Tribuna Ribeirão
Artigos

‘Chega de homenagens. Eu quero o dinheiro’

Um dos compositores mais populares e que conseguiu, como cronista da cidade de São Paulo, retratar a vida dos mais humildes, suas mazelas e seu cotidiano, foi o nosso querido Adoniran Barbosa. Seu verdadeiro nome é João Rubinato, mas como ele queria seguir a carreira de ator, cantor e compositor no rádio, achava que esse não era um nome artístico apropriado, estava mais para cantor de ópera do que para um artista popular.

Daí emprestou o Adoniran de um amigo que trabalhava nos Correios e o Barbosa de um sambista famoso chamado Luis Bar­bosa, um mestre no batuque e um dos precursores do breque no samba. Em relação aos sambas mais famosos do mestre Adoniran, qual seria a inspiração para a composição de “Saudosa Maloca”?

Adoniran fez amizade com um destes sem-teto, morador de maloca, residente do antigo Hotel Albion, na rua Aurora. Seu nome era Mário, bem mais conhecido como Mato Grosso. Uma noite, Adoniran saiu para um passeio com Peteleco, seu cachorro de estimação. Passando em frente às ruínas do Albion, encon­trou-se com Mato Grosso, que lhe deu a notícia: logo perderiam o lar, pois o prédio seria demolido.

Condoído com a sorte de Mato Grosso e seus companheiros de maloca, Adoniran, ao voltar para casa, compôs o samba todo, de uma vez só (“Se o sinhô não tá lembrado dá licença de contá…). “Eu só conheci dali o Mato Grosso, pois o Joca foi imaginação minha. Servia pra rimar com maloca…”, contou Adoniran.

Em relação ao samba “Iracema”, Adoniran narra da seguinte for­ma a sua criação: “Iracema foi que eu vi no jornal. Cuitada, eu vi. E não foi na São João, foi na Consolação. Foi no dia em que eu li deste desastre. Como eu li a notícia, fiquei… E falei, aqui vai dar um sam­binha. Foi o primeiro samba errado que fiz, Iracema”. Este samba nos traz o Adoniran cronista, aquele que narra os acontecimentos da metrópole de forma simples e direta, com uma linguagem popular, própria do ítalo-caipira-paulista que ele era.

Quanto ao “Samba do Arnesto”, acredito que é o mais curioso e polêmico, quanto à inspiração e as versões que Adoniran criou para explicar a sua origem. Ora o sambista afirmou que o Arnesto sempre existiu, e se chamava Ernesto; ora seu nome verdadeiro era Walter; ou simplesmente “nunca fui à casa dele, nunca existiu”.

Em 1990, o Diário Popular publicou uma matéria sobre Ernesto Paulelli, violonista e advogado que em 1938 teve o primeiro contato com Adoniran, na Rádio Record, e disse que o sambista foi logo lhe dizendo: “Vou fazer um samba com o teu nome, aduvida?”. Adoni­ran compôs a música e cumpriu a promessa 14 anos depois.

Quanto à história contada na letra do samba, deixemos que Adoniram explique, mas é apenas uma de suas muitas explicações: “Um dia saí da Record e fui à procura do Joca e do Mato Grosso. Eles tinham me convidado para um samba na casa de um amigo do Joca que morava no Brás. O amigo do Joca se chamava Ernesto, mas a turma o chamava de Arnesto.

Apanhamos o bonde na Praça Cló­vis e rumamos para o Brás. Descemos na Rua Bresser e caminha­mos até a terceira travessa, onde morava o Arnesto. Era um cortiço, e quando chegamos lá ficamos sabendo que o Arnesto não tinha recebido o dinheiro que esperava para fazer o baile. Envergonhado, fechou a maloca e se mandou pra Penha. Decepcionados, voltamos para a cidade e dentro do bonde veio a vontade de fazer este samba”: “O Arnesto nus convidou, prum samba ele mora no Brás, nós fumu e não encontremo ninguém. Nóis vortemu com uma baita de uma reiva, da outra vez nóis não vai mais. Nóis não semos tatu”.

E como disse Antonio Cândido: “Adoniran é um paulista de cerne que exprime a sua terra com a força da imaginação alimenta­da pelas heranças necessárias de fora”. Entretanto, no final da vida, numa condição de pobreza e de pouco prestígio para um artista tão significativo e importante para a cultura paulista e brasileira, disse desgostoso: “Chega de homenagens. Eu quero o dinheiro”.

“A tristeza é um bichinho que pra roer tá sozinho. E como rói a bandida. Parece rato em queijo parmesão”. Salve Adoniran Barbosa.

Postagens relacionadas

Aonde nossa querida “Terra Brasilis” irá parar? (1)

Redação 1

Embaixada do Brasil em Jerusalém?

