A desvalorização do policial como ser humano expressa-se na frieza com que são tratados. É chocante e inaceitável
Raquel Gallinati *
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Sabrina Franklin, com apenas dois anos de serviço na Polícia Militar, deixa seu marido, também policial, com o sonho de construir uma família. Covardemente, ela foi morta enquanto voltava para casa, em Parelheiros, na zona sul de São Paulo, vítima de uma violência brutal.
Nas manchetes, a imprensa resume sua vida em “Policial militar morre após tentativa de roubo”, apagando sua identidade e sonhos.
Perceber que Sabrina perdeu sua identidade de “mulher vítima de violência”, com sonhos e uma vida a ser vivida, para uma estatística fria de “policial militar é morta” é revoltante. No momento que Sabrina foi assassinada, estava fora de serviço e vestindo roupas civis, uma pessoa com sentimentos, aspirações e uma família.
O trágico episódio envolvendo Sabrina é profundamente indignante e nos leva a reflexões profundas. Infelizmente, ela se tornou vítima não apenas da violência brutal, mas também da leniência que por vezes beneficia os criminosos. Sua execução covarde evidencia não apenas a fragilidade da segurança pública, mas também uma distorção na narrativa quando se trata de mulheres vítimas de violência.
A sua morte não apenas representa uma perda irreparável para sua família, mas também destaca questões profundas de desumanização que permeiam a realidade dos policiais – especialmente das mulheres – na sociedade.
A desvalorização do policial como ser humano expressa-se na frieza com que são tratados. É chocante e inaceitável. A invisibilidade dada a essas mortes sugere uma cegueira social, como se a vida de um policial não fosse valiosa, como se não importasse.
A perturbadora normalização da ideia de que os policiais estão destinados a perder a vida perpetua uma visão desoladora da sociedade. Parece que, para alguns, assinar um contrato vitalício com uma cláusula de morte certa é o destino inquestionável de quem escolhe a carreira policial. Essa normalização, naturalização e banalização da violência contra policiais revelam uma desumanização preocupante na forma como a sociedade encara esses profissionais.
Essa distorção na abordagem não apenas desvaloriza a individualidade e a tragédia pessoal de Sabrina, mas também perpetua uma visão desumana da violência, que, em última análise, afeta todos os policiais. É essencial que questionemos e repensemos a forma como a sociedade e a mídia abordam casos como o de Sabrina, para que as vítimas não sejam reduzidas a meros rótulos e para que a urgência em combater o crime seja verdadeiramente reconhecida e enfrentada, inclusive contra todas as mulheres, incluindo as policiais.
* Delegada de Polícia, diretora da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol) do Brasil e embaixadora do projeto Mulheres no Tatame e Instituto Pró-Vítima