No início de fevereiro o ministro da economia da Alemanha, Peter Altmaier, apresentou a versão preliminar da nova política industrial alemã, a ser debatida e, possivelmente adotada, por toda a União Européia. O documento, intitulado “Estratégia nacional para a indústria 2030” objetiva defender a indústria alemã e reforçar sua liderança em diversos setores. Resumidamente, permite ao governo alemão participar do capital em empresas consideradas estratégicas, para blindá-las do risco de eventuais aquisições por empresas estrangeiras, além de incentivar o fortalecimento de grandes empresas alemãs e europeias, capazes de competir em pé de igualdade com chineses e americanos. Além da participação no capital, isto será feito através da flexibilização das regras antitrustes para estimular fusões e aquisições que reforcem a competitividade destas empresas, incluindo o aumento do apoio público à inovação.
A iniciativa, que estranhamente teve pouca repercussão na mídia brasileira, merece, entretanto, uma reflexão mais acurada, tanto das entidades representativas da indústria brasileira quanto de Brasília, para entender as razões desta ruptura histórica no posicionamento alemão que, desde o pós guerra, sempre defendeu a globalização e a primazia do mercado numa postura claramente liberal em termos econômicos. Sem dúvidas, a adoção de uma política protecionista nos EUA, traduzida no “America First” de Trump, o lançamento do plano chinês “Made in China 2025” que advoga a liderança chinesa em áreas estratégicas e a guerra comercial entre estes dois países, junto com a ameaça de Trump de estendê-la aos países europeus, tiveram forte peso na decisão alemã.
Porém, além do cenário econômico, onde, claramente, a guerra comercial mascara uma luta pela hegemonia tecnológica e econômica entre China e EUA, há que considerar também o quadro político mundial com o crescente declínio da globalização, que está perdendo espaço para políticas claramente protecionistas no mundo todo. Estas mudanças, em última instância, decorrem do descontentamento crescente dos trabalhadores de muitos países que estão vendo suas rendas estagnar, ou pior, estão perdendo seus empregos em consequência da pressão competitiva que a globalização trouxe, o que explica em boa parte movimentos como o Brexit, a eleição do Trump e a ascensão ao poder de governos populistas, no mundo todo.
Nada mais velho, portanto, dos países desenvolvidos retomarem as antigas politicas protecionistas, que permitiram, a cada um deles, se transformar em países ricos ao longo dos séculos XIX e XX. É bom lembrar que os Estados Unidos assumiram o papel de paladinos do livre comércio somente após a segunda guerra mundial, quando não tinha sobrado, no mundo todo, ninguém capaz de enfrentar a indústria americana. É neste mesmo período, iniciado após a segunda guerra mundial que surgiram, incentivados pelos EUA, os diversos organismos internacionais como Banco Mundial, FMI, OCDE, GATT/OMC que passaram naturalmente a defender, quando não a impor, a abertura comercial e financeira para todos os países e, em especial aos emergentes, junto como o resto do ideário liberal.
Agora os principais atores estão reposicionando suas peças no tabuleiro internacional para proteger seus mercados, suas empresas e, principalmente, sua capacidade tecnológica, de forma a capacitá-las a competir com sucesso num mundo onde a concentração industrial é a regra. Nestas circunstâncias é imperativo o Brasil rever sua intenção de fazer uma abertura unilateral e outras mudanças que são válidas desde que o país tenha condições isonômicas de competição com seus concorrentes, algo que está claramente no campo dos desejos. Como diz claramente o ministro alemão “mercados livres e abertos requerem condições estruturais assemelhadas para todos os atores econômicos que estão competindo”.
Salvo pouquíssimas exceções, nós não temos multinacionais brasileiras capazes de competir em pé de igualdade com os gigantes americanos, chineses ou europeus. Nestas condições nossa prioridade deveria ser a adoção de uma agenda de competitividade que cuidasse especificamente de eliminar ou, ao menos, reduzir fortemente os componentes do “Custo Brasil” para a indústria brasileira ter as mínimas condições de competir. Enquanto isto não ocorrer o Estado tem que tomar providências e encetar ações que minimizem ou excluam as ameaças decorrente da falta de isonomia. Infelizmente, no mundo real o ideal olímpico de que “o importante é competir” não vige. No mundo real o importante é vencer.