do passado”.
Interessados pelo tema podem procurar o projeto Zine Travessa, coordenado por Davanço. O encontro mensal é destinado para falar e fazer fanzines e ocorre na Livraria da Travessa. “[Também] integro o Coletivo Z, que surgiu a partir destes encontros, e tem todo o trabalho dos zines junto à Feira do Livro, que desenvolvo já há quatro anos ao lado dos historiadores e também fanzineiros Arnaldo Junior e Arnaldo Neto. Teremos muitas ações interessantes na feira deste ano”, finaliza.
Ilustradores curtiram o projeto
Alexandre Nascimento (Raimundos), Alex Soares (Capital Inicial), João Edno (Natiruts), Karen Fagu (Scalene), Lucas Lourenço (Tribo da Periferia, Primitivos, Hamilton de Holanda e Renata Jambeiro), Vinil (Legião Urbana) e Vitor Pandão (Plebe Rude) integram o time de ilustradores de que participou do Camaleão Candango. Para eles, o projeto foi mais que trabalho.
“Sou fã de rock e quando fui convidado para participar do projeto eu pedi antes do Ângelo me dizer quais seriam as bandas, para ilustrar sobre o Raimundos, por ser fã da banda desde adolescente”, conta Alexandre Nascimento.
“O processo foi bem legal. Pesquisei muitas fotos antigas da banda para ambientar a história, o estilo das roupas, e durante o processo de arte final a música foi minha maior companheira, e assim consegui contar como foi o primeiro show da banda”, completa.
Vinil foi o responsável por ilustrar uma das bandas mais emblemáticas do rock nacional, a Legião Urbana. “Foi por si só um presente, já que foi uma das bandas que marcou minha adolescência. Assim, a experiência de trabalhar nesse fanzine foi ao mesmo tempo desafiadora, pela responsabilidade de representar e traduzir uma parte da história do país para a linguagem dos quadrinhos, mas também prazerosa, por conta de tudo que pudemos abordar”, conta.
A banda Capital Inicial ficou a cargo de Alex Soares
“A história [Dinho e Capital] era bem inusitada, pois depois de alguns dias de ter estreado como vocalista e ter subido pela primeira vez no palco, o Dinho já estava fazendo show no Circo Voador, no Rio de Janeiro, um dos espaços culturais mais simbólicos do país. Como a própria história já se colocava como um ótimo roteiro, as minhas atenções se voltaram para a ambientação e estética dos anos 80 em Brasília, desde as músicas que eles cantavam, as roupas e suas referências musicais. Como eu sou designer por formação, utilizei ferramentas como os painéis semânticos para construir esse cenário, foi nesse momento que soube que a banda gostava muito de The Clash, Sex Pistols, Ramones e tudo que envolvia a cultura do Punk Rock naquele momento. Isso foi interessante, pois comecei a colocar vários easter eggs relacionados a essa cultura, principalmente nas roupas dos personagens, que quem olhar com atenção quando ler o fanzine vai notar. Também utilizei de referência muitas fotos e roupas da própria banda, coletando imagens de suas apresentações de documentários e programas de televisões da época, como o Cassino do Chacrinha. Nessa etapa eu fiquei muito surpreso também, já que a imagem que tinha da banda é muito mais próxima do que ela está hoje, é divertido ver como a cultura vai evoluindo ao passar do tempo. Participar do projeto foi incrível! É algo que vou me lembrar com muito carinho para o resto da vida”, ressalta o ilustrador.
Vitor Pandão ilustrou a parte da Plebe Rude. “Quando o Ângelo me convidou para o zine eu achei que seria um tributo para as bandas em questão. Não pensei duas vezes e logo respondi que aceitava participar do projeto, afinal, nele estão duas paixões: a música, que pude escolher a banda Plebe Rude, e o desenho! O mais complicado foi adaptar a história da banda em apenas quatro páginas. Tentei destacar alguns fatos importantes para a Plebe, como o fato de carregarem os pedais da guitarra, em uma mala velha, para facilitar fugir da polícia quando necessário. O trabalho foi feito todo à mão, em grafite, e posteriormente a arte final foi feita em nanquim, com pincel, sendo digitalizado apenas no final do processo. Fiquei preocupado com o resultado final, mas ficou muito bom.
A grande surpresa ficou para o final, quando o Ângelo nos disse que o trabalho seria para o João Rock! Caramba! Um zine para esse grande festival de música, da nossa cidade! É uma grande satisfação, realização e felicidade ter participado desse projeto!”, finaliza.
Sobre o Fanzine Camaleão Candango
- Formato A5, com capa colorida e 40 páginas.
- Angelo Davanço (pesquisa, entrevistas, produção de conteúdo e edição)
- Felipe Ungaretti (pesquisa e produção)
- Bruno Grillo (direção de arte)
- Luit Marques e Marcelo Rocci (direção geral)
- Ilustradores: Alexandre Nascimento (Raimundos), Alex Soares (Capital Inicial), João Edno (Natiruts), Karen Fagu (Scalene), Lucas Lourenço (Tribo da Periferia, Primitivos, Hamilton de Holanda e Renata Jambeiro), Vinil (Legião Urbana) e Vitor Pandão (Plebe Rude).