Por Adalberto Luque
“Tenho uma casa na Avenida Nove de Julho que sempre esteve alugada. Agora está desocupada. Desde que as obras começaram. Não consigo alugar ou vender o imóvel. Já fui vítima de furto pelo menos seis vezes. Mas parei de fazer Boletim de Ocorrência (B.O.) depois do segundo furto. Levaram ar-condicionado, fios, maçanetas, torneiras e até a parede destruíram. Aluguei um cão de guarda, tenho um vigia. Mas nada resolve. Sou assaltada quase que semanalmente. Estou pensando em demolir a casa”.
O desabafo é de Cláudia Vassimon. Ela tem um sobrado de esquina na Avenida Nove de Julho, justamente no chamado “olho do furacão”, o ponto nevrálgico das obras de revitalização. Cláudia e outros comerciantes ou donos de imóveis têm reclamado da crescente criminalidade.
Ela explica que, mesmo tendo contratado um vigilante e com o cão de guarda, ainda assim o imóvel recebe visitas indesejáveis. “Mesmo com o cão, se o guarda sai para almoçar, eles entram e levam alguma coisa. Ou destroem. O IPTU veio alto, R$ 12 mil. Inclusive estou estudando entrar com uma ação. Não há compensação e eu não tenho culpa dessa situação”, lamenta.
Ela recebia mensalmente R$ 14 mil de aluguel. Só de locação, em um ano, deixou de receber R$ 168 mil. “É um descaso o que está ocorrendo com a nossa Avenida Nove de Julho, a avenida que poderia ser usada para eventos, lazer, um boulevard e que está abandonada aos bandidos que estão, sem cerimônia alguma, invadindo nossas casas e depredando tudo pela frente”, observa.
Para Cláudia, o projeto de implantar corredor de ônibus é totalmente inviável, com custo altíssimo. “Minha proposta é abortar o projeto e pensar em alternativas mais viáveis. Colocar engenheiros para trabalhar em projeto que seja melhor para a cidade”, conclui.
Reflexo das obras
A empresa Taurus Segurança, que atende mais de 200 clientes somente na região da Avenida Nove de Julho, confirma a gravidade da situação. No mês de dezembro de 2023, a Taurus constatou um aumento de 85% no número de ocorrência em relação ao mesmo período do ano anterior. Em janeiro, antes mesmo de seu término, o aumento foi de 70% em comparação com janeiro de 2023.
“Isso tudo é reflexo das obras. A paralisação fez com que aumente o tráfego de usuários de drogas que utilizam meios ilícitos para conseguir dinheiro para as drogas. Eles passaram a depredar os imóveis, furtar fiação, metais. Até caixa de correio e lixeira já levaram para trocar com receptadores por entorpecentes. A PM tem feito rondas e age com rapidez nas ocorrências, mas a quantidade de usuários de drogas é grande e acabam enxugando gelo”, lamenta Kenderson Morais, diretor da Taurus.
Com o aumento da criminalidade, cresceu também o número de clientes interessados em serviços de segurança. Além da Avenida Nove de Julho, empreendedores e moradores da região do Boulevard que notaram o aumento de furtos e roubos na região, também têm recorrido aos serviços da empresa. “Estamos tendo que contratar e treinar novos funcionários para as áreas da Nove de Julho, Boulevard, Higienópolis.”
Prende e solta
Na madrugada de 23 de janeiro, às 01h48, a Taurus acionou a Polícia Militar para um furto em andamento na Rua Quintino Bocaiúva. Uma viatura chegou rapidamente ao local e, na esquina da Avenida Nove de Julho com a Rua Amador Bueno, localizou um homem com uma mochila. Dentro havia diversos fios e ferramentas. O homem admitiu o furto. Levado para a Central de Polícia Judiciária (CPJ), no Centro, foi preso em flagrante.
Elizeu Rocha, vereador em Ribeirão Preto, é empresário do setor imobiliário. Segundo ele, o problema dos furtos e roubos aumentou em toda a cidade. “As pessoas cansaram. Fazem o B.O., denunciam para a polícia, mas não resolve nada. A Polícia faz o papel dela. Por sinal, muito bem-feito, que é prender criminoso. Mas a Justiça solta. A lei nossa é muito fraca, muito ruim”, observa o vereador.
Elizeu Rocha sofre com constantes furtos nos imóveis que administra. Ele cita, por exemplo, uma casa na Avenida Meira Júnior onde, há poucos dias, entraram no imóvel e furtaram vários objetos. “Limparam a casa. Torneira, fiação, tudo o que você pensar. E é uma casa muito bem localizada, na esquina com a Rua Patrocínio”, lamenta.
