Tribuna Ribeirão
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Neurociência da vida cotidiana (10): Envelhecimento cognitivo 

*José Aparecido da Silva

Nós todos envelhecemos. Os psicometristas, especializados que são na mensuração das habilidades cognitivas, assumem, e ninguém parece discordar, que a competência cognitiva aumenta com a idade até o início da fase adulta. Mas, ao final da vida, o cotidiano não tem se mostrado fácil a ninguém: a incidência da demência na população de 65 anos pra mais alcança os 10%, seis vezes mais elevada do que a incidência na população como um todo. As teorias de desenvolvimento e de envelhecimento afirmam que as pessoas ficam confinadas em nichos, progressivamente, quando envelhecem. Mas, o que envelhece quando envelhecemos? 

É certo que, ao final da vida, há uma redução na habilidade pessoal no que tange à execução de importantes decisões e no desempenho de tarefas cotidianas, tais como, ler rótulos, controlar as finanças e lembrar o horário de tomar medicamentos. Por isso, talvez, no mundo ocidental, que atualmente apresenta elevada população idosa, ativa e mais longeva, os governantes estejam mais preocupados com o declínio cognitivo e suas conseqüências sobre os indicadores econômico-sociais. Algumas tentativas têm emergido das pesquisas sobre o envelhecimento cognitivo. Um exemplo? Parece que encorajar as pessoas idosas a serem mais ativas fisicamente pode ajudar na preservação de sua inteligência geral, fluída.  A visão psicométrica, portanto, demonstra, claramente, que o fomento das habilidades cognitivas na infância e na adolescência constitui o segredo para retardar o envelhecimento cognitivo com o passar dos anos. 

Recentemente, a disponibilidade de tecnologia de neuroimagem tem estimulado um aumento acentuado na literatura de neurociência cognitiva humana, incluindo o estudo do envelhecimento cognitivo. Embora haja um consenso crescente de que o cérebro envelhecido mantém considerável plasticidade de função, mensurada principalmente por meio da ressonância magnética funcional, ainda causa questionamentos como as diferenças de idade na atividade cerebral se relacionam com o desempenho cognitivo. O campo também é dificultado pela complexidade do próprio processo de envelhecimento e pelo grande número de fatores que são influenciados pela idade. A influência do treinamento no cérebro adulto foi demonstrada como uma experiência ao longo da vida, capaz de influenciar a estrutura e a função cerebrais. Entretanto, pouco se sabe sobre como o treinamento comportamental de curto prazo pode afetar a atividade cerebral em idosos adultos. A importância desta questão? As suas implicações para com a reabilitação do declínio cognitivo em pessoas idosas. 

Estudos de neuroimagem analisaram essa questão chegando a resultados intrigantes (por exemplo, Grady C. Nat Rev Neurosci. 2012, 13(7):491-50). Um treinamento para idosos em uma tarefa de atenção dividida em cinco sessões de uma hora durante um intervalo de duas semanas foi realizado. No decorrer do estudo, a atividade do córtex pré-frontal que foi maior em adultos antes do treinamento foi reduzida ao nível observado em adultos mais jovens após o treinamento. Por quê? Pelo fato de, uma vez que a prática nas duas tarefas reduziu o esforço necessário para realizá-las simultaneamente, reduziu-se também a necessidade de controle cognitivo mediado pelo córtex pré-frontal. Da mesma forma, uma redução na amplitude de uma resposta eletrofisiológica evocada durante uma tarefa de memória de trabalho foi relatada em idosos após 10 horas de treinamento de discriminação perceptiva, e essa redução previu o aumento da precisão na tarefa de memória de trabalho obtida após o treinamento. 

Na seqüência, os adultos mais velhos foram submetidos a duas sessões de treinamento (para um total de 2,5 horas), em que eles foram treinados sobre o uso de três diferentes estratégias de aprendizagem e, em seguida, permissão para usar a estratégia de sua escolha para aprender listas de palavras. Uma sessão de ressonância magnética pós-treino foi então realizada no grupo mais velho. O que foi encontrado? Que o uso das estratégias durante a condição de codificação na segunda sessão de ressonância coincidiu com uma eliminação das diferenças de idade pré-treino na memória de palavras. O treinamento também aumentou a atividade cerebral dos adultos mais velhos nas regiões frontais e temporais esquerdas, que foram previamente associadas ao processamento verbal e à codificação bem-sucedida. Esses aumentos da atividade cerebral quando correlacionados com o grau de melhora na memória após o treinamento, sugeriram um papel direto do treinamento em influenciar tanto a função quanto o comportamento do cérebro. Os dados sugerem que o aumento da atividade cerebral após um treinamento limitado poderia ser devido à adoção de uma estratégia diferente, enquanto a diminuição da atividade cerebral após o treinamento é mais provável devido a um aumento da eficiência relacionado à prática em uma tarefa.  

Diferentemente, o estudo de Bennett, IJ, Stark, SM, & Stark, CEL (J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci. 2019, 74(7):1132-1141) concentrou-se diretamente em biomarcadores para o envelhecimento patológico. Eles replicaram resultados anteriores de pior desempenho na tarefa de semelhanças mnemônicas, bem como perda de volume do lóbulo temporal medial entre indivíduos com comprometimento cognitivo leve (MCI) em comparação com controles e, além disso, mostraram que o desempenho da memória de reconhecimento estava relacionado ao volume total do hipocampo e aos circuitos locais no sistema giro dentado do hipocampo-CA3, em particular, em ambos os grupos. Esta descoberta sublinha o fato de que o declínio da memória de reconhecimento e as alterações nas estruturas cerebrais subjacentes ocorrem num continuum na idade adulta, em vez de serem homogêneos no envelhecimento saudável e, em seguida, sofrerem uma queda repentina quando as pessoas atingem os critérios para MCI. 

As pesquisas de neuroimagem humana sobre o envelhecimento cognitivo têm permitido avanços significativos à nossa compreensão dos mecanismos neurais subjacentes ao declínio cognitivo relacionado à idade e ao envelhecimento bem-sucedido. 

 Professor Visitante da UnB-DF* 

 

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