José Aparecido Da Silva*
As pessoas fazem o que fazem por causa de certas singularidades ou características de seu perfil psicológico, também conhecido como personalidade, essencial para explicar quem somos nós, como os outros nos vêem, como nós nos relacionamos com os outros em diferentes e por que nossa ideia de outros (quem eles são) permanece praticamente inalterada ao longo do tempo. Assim, personalidade é altamente consequencial: você pode concebê-la como uma força dominante, subjacente à dinâmica do comportamento social e afetando as leis da história. Personalidade é um núcleo determinante das diferenças individuais dos comportamentos cotidianos; ela afeta nosso sucesso ocupacional e educacional, nossa saúde e longevidade, nosso status marital e satisfação nas relações, e, até mesmo, nossas preferências alimentares e de sono. Entender a nossa personalidade e a dos outros, portanto, é importante porque nos capacita a dar sentido ao mundo em que vivemos, predizendo os comportamentos e ações alheios.
Os estudiosos da personalidade têm estudado comportamento normal, ou padrões de pensamento e emoção encontráveis em 90% da população. Todavia, grande quantidade do que conhecemos sobre personalidade normal tem derivado de nosso entendimento dos comportamentos clínicos ou anormais, como, por exemplo, depressão, esquizofrenia e desordens de ansiedade. Todos nós temos um interesse inerente à personalidade. Por que isto ocorre? Porque personalidade, essencialmente, é o que nos faz o que somos; o que nos diferencia de terceiros e nos torna únicos. Se nós todos, ao longo do tempo, nos comportássemos diferentemente em situações variadas, ou seja, de modos imprevisíveis, a personalidade não existiria. A ideia de que as pessoas diferem entre si por característica típicas de comportamento, pensamento e em seus sentimentos é tão antiga quanto a medicina, fazendo muito de nós, intuitivamente, acreditar nela.
Os traços de personalidade constituem um aspecto central da mesma. E, certamente, são a unidade de análise mais apropriada no estudo da personalidade. Consequentemente, a teoria do traço da personalidade é considerada um grande, e importante, campo de pesquisa no domínio da psicologia social e da personalidade. Mas, afinal, o que é mesmo um traço? De forma simples, um traço é um padrão consistente na maneira de uma pessoa se comportar, pensar ou sentir. Logo, descrever alguém com certos traços significa que este alguém muito provavelmente se comporta de tal modo, em diferentes contextos e momentos. A análise das causas das diferenças individuais em personalidade, tal como ocorre com outros constructos psicológicos, como inteligência, liderança, ansiedade, etc., envolve considerar as influencias genéticas e ambientais, e suas interações, no processo de modelagem dos traços de personalidade. Usualmente, estudiosos do assunto se dividem em aqueles que acreditam na influencia da natureza versus aqueles que acreditam na influencia da criação.
Para além das influências genéticas e ambientais, alguns teóricos dos argumentam há muito tempo que os traços de personalidade são entidades biofísicas que não são meras abstrações e metáforas do comportamento humano. Acredita-se que as características realmente existam no cérebro, presumivelmente na forma de sistemas nervosos conceituais. Um sistema nervoso conceitual refere-se à tentativa de descrever partes do sistema nervoso central em termos funcionais com relevância para a psicologia e o comportamento. A neurociência das redes de personalidade pode caracterizar esses sistemas nervosos conceituais em um nível funcional e anatômico e tem o potencial de vincular correlatos neurais disposicionais ao comportamento real.
Para Markett et al. (Network Neuroscience and Personality. Personal Neurosci. 2018) a personalidade e as diferenças individuais originam-se do cérebro. Não obstante, embora tenha havido grandes avanços nas neurociências afetivas e cognitivas, ainda não é bem compreendido como a personalidade e os traços de personalidade individuais são representados no cérebro. A maioria das pesquisas sobre correlatos cérebro-personalidade concentrou-se em aspectos morfológicos do cérebro, como aumentos ou diminuições no volume local de massa cinzenta, ou investigou como os traços de personalidade podem explicar diferenças individuais nas diferenças de ativação em várias tarefas. Markett e colaboradores entendem que a neurociência da personalidade pode ser avançada adicionando uma perspectiva de rede sobre a estrutura e função do cérebro, um esforço que chamamos de neurociência da rede da personalidade.
Com o surgimento da ressonância magnética funcional (MRI) em estado de repouso, o estabelecimento da conectômica como uma estrutura teórica para modelagem de conectividade estrutural e funcional e os recentes avanços na aplicação da teoria matemática dos grafos aos dados de conectividade cerebral, várias novas ferramentas e técnicas estão prontamente disponíveis para serem aplicados na neurociência da personalidade. Há muito que se compreende que uma infinidade de sistemas biológicos, desde a genética, às redes cerebrais, aos fatores psicológicos, todos desempenham um papel na personalidade. Compreender como estes sistemas interagem entre si para formar padrões relativamente estáveis de comportamento, cognição e emoção, mas também grandes diferenças individuais e perturbações psiquiátricas requer uma nova visão metodológica, envolvendo análise das multicamadas, uma técnica que recentemente provou ser bem-sucedida em revelar interações verdadeiras entre redes em mais de um nível (por exemplo: Brooks, Hulst, de Bruin, Glas, Geurts, & Douw, The Multilayer Network Approach in the Study of Personality Neuroscience. Brain Sci. 2020;10(12):915). Acrescentam os autores: embora ainda esteja em sua infância, e sujeito a uma série de incógnitas metodológicas, a abordagem de redes multicamadas pode contribuir para uma compreensão da personalidade como um sistema complexo composto por características psicológicas e neurais inter-relacionadas.
Professor Visitante da UnB-DF*