José Aparecido Da Silva*
Ao longo dos últimos anos neurocientistas têm questionado se há algum lugar para “Deus” no cérebro? Friedrich Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão, ao fazer a famosa declaração “Deus está morto”, quis expressar sua descrença de que Deus houvesse, realmente, existido. Grande era, até então, a expectativa de muitos filósofos de que, quando os níveis educacionais elevassem, e as ciências fornecessem explicações mais realísticas sobre os mistérios da Ciência, o apelo irracional à Religião simplesmente desapareceria, ocasionando, com isso, que, Deus, em todas as suas personificações, simplesmente deixasse de existir. Deus, todavia, não tem desaparecido. E, apesar de termos entrado numa Era de grandes prodígios científicos e desenvolvimentos tecnológicos, Religião e Espiritualidade continuam efervescentes. Religião, não sendo, exatamente, somente algo adicionado a nossa vida pessoal, trabalha, sim, na organização e perpetuação de uma determinada ordem social. Motivo pelo qual (Francois-Marie Arouet) Voltaire (1694-1778) tenha, talvez, afirmado que “Se Deus não existisse, Ele teria de ser inventado”. O que ele quis dizer com isso? Que a sociedade não se manteria agregada se as pessoas não tivessem algum conjunto central de crenças que as mantivesse próximas, unidas e funcionais em um grupo social, o qual, tal como um todo orgânico, representasse muito mais que um agregado de indivíduos auto-interessados. Para ele, a função primária da Religião seria a promoção da solidariedade grupal.
Relata-se que em algum momento de sua vida, Carl G. Jung (1875-1961) quando então entrevistado pela televisão inglesa, ao lhe questionarem, talvez provocativamente, se acreditava em Deus, ele respondeu: “Eu não acredito, eu conheço”. Similarmente, o naturalista Francês Jean-Henri Fabre (1823-1915) declarou veemente sua convicção religiosa em palavras praticamente idênticas: “Não acredito em Deus: eu o vejo”. A verdade é que ambos, conhecedores profundos que eram da vida, animal e humana, adquiriram tal certeza no trato com a natureza: Fabre com a natureza instintiva dos animais, observando especialmente os insetos e Jung no trato com a natureza psíquica do homem, observando e sentindo as manifestações do inconsciente, particularmente o inconsciente coletivo. Mas, cabe perguntar: Qual a magnitude da fé de Fabre e de Jung? Tinham eles a mesma intensidade de fé? Religião, todavia, não tem uma face exclusivamente positiva, pois, é do conhecimento de todos, o outro, extremamente obscuro, lado da moeda. Em nome da Religião, aproximadamente, um bilhão de pessoas tem sido mortas ao longo da História. Mais que isso: a famigerada Guerra Santa parece nunca conseguir chegar a um fim. Vejam os dias de hoje. Ao que Daniel Dennett (1942-) sugere que muitos religiosos são mais leais à fé do que a Deus. E, acreditar “na fé” em Deus, ao que lhes parece, configura ser mais importante que acreditar “em” Deus.
Na virada deste novo milênio tem sido observada a emergência da Neuroteologia, a saber, Neurologia Espiritual, campo de investigação científico-multidisciplinar, incorporador de conhecimentos da Psicologia Cognitiva, Religião, Espiritualidade e Neurociência. Em essência, trata-se de um novo campo do saber que busca compreender a relação entre o cérebro humano e a religião. Usando várias técnicas de exploração da estrutura e funcionamento do cérebro, pesquisadores têm procurado determinar quais áreas cerebrais são mais ativas no momento em que as pessoas vivenciam uma profunda conexão com o divino. A questão, portanto, sendo “Há um lugar para Deus no cérebro”, ou, “Há Deus no cérebro?”. Pesquisadores no assunto vêm tentando, através do estudo dos mecanismos neurais, revelarem o que acontece no cérebro quando pessoas sentem o despertar místico durante o orar, o meditar, bem como, durante o envolvimento espontâneo inspirado pelo fervor religioso.
O resultado de mais de uma dezena de estudos, ao longo dos últimos vinte anos, sugerindo que várias são as regiões e sistemas cerebrais que mediam aspectos da experiência religiosa e espiritual, implicando, com isso, que, tais experiências são complexas e multifacetadas, envolvendo mudanças na percepção, cognição e emoção. Iguais a muitas outras funções corticais de alta ordem, tais experiências místicas também envolvem muitas partes cerebrais, de modo que nenhum correlato neural específico pareça existir para as experiências religiosas e espirituais. Em outras palavras, “Não existe, precisamente, um lugar único, por mais simples que seja, no cérebro, designado ser Deus no ser”. A despeito da tentativa dos estudiosos para integrar diferentes resultados visando identificar correlatos neurais comuns da experiência religiosa e espiritual, os mesmos não lograram sucesso. O que, em geral, eles encontraram? Foi o fato de várias regiões cerebrais mostrarem atividade aumentada, indicando o papel importante daquelas regiões nas experiências religiosas, tais como, o córtex pré-frontal, os lobos parietais, o gânglio basal e o sistema límbico. Importa ressaltar, entretanto, que, tais resultados são, apenas, correlacionais por natureza, nada revelando sobre as relações causais. Ainda que as experiências religiosas e espirituais sejam associadas com mudanças em atividades cerebrais regionais, não é claro se essas mudanças causavam aquelas experiências ou se respondiam às mesmas (Sayadmansour, A. Neurotheology: The relationship between brain and religion. Iran J Neurol. 2014;13(1):52-5; Ferguson MA, Schaper FLWVJ, Cohen A, Siddiqi S, Merrill SM, Nielsen JA, Grafman J, Urgesi C, Fabbro F, Fox MD. A Neural Circuit for Spirituality and Religiosity Derived From Patients With Brain Lesions. Biol Psychiatry. 2022).
Os dados parecem indicar que a experiência religiosa surge da atividade neural emanando de uma secção específica do cérebro, a lóbulo-temporal, ainda que muitas outras áreas cerebrais da complexa rede neural também se mostrem bases biológicas da espiritualidade. Afinal, achar uma fonte cerebral para a experiência espiritual pode servir, igualmente bem, para identificar o meio pelo qual Deus alcança a Humanidade. A Ciência, na verdade, dá-nos uma grande razão para nisso acreditar (Schjoedt, Uffe, & Michiel van Elk, Neuroscience of Religion’, in Justin L. Barrett (ed.), The Oxford Handbook of the Cognitive Science of Religion, Oxford Handbooks,2022).
Professor Visitante da UnB*