O dia em que o repórter apanhou
Havia um delegado sério e cumpridor de seus deveres em Ribeirão Preto, daqueles à moda antiga. Ele não deixava passar nada. Namoro escandaloso nas praças, jogo do bicho, mulheres que liam a sorte na palma da mão e outras infrações não eram toleradas pelo respeitado policial. Tinha uma equipe na qual confiava e que agia de maneira rígida, principalmente contra o crime. A patota era famosa em toda a região. Chegou a prender uma senhorita da mais alta sociedade que estava em situação imprópria com seu namorado em uma praça central.
Jogo do bicho
Quanto ao combate ao jogo do bicho, a sua turma não perdoava. À frente da equipe havia um cabo da Polícia Militar que era implacável e combatia o jogo e o esquema montado para driblar as autoridades policiais. Certa feita, os chefes das bancas resolveram tentar amolecer o cabo e sua equipe. Mandaram um dos bambambans até a casa do PM para oferecer muito dinheiro, uma quantia semanal, para ele e a equipe. Os bicheiros também ofereciam alguns nomes de “cambistas” que serviam de bodes expiatórios com a finalidade de não pairar dúvidas sobre a ação do cabo.
O chefe estava lá
Mal sabiam os “empresários do mundo animal” que na casa do referido policial estava o delegado-chefe linha dura. Prenderam o “bicheiro” em flagrante. Numa delação premiada, ele entregou todo mundo de Ribeirão Preto, de Campinas e da capital, onde figuras estreladas, inclusive o secretário de segurança da época, estaria na lista da propina. Escreveu, leu e assinou.
Viagem à secretaria
No dia seguinte, o delegado “caxias” pegou o Volkwagen da Delegacia Seccional e rumou para a capital junto com um repórter que havia gravado tudo, desde a proposta na casa do cabo até o desdobramento com a delação envolvendo todos do alto escalão do jogo do bico. Entraram na sede da Secretaria da Segurança e foram direto à sala do secretário. Ele olhou para o repórter e disse: “Saia e deixe o gravador”.
Alerta
Sem cerimônia, o secretário retirou a fita do gravador e, em seguida, mandou o delegado retornar às suas atividades por aqui, não sem antes alertá-lo: “Se você tocar pra frente este assunto, não esqueça que todos são seus chefes. Você pode abrir a mão, colocá-la em cima do mapa e rodar. No lugar em que cair será sua próxima delegacia. Se for no mar, será a ilha mais próxima.” O policial retornou à sua “insignificância” e encaminhou à Justiça o procedimento que havia apurado na cidade, pois não havia testemunha para os problemas superiores. Ele ficou amargurado.
Festa na região
Pouco tempo depois, houve uma grande inauguração de uma loja de venda de carros e o governador viria para dar a “benção Urbe et Orbi” política. Bufê paulistano servindo os convidados e todos à espera do chefe de Estado, que não veio. Quem o substituiu foi o secretário da Segurança Pública, o mesmo que havia sido indicado pelo “bicheiro” e que embolsava propina. Chegou todo alegre, pleno de puxa-sacos cumprimentando as chamadas autoridades civis, militares e eclesiásticas. Deu de cara com o repórter que havia estado em sua sala.
Acordou na rodovia
“Como vai, excelente repórter? Você quer uma mensagem minha para Ribeirão Preto? Estou aqui pronto.” Deu a mensagem toda plena de elogios, etc. O repórter não perdeu a deixa e perguntou: “Quanto é que o senhor está levando do jogo do bicho?”. O referido repórter acordou na rodovia entre Orlândia e Nuporanga com a roupa amassada e todo pleno de manchas roxas pelo corpo. Havia apanhado de cassetete. Retornou à cidade em uma carona que lhe foi oferecida por um retireiro. Reclamou às autoridades civis e militares, mas nada aconteceu. O secretário era deputado federal licenciado e tinha foro privilegiado. Mas o jornalista não deixou de ser ousado e vive até hoje neste cantinho do Tribuna Ribeirão.