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Neurociência da vida cotidiana (16): Dor social 

(Dedicado ao Dr. Renato Freitas, dedicado estudioso da dor social) 

Neurociência da vida cotidiana (16): Dor social 10* 

 A dor é uma experiência descrita em termos de características sensoriais, motivacionais, cognitivas e, muitas vezes, com sequelas emocionais. O que um paciente entende quando descreve a magnitude de dor que está sentindo? Refere-se à intensidade sensorial, à presença de qualidades sensoriais específicas, ou ao seu sofrimento, ansiedade, angústia? Seriam os registros de dor usualmente associados a uma dessas dimensões, ou os seus significados variam entre indivíduos? Todos concordam que a dor constitui uma experiência subjetiva, pessoal e multidimensional que envolve dimensões psicológicas, comportamentais, afetivas, cognitivas e sensoriais e, também, pode ser afetada pela experiência passada e pela cultura, por isso, apenas a perspectiva do paciente é a correta e, em essência, suas auto-avaliações são as mais acuradas e as mais confiáveis.  Por ser uma experiência pessoal e subjetiva, que pode ser sentida apenas pelo que ela acomete. Em meu livro Avaliação e Mensuração de Dor: Pesquisa, Teoria e Prática (Funpec-Editora, 2006) afirmo que dor é tudo o que a pessoa que a experiência diz que é, existindo todas as vezes que a pessoa afirma existir. Logo, a auto-avaliação é o indicador mais confiável da existência e da intensidade da mesma, o que leva a ser essencial o uso de escalas para avaliar e mensurar precisamente a percepção de dor para melhor manejá-la e controlá-la. 

Dor é o primeiro indicador de qualquer lesão tecidual. Qualquer estímulo que resulte em lesão ou ferimento conduz a uma sensação de dor, entre eles o calor, o frio, a pressão, a corrente elétrica, os irritantes químicos e, até mesmo, os movimentos mais bruscos. Diferente de outros sistemas sensoriais, todavia, o sistema sensorial para a dor é extremamente amplo: uma sensação dolorosa pode ser iniciada em qualquer parte do corpo ou no próprio sistema nervoso central. Várias regiões do corpo são emparelhadas aos vários tipos de sensações de dor. Sua complexidade e natureza multidimensional, as quais são evidentes mesmo nas análises mais elementares dos vários tipos de dor, têm, contudo, obstruído virtualmente o desenvolvimento de uma definição adequada de dor, ou o que, talvez, seja o mais importante, dificultado a construção de uma teoria geral da dor, bem como a derivação de técnicas de tratamento claramente eficazes. O que torna a dor uma variável psicológica complexa e, às vezes misteriosa, é a grande e desproporcional concentração de fenômenos relacionados à dor para os quais nenhum estímulo aparente pode ser identificado como, por exemplo, dor num membro-fantasma ou em causalgia, uma dor provocada por queimadura que pode persistir por meses, mesmo após a lesão dos tecidos ter-se regenerado. Inversamente e, talvez, mesmo mais intrigante, são aqueles exemplos nos quais estímulos nociceptivos independentemente demonstráveis fracassam em evocar sensações dolorosas em certos indivíduos, como, por exemplo, insensibilidade congênita à dor, ou em algumas circunstâncias especiais, tais como, participando de certas cerimônias religiosas ou, quando ocorrendo ferimento no campo de batalha, que pode render-lhe segurança no futuro. Com isso, o problema da avaliação e da mensuração da dor torna-se genuinamente um problema psicofísico envolvendo a detecção, a discriminação e a magnitude da sensação a estímulos dolorosos. 

Eisenberger e colaboradores (por exemplo: Eisenberger, NI. Social pain and the brain: controversies, questions, and where to go from here. Annual Review of Psycholofy. 2015 Jan 3;66:601-29)  têm levantado inúmeras evidências mostrando que a dor social, como os sentimentos dolorosos que decorrem da rejeição, exclusão social ou perda social, dependem de algumas das mesmas regiões neurais que processam a dor física, destacando a sobreposição da dor físico e da dor social, algumas vezes dita dor emocional. Eisenberger e equipe usando dados de experimentos muito bem delineados têm proposto a teoria da “representação compartilhada” da dor social, isto é, a teoria da experiência social adversa a qual sugere que a rejeição e as experiências relacionadas se acumulam nos sistemas cerebrais que evoluíram para representar a dor física. Assim considerando, as experiências de rejeição social e dor física, têm muitos atributos psicológicos e biológicos comuns. Ambos os tipos de sofrimentos são freqüentemente descritos usando palavras muito semelhantes (há uma homologia entre dor social e dor física, ou seja os mesmos descritores verbais) e envolvem sistemas reguladores biológicos semelhantes, tais como opioides endógenos e oxitocina. Ademais, suas descobertas têm sugerido a partir da ferramenta de Ressonância Magnética Funcional (fMRI)  que a dor física e a rejeição social ativam regiões cerebrais comuns. Esses achados foram interpretados como evidência de que a dor e a rejeição compartilham representações cerebrais comuns. Embora a teoria da “representação partilhada” não afirme que os sistemas neurais subjacentes à dor e à rejeição sejam exatamente os mesmos, afirma que existem representações partilhadas nas regiões do cérebro que se pensa representarem informação afetiva e sensorial de uma forma independente da modalidade. Essas regiões incluem aquelas importantes para representar o sofrimento afetivo em muitas condições (por exemplo, o córtex cingulado anterior dorsal e a ínsula anterior e aquelas que representam informações somatossensoriais mais especificamente (por exemplo, a ínsula posterior dorsal e córtex somatossensorial secundário). 

Se a teoria for, com mais estudos corroborada, certamente, a forma como as experiências de rejeição são representadas no cérebro terão grande significado teórico para a compreensão dos processos sociais e emocionais, e implicações translacionais para avaliar e tratar condições clínicas influenciadas por fatores sociais. Dito de forma mais enfática: estamos revelando como o cérebro torna a mente consciente. Talvez, por isso, o Psicofísico brasileiro, em algum momento, tenha escrito: “A dor que sinto só não é mais intensa, porque a compartilho com os amores de minha vida”. 

Professor Visitante da UnB-DF* 

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