Redação 1

Cérebro, Cognição e Comportamento (14)

Redação 1
Artigos

‘Chega de homenagens. Eu quero o dinheiro’

Um dos compositores mais populares e que conseguiu, como cronista da cidade de São Paulo, retratar a vida dos mais humildes, suas mazelas e seu cotidiano, foi o nosso querido Adoniran Barbosa. Seu verdadeiro nome é João Rubinato, mas como ele queria seguir a carreira de ator, cantor e compositor no rádio, achava que esse não era um nome artístico apropriado, estava mais para cantor de ópera do que para um artista popular.

Daí emprestou o Adoniran de um amigo que trabalhava nos Correios e o Barbosa de um sambista famoso chamado Luis Bar­bosa, um mestre no batuque e um dos precursores do breque no samba. Em relação aos sambas mais famosos do mestre Adoniran, qual seria a inspiração para a composição de “Saudosa Maloca”?

Adoniran fez amizade com um destes sem-teto, morador de maloca, residente do antigo Hotel Albion, na rua Aurora. Seu nome era Mário, bem mais conhecido como Mato Grosso. Uma noite, Adoniran saiu para um passeio com Peteleco, seu cachorro de estimação. Passando em frente às ruínas do Albion, encon­trou-se com Mato Grosso, que lhe deu a notícia: logo perderiam o lar, pois o prédio seria demolido.

Condoído com a sorte de Mato Grosso e seus companheiros de maloca, Adoniran, ao voltar para casa, compôs o samba todo, de uma vez só (“Se o sinhô não tá lembrado dá licença de contá…). “Eu só conheci dali o Mato Grosso, pois o Joca foi imaginação minha. Servia pra rimar com maloca…”, contou Adoniran.

Em relação ao samba “Iracema”, Adoniran narra da seguinte for­ma a sua criação: “Iracema foi que eu vi no jornal. Cuitada, eu vi. E não foi na São João, foi na Consolação. Foi no dia em que eu li deste desastre. Como eu li a notícia, fiquei… E falei, aqui vai dar um sam­binha. Foi o primeiro samba errado que fiz, Iracema”. Este samba nos traz o Adoniran cronista, aquele que narra os acontecimentos da metrópole de forma simples e direta, com uma linguagem popular, própria do ítalo-caipira-paulista que ele era.

Quanto ao “Samba do Arnesto”, acredito que é o mais curioso e polêmico, quanto à inspiração e as versões que Adoniran criou para explicar a sua origem. Ora o sambista afirmou que o Arnesto sempre existiu, e se chamava Ernesto; ora seu nome verdadeiro era Walter; ou simplesmente “nunca fui à casa dele, nunca existiu”.

Em 1990, o Diário Popular publicou uma matéria sobre Ernesto Paulelli, violonista e advogado que em 1938 teve o primeiro contato com Adoniran, na Rádio Record, e disse que o sambista foi logo lhe dizendo: “Vou fazer um samba com o teu nome, aduvida?”. Adoni­ran compôs a música e cumpriu a promessa 14 anos depois.

Quanto à história contada na letra do samba, deixemos que Adoniram explique, mas é apenas uma de suas muitas explicações: “Um dia saí da Record e fui à procura do Joca e do Mato Grosso. Eles tinham me convidado para um samba na casa de um amigo do Joca que morava no Brás. O amigo do Joca se chamava Ernesto, mas a turma o chamava de Arnesto.

Apanhamos o bonde na Praça Cló­vis e rumamos para o Brás. Descemos na Rua Bresser e caminha­mos até a terceira travessa, onde morava o Arnesto. Era um cortiço, e quando chegamos lá ficamos sabendo que o Arnesto não tinha recebido o dinheiro que esperava para fazer o baile. Envergonhado, fechou a maloca e se mandou pra Penha. Decepcionados, voltamos para a cidade e dentro do bonde veio a vontade de fazer este samba”: “O Arnesto nus convidou, prum samba ele mora no Brás, nós fumu e não encontremo ninguém. Nóis vortemu com uma baita de uma reiva, da outra vez nóis não vai mais. Nóis não semos tatu”.

E como disse Antonio Cândido: “Adoniran é um paulista de cerne que exprime a sua terra com a força da imaginação alimenta­da pelas heranças necessárias de fora”. Entretanto, no final da vida, numa condição de pobreza e de pouco prestígio para um artista tão significativo e importante para a cultura paulista e brasileira, disse desgostoso: “Chega de homenagens. Eu quero o dinheiro”.

“A tristeza é um bichinho que pra roer tá sozinho. E como rói a bandida. Parece rato em queijo parmesão”. Salve Adoniran Barbosa.

Postagens relacionadas

Como a minha empresa pode se adequar à LGPD?

Redação 1

Mudanças nas regras de pensão por morte

Redação 1

Como será o amanhã?

Redação 1

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com