Sérgio Roxo da Fonseca *
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Taís Costa Roxo da Fonseca **
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O latim era a língua falada e escrita por todo o imenso território dominado pela antiga Roma. Após a desagregação, o latim europeu foi alterado e reintegrado a novas formas, inclusive, por exemplo, passando a sofrer forte interferência do idioma dos árabes, durante a sua dominação sobre a península ibérica que depois foi dividida entre Espanha e Portugal. Surgiram as línguas neolatinas.
Os cristãos europeus, na época, eram proibidos de entrar em contato com a filosofia grega. Os árabes não. Um deles, com atuação no sul da Espanha, em Córdoba, tornou-se o mais perfeito conhecedor da filosofia grega. Chamava-se Averrois, o criador da escola denominada “averroismo”.
O judeu Maimônides ou Moses ben Maimon também nasceu em Córdoba na mesma época de Averrois, tornou-se uma das figuras mais conhecidas e respeitadas até hoje do judaísmo..
Outro mulçumano, nascido na região do hoje Irá, era médico e filósofo. Chamava Ibn Sina cujo nome foi convertido em Avicena. Muito escreveu sobre filosofia e medicina. Teria deixado a descrição da doença por ele denominada “catarata”.
Esses árabes introduziram na Europa o sistema decimal, afirmando que todos os números estavam na combinação de zero a nove. Revelaram que o sistema decimal, tal como foi e é conhecido até hoje não era obra da cultura árabe. Tinham eles conhecido o sistema na Índia. Até hoje usamos esse sistema decimal.
O Brasil herdou de Portugal o seu idioma neolatino, razão pela qual as suas escolas, pelo menos até a metade do século XX, ministravam suas regras e suas pronúncias. Desnecessário dizer que a língua portuguesa é neolatina. Hoje em dia raramente o latim é examinado pelas nossas escolas, tanto assim é que, especialmente por conta das estações e das estações de TV, o nosso português, afugentado de Roma, passou a receber outras influências, a se destacar a do inglês.
Naqueles velhos tempos, os alunos mais antigos convidavam os mais novos a traduzir a seguinte frase: “mater tua mala burra est”.
Os mais novos, assustados, rebatiam a solicitação porque supunham que os veteranos estavam falando mal de suas mães: “a tua mãe é má e burra”, quando, a tradução do latim ao contrário era: “a tua mãecome maçã vermelha”. “Mater tua” (a tua mãe), “est” (come) “mala” (maçã) “burra” (vermelha).
Os conflitos não permaneceram aí.Um deles está no vocábulo latino “nunc”que não se traduz por “nunca”. “Nunc” é traduzido por “agora”. Tanto aassim que assim se escreve a segunda parte da Ave Maria em latim: “Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nuncin hora mortis nostra amen”.
Até hoje assim se manifesta a linguagem jurídica no Brasil. Os atos e contratos que valem apenas a valer a partir de sua celebração são reconhecidos como “ex nunc”, ou seja, de agora para frente.
Ao contrário, os atos e contratos que têm incidência desde o passado até mesmo no futuro são reconhecidos como “ex tunc”.
A palavra “todo” no latim era “omnes”. No ablativo plural convertia-se em “omnibus”. No português atual, a palavra perdeu o seu “m” e foi convertida em “ônibus”, ou seja, “para todos”.
O adjetivo “esquisito” nas línguas neolatinas significa o que é diferente e bom ou belo. No português de hoje esquisito significa tudo que é diferente e ruim ou insuportável.
Ainda existe um mundo latino? Ele está desmoronando?
* Advogado, professor livre docente aposentado da Unesp, doutor, procurador de Justiça aposentado, e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras
** Advogada