Rui Flávio Chúfalo Guião *
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Tempos atrás, uma tia muito querida, já viúva, resolveu pintar sua casa, em Araraquara. Para proteger o belo piso de mármore, providenciou sacos de palha de arroz, com as quais recobriu os desenhos que davam um ar especial a todo o chão da moradia.
Dava gosto ver aquela profusão de amarelo, pronta para receber os respingos que haveriam de dar novas cores às paredes. Supervisionando os serviços, minha tia passava o dia observando e cobrando os pintores, pois tinha especial ligação com a casa.
Certa manhã, depois de verificar os trabalhos, percebeu, assustada, que o diamante de seu anel de noivado havia caído do engaste e se perdido no meio da palhada que cobria o chão.
Não teve dúvida: invocou São Longuinho para ajudá-la a achar a joia. E não é que, virando-se, depara com o brilhante escondido na palha. Pensa rápido: “Nem deu tempo de São Longuinho ajudar, a minha promessa não vale, não precisa ser cumprida”. Colocou a gema no engaste, apertou, ajustou e continuou a supervisão da pintura, sem dar os três pulinhos que completa a promessa.
No final da tarde, quando os pintores já tinham ido embora, notou que a perda se repetia: o mesmo diamante não mais estava engastado no anel, havia se perdido nas palhas espalhadas pelo chão.
Numa conversa séria com o santo, reconheceu sua ingratidão e renovou as promessas, dizendo que desta vez era para valer, se ele a ajudasse. Deu trabalho, a palha precisou ser passada por peneira, mas, finalmente, o diamante foi reencontrado e o encontrou comemorado com os tradicionais três pulinhos.
Minha tia contava esta história para demonstrar que além de ajudar na busca de objetos perdidos, São Longuinho dera-lhe uma lição e só voltara atrás devido à sua fé. E recomendava a todos não abusar da boa vontade do santo.
O culto a São Longuinho existe há bastante tempo. Conta a história católica que, na época de Cristo, existia um soldado de nome Cássio, que, pelo fato de ser baixinho, tinha facilidade em encontrar objetos perdidos. Algumas vezes, para compensar suas pernas curtas, movia-se em pequenos saltos. Seus companheiros sempre recorriam a ele.
Cassio teria sido um dos soldados que
guardaram a crucificação de Jesus, aquele que, com sua lança, perfurara o dorso do Senhor, para atestar a Sua morte, fazendo com que gotículas do Seu sangue caíssem nos seus olhos doentes, curando-o da quase cegueira que tinha.
Convertido pelo milagre, passou a ser chamado de Longinus, que significa lança, em latim e usou o resto de sua vida a serviço da divulgação da mensagem de Cristo. No Brasil, em lugar de Longino, chamam-no de Longuinho, nome impróprio para o tamanho do portador.
Longino, convertido em monge passou a sua vida pregando na Capadócia, região da hoje Turquia e, perseguido pelos judeus, foi martirizado, tendo seus dentes e língua arrancados. O Papa Silvestre II, em 999, canonizou-o. Na Basílica de São Pedro, em lugar de grande destaque, encontra-se sua estátua, obra do grande escultor Bernini.
O culto a São Longuinho chegou ao Brasil trazido pelos portugueses, no período colonial e, num país supersticioso como o nosso, ganhou força, sendo hoje invocado para achar coisas perdidas, quando se perde a paciência e a esperança de encontrá-la.
Acredita-se que a lança usada por Longuinho é a que se encontra no tesouro do Palácio Hofburg, em Viena, Áustria.
* Advogado e empresário, é presidente do Conselho da Santa Emília Automóveis e Motos e Secretário-Geral da Academia Ribeirãopretana de Letras