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Pizindim  

Sandro Cunha dos Santos *
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“Pizindim, Pizindim, Pizindim, era assim que a vovó, Pixinguinha
chamava. Menino bom na sua língua natal, menino bom que se tornou imortal. E a roseira dá rosa em botão, Pixinguinha dá rosa canção. E a canção bonita é como a flor que tem perfume e cor. E ele que era um poema de ternura e paz, fez um buquê que não se esquece mais em rosas musicais”.

Salve Pizindim, que em um dialeto africano, trazido ao Brasil pela sua avó centenária, significa menino bom. Após contrair varíola, doença popularmente chamada de Bexiguinha, e misturando Pizindim com Bexiguinha, graças à criatividade de seus amigos mais próximos, nosso compositor, um dos maiores gênios da música brasileira, ganhou o apelido de Pixinguinha.

Todos que conviveram com o compositor sempre ressaltam a sua bondade e seu enorme coração, além da simplicidade que sempre é a marca das pessoas privilegiadas e sábias. Devido a essas virtudes, Hermínio Bello de Carvalho o apelidou de São Pixinguinha, e nomes como Vinícius de Moraes, Cyro Monteiro, dentre outros, faziam questão de sempre o chamar assim.

Uma das histórias mais inusitadas de Pixinguinha é a história do assalto. Contava que um certo dia ele vinha voltando pra casa em uma rua escura e um ladrão o abordou e disse: Passe suas coisas para cá! E ele passou o dinheiro, depois o relógio, e o ladrão falou: E essa caixinha? A caixinha era a flauta do Pixinguinha. Ele ficou meio triste de perder a flauta, mas passou a caixinha para o ladrão. O ladrão emendou: Agora acende meu cigarro. Pixinguinha foi acender o cigarro do ladrão e nisso, a chama do fósforo iluminou seu rosto.

O ladrão tomou um susto: mas é você Pixinguinha? Eu te conheço aqui do bairro, de suas serenatas por aí. Você me desculpa, eu não sabia que era você. O ladrão ficou sem graça e devolveu tudo pro Pixinguinha, que respondeu muito obrigado, e já ia embora quando o ladrão falou: não, não, já que é assim vamos tomar uma cerveja. Ai o Pixinguinha levou o ladrão pra tomar cerveja na casa dele e ficaram tomando cerveja até de manhã, e esse ladrão acabou ficando compadre do Pixinguinha, que até batizou um filho dele… e ele nunca mais roubou. Isso não é fantástico? Isso é Pixinguinha.

Dentro da nossa música Pixinguinha é um mundo. Ritmos músicais como o samba não existiriam como são hoje se não houvesse a figura de Pixiguinha em sua história. Mário de Andrade dizia que Pixinguinha surgiu quando “a música popular tornou-se violentamente a criação mais forte e a caracterização mais bela da nossa raça, nos últimos dias do império e primeiros da República”.

Dentre todas as composições de Pixinguinha, a mais intrigante e que bateu o recorde de gravações pelo Brasil e pelo mundo é “Carinhoso”.

O “Carinhoso” tem uma história que começa de forma inusitada, com o autor mantendo-o inédito por mais de dez anos. Esse ineditismo é justificado por Pixinguinha, no depoimento que concedeu ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro em 1968: “Eu fiz o Carinhoso em 1917. Naquele tempo o pessoal nosso da música não admitia choro assim de duas partes (choro tinha que ter três partes). Então, eu fiz o Carinhoso e encostei. Tocar o Carinhoso naquele meio! Eu não tocava… ninguém ia aceitar”.

Ainda sem letra, “Carinhoso” teria mais duas gravações, a primeira (em 1929) pela Orquestra Victor-Brasileira, dirigida por Pixinguinha, e a segunda (em 1934) pelo bandolinista Luperce Miranda, figurando em ambos os discos, por erro de grafia, com o título de “Carinhos”. Apesar das três gravações e das execuções em programas de rádio e rodas de choro, “Carinhoso” continuava em meados dos anos trinta ignorado pelo grande público.

Em outubro de 1936, porém, um acontecimento iria contribuir de forma acidental para uma completa mudança no curso de sua história. Encenava-se naquele mês no Teatro Municipal do Rio de Janeiro o espetáculo “Parada das Maravilhas”, promovido pela primeira dama, D. Darcy Vargas, em benefício da obra assistencial Pequena Cruzada. Convidada a participar do evento, a atriz e cantora Heloísa Helena pediu a Braguinha uma canção nova que marcasse sua presença no palco.

Não possuindo nenhuma na ocasião, o compositor aceitou então a sugestão da amiga para que pusesse versos no choro “Carinhoso”. “Procurei imediatamente o Pixinguinha”, relembra Braguinha, “que me mostrou a melodia num dancing (o Eldorado) onde estava atuando: No dia seguinte entreguei a letra a Heloísa que, muito satisfeita, me presenteou com uma bela gravata italiana.” Surgia assim, escrita às pressas e sem maiores pretensões, a letra de “Carinhoso”, uma letra simples (não chega a alcançar o melhor nível de João de Barro), mas que se constituiu em fator primordial para a popularização da composição. Pode-se mesmo dizer que o “Carinhoso” só se tornaria um dos maiores clássicos da MPB a partir do momento em que pôde ser cantado.

Ostentando o mérito de ser uma das composições mais gravadas de nossa música popular, “Carinhoso” detém ainda o recorde de gravações nos repertórios de Pixinguinha e João de Barro. Ainda hoje, nos encontros musicais, sempre nos lembramos de Carinhoso.

Salve Pizindim, menino bom que foi canonizado. Salve São Pixinguinha!

* Professor e músico do grupo Os Etanóis      

 

      

 

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