… é o mesmo que debater a volta dos que não foram!
José Eugenio Kaça * 15
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O educador Paulo Freire, observando os efeitos que o modelo de educação tradicional e arcaico faz com o cognitivo da população, produziu um texto brilhante que retratou o comportamento de uma parcela da população que sempre sofreu humilhações e desprezos, e quando alguns oriundos desta parcela da população conseguem se libertar da situação de semiescravidão, e mudam de patamar social, espelham seu comportamento no seu antigo opressor. “A educação quando não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor”. Este texto aparentemente atingia somente os desvalidos, que se deslumbravam com a nova situação social. Acontece que o extremismo de direita que estava aprisionado nas profundezas das catacumbas se libertou, e as portas do inferno se abriram. A situação que vivenciamos atualmente mostra que o texto freiriano está comprovando que uma educação quando não é libertadora produz efeitos nefastos em toda a sociedade.
O extremismo de direita desnudou a face oculta de uma classe média que aparenta ser letrada e culta, no entanto, essa aparente superioridade se perdeu no fundamentalismo religioso. Uma pesquisa realizada pela USP, junto aos manifestantes do domingo 25 de fevereiro, mostrou que a maioria era de homens brancos com diploma universitário, com idade entre 35 e 65 anos, e com um entendimento obtuso da realidade. O ato demostrou que é uma falácia que estão lutando por Estado Democrático de Direito, pois segundo a pesquisa 94% dos participantes acredita que o Brasil vive atualmente uma ditadura, (mas não era por uma ditadura que ficaram acampados nas porta do quarteis)88% que Bolsonaro venceu as eleições de 2022, 78% se consideram ultraconservadores. E este público, que defende tanto a liberdade (mas somente para os seus), que tem uma condição social privilegiada, e foram educados nas melhores escolas da rede privada, com nível universitário, está comprovando os prejuízos que uma educação tradicionalista causa ao relacionamento humano, mostrando a síndrome da dissonância cognitiva que essa gente sofre.
A maioria da população ribeirão-pretana sempre se identificou com as ideologias de direita, no entanto, a partir de 2013, os movimentos radicais da extrema direita, escorado no fundamentalismo religioso começaram a mostrar sua face destruidora, e o clima favorável no País facilitou o alastramento deste movimento, e como acontece nas melhores famílias, parcela da população de Ribeirão Preto também foi contaminada por este vírus. A 2ª Audiência Pública realizada na Câmara Municipal na segunda-feira dia 26 de fevereiro, para debater o Plano Municipal de Educação mostrou o nível de contaminação do Legislativo, e da parcela da população que se intitulam “patriotas”. Os argumentos falaciosos e ignóbeis, de que a educação básica pública brasileira é uma construção de esquerda, que tem que tirar Paulo Freire das escolas, mesmo que as suas ideias nunca tenham ultrapassado os muros escolares.
O rescaldo da manifestação da Av. Paulista chegou a Ribeirão Preto, e o Plenário da Câmara Municipal que discutia o Plano Municipal de Educação foi tomado pelos “patriotas”. Os argumentos criados criminosamente para depreciar e contaminar com mentiras o já combalido ambiente escolar foram colocadas em prática. Os “patriotas”, que foram abduzidos pelas ideias da “escola sem partido” que proliferou as mentiras da mamadeira de piroca, da identidade de gênero como indução a homossexualidade, e o banheiro unissex apresentaram suas credenciais ao público. Exigiram com truculência que a palavra “gênero” fosse retirada do texto, assim como as políticas étnico-raciais, as temáticas de sexualidade, diversidade e orientação sexual, até no ensino médio e na EJA. Acontece que as leis no Brasil são hierárquicas, e, portanto, uma lei municipal não pode se contrapor as leis federais. Como debater educação, principalmente a educação básica com gente que não aceita o contraditório, que vive num mundo paralelo e caricato dominado por ilusões e mentiras, e quem tenta furar esta bolha é considerado inimigo e precisa ser eliminado.
Para termos uma educação básica pública de qualidade é só cumprir as nossas leis, leis que estão explicitas na Constituição, na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBEM), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e na BNCC, e nos Parâmetros Curriculares, o Plano de Educação nada mais é do que um documento que mostra como executar o que já está nas leis. “A EDUCAÇÃO QUANDO NÃO É LIBERTADORA CORROBORA PARA A DISSONÂNCIA COGNITIVA”.
* Pedagogo, líder comunitário e ex-conselheiro da Educação