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O Equador e sua literatura (10): Nela Martínez Espinosa  

Rosemary Conceição dos Santos* 

De acordo com especialistas, Nela Martínez Espinosa (1912-2003) nasceu em Cañar, uma pequena cidade abrigada pela Cordilheira dos Andes, no sul do Equador, em uma família proprietária de terras e muito religiosa. O pai, César Martínez, era membro do Partido Conservador. A mãe, Enriqueta Espinosa, era uma mulher culta e de tendências liberais, que transmitiu em seus quinze filhos o gosto pela leitura, conhecimento e cultura. Desde a infância, Nela conviveu com os filhos e filhas dos trabalhadores indígenas da fazenda de seu pai, submetidos à exploração econômica e racial herdada da Colônia e que continuou na época republicana. “Daí meu apego às questões indígenas. Quando eu era muito jovem, eu via o mundo dos índios muito longe do mundo dos patrões, o índio estava lá, em tudo, mas ao mesmo tempo ausente”. Aos 10 ou 11 anos, participou de um protesto dos indígenas da fazenda contra seu pai. Aos 12 anos, Nela ingressou no internato do Colégio Católico de los Sagrados Corazones, na cidade de Cuenca. Foi nessa fase da adolescência que teve seu primeiro contato com textos revolucionários: a revista Amauta, editada e publicada por José Carlos Mariátegui, em Lima (Peru), que foi uma de suas primeiras leituras. Gastando o pouco dinheiro que sua família lhe deu em livros, Nela estudou o socialismo andino, só oltando para sua cidade, em 1927, sem diploma, porque naquela época as mulheres não podiam se graduar. 

Lutadora popular equatoriana, escritora e militante comunista desde cedo, com ampla trajetória internacionalista, Nela foi a primeira deputada eleita no Equador, criando uma das primeiras grandes organizações políticas de mulheres, em 1938. Como primeira mulher ministra de governo esteve, na prática, no comando do país nos caóticos três dias que se seguiram à insurreição chamada La Gloriosa, em maio de 1944. Sua rica história de militância nos ensina sobre a trajetória das mulheres nas lutas locais, nacionais e internacionais que vinculam os direitos das mulheres às lutas anticapitalistas, antifascistas, antirracistas, anticoloniais e anti-imperialistas ao longo do século XX. Nas palavras da própria Nela, no Congresso Nacional do Equador em 2003, um ano antes de sua morte, referindo-se à primeira vez que esteve lá como deputada em 1945: O encontro de Nela com Joaquín Gallegos Lara, em 1930, durante uma visita de Nela, acompanhada de sua mãe, a Guayaquil, mudaria a vida de ambos para sempre. Gallegos Lara, com apenas 21 anos, já era um escritor consagrado, ligado ao mundo sindical e militante do Partido Comunista. Nela descobriu em Gallegos um vínculo de vida e militância, um “amor pelo futuro coletivo”, em suas próprias palavras. Mudando-se para Ambato, cidade da Sierra Central, Nela conseguiu um emprego humilde como professora e, em 1933, ingressou no Partido Comunista, sendo a única mulher do núcleo local a iniciar sua atividade política por meio de intenso trabalho de organização de base com trabalhadores e camponeses. Durante esse período, estabeleceu relações com sindicatos de diferentes ofícios, publicou textos revolucionários radicais e organizou protestos e manifestações. A distância física entre Nela Martínez e Joaquín Gallegos Lara não impediu que o relacionamento deles se tornasse cada vez mais íntimo e mais comprometido politicamente. Durante anos, a correspondência entre os dois sustentou a relação amorosa e foi o veículo para a troca frutífera de ideias políticas que enriqueceram o diálogo entre Sierra e Costa. Em uma das cartas que Nela escreve aos 19 anos, ela expressa a Joaquín sua posição sobre a situação da mulher, referindo-se à tentativa de seu pai de casá-la com o filho de um latifundiário: “Ele quer me deter na inconsciência da rotina do viver, fazer dos meus pensamentos ironia, os poucos que ele sabe de mim, na realidade resignada que deveria ser. Dar-me um marido católico para que nem meus filhos nem as gerações futuras mudem, para que eu mesma seja o que minha mãe é, o que são as mulheres infelizes desta terra: a mulher-vítima, a mulher-coisa, a mulher-escrava. Minha recusa direta o exasperou.” 

O pai de Nela Martínez nunca viu com bons olhos a relação dela com Gallegos Lara. Apesar da rejeição, eles se casaram em Ambato, em 1934. Pouco tempo depois, fugindo da perseguição política das autoridades locais, Nela e Joaquín se mudaram para Guayaquil. Sua reputação de comunista militante, sindicalista e agitadora impediu Nela de estabilizar sua situação econômica. Apesar das dificuldades, os dois desenvolveram uma intensa atividade política tanto na Serra quanto no Litoral. O papel de ambos como líderes orgânicos e intelectuais do Partido Comunista, forjando vínculos e alianças com diferentes setores da classe trabalhadora e da intelectualidade, foi fundamental para superar as divisões setoriais e regionais que permitiriam a unidade de ação das classes populares. Em 1935, o PCE envia Nela Martínez a Quito para um encontro com diferentes setores políticos do país. Ela decide se estabelecer na capital, onde Joaquín a encontra logo depois. A convivência se deteriora e eles vivem separados, embora continuem seu casamento e seu trabalho político. Nesse ano, Joaquín escreve os primeiros capítulos de uma obra fundamental da literatura equatoriana, Los Guandos[2], uma história comovente sobre a desapropriação e subjugação dos povos indígenas da Serra, a brutalidade do sistema de dominação imposto pelas classes latifundiárias e as contradições da modernização. O romance foi concebido conjuntamente por Nela e Joaquín e sua história principal emerge da narrativa da violência da exploração dos indígenas que Nela presenciou em sua infância e juventude. “Um livro índio. O primeiro livro índio que será feito em nosso Equador. Um livro novo. Mas não será só com o meu nome que aparecerá. Vamos escrever e publicar juntos”, diz Gallegos Lara em carta a Nela em 1930. Décadas depois, nos anos 1980, seria Nela quem terminaria de escrever e publicaria o texto, que ficou inacabado após a morte de Gallegos Lara. A obra faz parte da literatura indigenista equatoriana, em que autores não indígenas escrevem sobre os indígenas, buscando reivindicá-los no contexto das lutas pela recuperação de seu legado à nação. 

Em 1980, uma doença a deixou quase paralisada, mas Nela conseguiu se recuperar graças a seus enormes esforços e depois de dois anos de intensa reabilitação. Apesar de sua doença, seguiu trabalhando duro nas décadas seguintes. Em 2004, Nela, já bastante doente, foi a Havana para receber tratamento médico e lá morreu, em julho do mesmo ano. Suas cinzas repousam tanto em Havana quanto em Quito. Recebeu duas homenagens nos dois países. 

Professora Universitária* 

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