O vereador observa que vândalos e ladrões estão espalhados pela cidade, mas que a região da Nove de Julho, enfrenta uma situação atípica. “Estão em obras. Têm seus problemas, reconhecemos. Tenho cobrado muito essa questão do Executivo, para que possamos ajudar aqueles comerciantes, empresários e donos de imóveis. A gente sabe o tanto que eles estão sofrendo agora. Estou cobrando para que a obra seja antecipada o máximo possível. Inclusive nesta nova licitação, a empresa que vencer poder trabalhar de sábado e domingo. Se for o caso, ampliar horário de trabalho. Mas tudo tem que ser visto agora, na licitação”, aduz.
Mais de 100 anos e obras paralisadas
Inaugurada em 1922, a avenida foi considerada, por décadas, um dos principais cartões postais da cidade. Mas o piso de paralelepípedos e o canteiro central com mosaicos portugueses, tombados pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural (Conppac) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), sofreram com a ação do tempo e da falta de manutenção e conservação.
Em 21 de junho de 2023, após licitação, começaram as obras de revitalização, com implantação de corredor de ônibus. A obra contemplava duas galerias de águas pluviais, além de prever recuperar calçamento mantendo paralelepípedos nos pontos onde já existiam e sem alterar o canteiro central, onde estão as majestosas sibipirunas, plantadas há décadas.
Avaliada em R$ 18 milhões e com conclusão em junho de 2024, as obras foram paralisadas em dezembro de 2023. A empresa que havia vencido a licitação teve o contrato encerrado. A segunda colocada não quis assumir e novo processo licitatório passou a ser feito, com promessa de conclusão entre 60 e 90 dias e início acelerado das obras.
No meio do caminho, a empresa conseguiu uma liminar cancelando o encerramento do contrato. A Prefeitura recorreu e manteve o previsto. Hoje a Avenida Nove de Julho agoniza.
Medidas emergenciais
A prefeitura, através de nota, informou que definiu diversas medidas emergenciais para a Avenida Nove de Julho.
“Nesta terça-feira (30), as equipes a secretaria de Infraestrutura começaram os serviços, como roçada, capina e raspagem de meio fio, varrição, recolhimento de galhos e outros resíduos, além da manutenção do sistema de drenagem. A Guarda Civil Municipal (GCM) irá realizar patrulhamento ostensivo ao longo da Nove de Julho, para coibir furtos e roubos na região.”
A administração pública pediu para a CPFL reforçar a iluminação e equipes da RP Mobi vão realizar estudo para definir locais onde serão implantados bolsões de estacionamento. A divulgação deve ocorrer ao longo desta semana.
“Para terminar a reforma e a revitalização da avenida, o governo municipal está elaborando um novo processo de licitação, que deverá ser aberto em breve. Em relação ao aumento do IPTU, não procede. Para esclarecimento, não houve atualização da planta genérica de valores, e sim reajuste, conforme a Lei, calculado pelo INPC dos últimos 12 meses, como é feito todos os anos”, conclui a nota.
SSP se limita a divulgar números oficiais
A Secretaria da Segurança Pública divulgou a seguinte nota: “As polícias Civil e Militar trabalham em conjunto para combater a criminalidade em todo o município de Ribeirão Preto. As ações integradas possibilitaram a queda de 30% dos roubos, de janeiro a dezembro de 2023, e 146 infratores presos e apreendidos na área do 1ºDP de Ribeirão Preto, responsável pela região central. Vale reforçar que o registro é uma ferramenta importante para a reorientação do policiamento ostensivo e preventivo nas ruas, que segue intensificado por meio da Operação Impacto e é reorientado de forma contínua com base nos locais de maior incidência criminal.”
Plano de Ação
O Comitê de Acompanhamento das obras na Avenida Nove de Julho desenvolveu e entregou pessoalmente ao prefeito Antônio Duarte Nogueira, um Plano de Ação. O encontro com o chefe do executivo ocorreu na quinta-feira (25).
Em nota, o Comitê explica entender que o esvaziamento da avenida e seu entorno atraiu invasores que praticam furtos e depredam imóveis, em especial aos que estão desocupados. Propostas como reforço de patrulhamento da GCM na avenida, melhoria da iluminação, ações de limpeza e zeladoria e ações para recuperar movimento da avenida já foram aceitas e anunciadas pela Prefeitura.
“Ainda aguardamos a entrada formal da GCM no programa “Vizinhança Solidária”, que o Comitê criou junto com a PM para a Nove de Julho. Outra medida importante do Comitê foi a inclusão das empresas de monitoramento e vigilância que atuam na região da Av. Nove de Julho, no programa “Vizinhança Solidária”, para agilizar as comunicações com a PM”, cita a nota.
Todas as entidades que compõem o Comitê concordam que é preciso intensificar patrulhamento preventivo 24 horas por dia, com ênfase no período noturno e orientou que todos sempre registrem B.O.
“Acreditamos que a cooperação entre Comitê, comerciantes, moradores, prefeitura e órgãos de segurança, seja fundamental para combater a criminalidade na região da Av. Nove de Julho, bem como uma efetiva e rápida resposta por parte das polícias militar e civil, e da GCM.”