Perci Guzzo *
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Ter a perspectiva da história geológica da Terra pode ser tão importante quanto a perspectiva histórica da humanidade, se desejamos, de fato, superar a deterioração da vida em nosso planeta. É preciso nos familiarizar com escalas de tempo bastante diferentes daquelas que estamos circunscritos no dia-a-dia. Por isso carrego no bolso meu velho calendário do tempo geológico.
Estamos no Holoceno, período da Era Quaternária que teve início a 11.700 anos atrás quando terminou a última glaciação e se extinguiram espécies da megafauna, como por exemplo tigres-dentes-de-sabre, mamutes e antas, preguiças e tatus gigantes. A espécie humana sobreviveu. Com o fim da Era do Gelo, o planeta entrouem um “ótimo climático”, ou seja, condições favoráveis à diversificação das espécies e à irradiação da humanidade para (quase) todos os lugares do planeta.
Recentemente, digo, vinte dias atrás, a União Internacional de Ciências Geológicas decidiu, por maioria de votos, recusar a proposta de alteração do período geológico para a atualidade. O Antropoceno foi refutado pelos geólogos.Segundo a maioria dos cientistas,é difícil identificar em qual exato momento ocorreu a mudança. Esse, o motivo principal da negativa.(Mas, essa dificuldade não existe em todas as demais mudanças de períodos geológicos?).
São muitos os registros de nossa civilização tecnológica nas rochas: poluentes de metais e concreto, radionuclídeos de testes nucleares, cinzas industriais, plásticos, entre outros. Os geólogos não negam as profundas transformações e chamam a atenção para o fato de que são crescentes as evidências de que estamos modificando o planeta em um curtíssimo espaço de tempo. No entanto, segundo eles, a classificação do tempo geológico é um assunto técnico e específico da ciência geológica. Compreensível.
Também recentemente, digo, em 2019, a geóloga Fernanda Avelar Santos, ao caminhar pelas praias da remota Ilha da Trindade – distante 1.140 km do litoral capixaba – onde coleta minerais para suas pesquisas, encontrou rochas híbridas formadas por carapaças de animais mortos, sedimentos e plástico derretido. Três tipos de rochas plásticas já foram descritas a partir de achados recentes em diferentes pontos do planeta. São elas: piroplásticos, plastitones e plastiglomerados. Os dois principais polímeros sintéticos encontrados são polietileno e polipropileno, ambos usados em embalagens e linhas de pesca.
Segundo a UNEP – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, são despejados por dia dois mil caminhões de lixo cheios de plástico nos oceanos, rios e lagos do mundo. Apenas 9% do resíduo plástico é reciclado! Neste exato momento a principal tarefa nossa é recusar itens de plástico de uso único. Colherinhas para experimentar sorvetes, palitinhos de plástico para mexer o café, copinhos para um gole de água, pratinhos para um pedacinho de bolo, sachezinhos de tempero e bugiganguinhas alheias, diga NÃO!
Carregue em sua bolsa esses apetrechos feitos de madeira, vidro e metal que seja possível higienizá-los e usá-los várias vezes. Se organize, meu amigo!Se fizermos nossa parte, estaremos empoderados para solicitar e pressionar governos e empresas para que se comprometam com a mudança. Esse é o caminho para evitar o Plasticoceno.
Continuemos no Holoceno conscientes de nosso tempo. Zelosos de nossos passos na Terra e atentos às pegadas que imprimimos nas rochas.
* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições