Tribuna Ribeirão
Artigos

Meus vinte anos 

Edwaldo Arantes * 
[email protected] 
 
Em um quase entardecer, ainda com o Sol brilhando e o “Céu de Brigadeiro” de nossa terra, encontrava-me em um bar  bebericando minha cerveja, pensando um turbilhão de revoluções, ações, livros, romances e os sonhos que norteavam os meus pensamentos, anseios e ideais,  nos meus parcos vinte anos.  A mesa na calçada, quando meu olhar mirou o passeio em frente, avistei uma moça caminhando como se flutuasse,  descendo a General Osório. 
 
Trajava uma camisa branca folgada, calça jeans, bolsa sacola  em pano descendo dos ombros,  um par de sandálias em couro, simples e graciosas, talvez tecidas pelo saudoso e talentoso artesão,  Guilherme,  brincos, pulseiras  e bijuterias, vestimentas e adornos característicos dos  anos oitenta,  que lhe davam uma aparência despojada, atraente e sedutora. Despertando a curiosidade, ofuscando as demais moças, causando inveja até nas flores da Praça Barão do Rio Branco, em frente a nossa mesa. 
 
Pisava com firmeza, sensualidade e elegância, sem prestar atenção a nada, apenas altiva e confiante, com seus pés pequeninos de Cinderela e a formosura da juventude. 
 
Olhei para um amigo querido sentado ao meu lado e disse: “vou casar com ela”, no que o parceiro de “copo e de cruz”, argumentou: você nem a conhece, nunca a viu e nem bebeu tanto ainda para sonhar.  Esta visão que definiu para sempre minha existência e meu conceito sobre o belo, viveu e acompanhou-me como uma das aparições mais lindas que foram expostas aos meus olhos. Pedindo licença  ao Poeta Recifense, Manuel Bandeira: “Foi o meu primeiro alumbramento.” 
 
Em uma noite, finda a madrugada, estava com uma quase namorada, sem saber onde poderíamos ficarmos  juntos, quando ela comentou: “estou com as chaves da casa de uma amiga que  está passando uns dias de folga  na cidade dela”. A casa localizava-se na Rua Américo Brasiliense, na bucólica, antiga e pacata, Vila Seixas. 
 
Quando acordamos, o quarto claro, iluminado pelos raios de sol, entrando pelas janelas naquela manhã que já ia bem tarde.  Em cima de um móvel algumas fotos em pequenas molduras, em uma delas estava a moça que tanto me encantou e arrebatou meu coração naquele final de tarde. Não indaguei nada, apenas olhando alguns minutos o adorno com a imagem em minhas mãos. 
 
Interessante ser a nossa vida repleta de surpresas.  Era um ano eleitoral com um debate com os postulantes ao governo de São Paulo, com Lula, um dos candidatos, marcamos de assistir em uma casa aberta a todos, sem trancas, chaves ou fechaduras, bastava apenas adentrar, também atelier do talentoso e brilhante pintor, Paulo Camargo. 
 
Minha “companheira” avisou que levaria uma amiga, comprei cervejas e fiquei esperando no bar em uma preliminar, aguardando para assistir o debate. Ela chegou e meu coração disparou, estava acompanhada com a moça da visão que em uma tarde tomou minha, fomos apresentados, beijou-me o rosto, eu totalmente atônito e deslumbrado. 
 
Quando seus lábios tocaram minha face, ficamos bem pertinho, um cheiro inesquecível exalou, foi o mesmo perfume que senti naquela noite em um quarto de república estudantil. 
 
Fomos assistir o “encontro” sentados sobre o tapete, em um determinado momento num  gesto audacioso e inesperado  deiteime  sobre suas pernas até o término das discussões.   
 
Ficamos conversando, bebendo e rindo, nos olhando, aproximando levemente, quase encontrando nossas mãos, quando um vulcão entrou em erupção, ficamos trocando os mais intensos carinhos até a manhã raiar. Vivemos uma tórrida paixão, os momentos mais marcantes da minha mocidade, mistura de descobertas, juventude, planos, como se tudo que íamos vivendo com intensidade e atropelos fossem eternos e não acabariam nunca. 
 
Chegando ao apogeu do meu tempo, aprendi que tudo passa muito rápido, os anos dissipam-se como água escorrendo entre os dedos. Com os cabelos brancos pela existência descobrimos que foi intenso e fugitivo, como o risco de uma estrela cadente traçando o Céu, mostrando que as memórias são amontoados de fotos, devaneios, ilusões, reminiscências que a mente guarda e o tempo acelera em direção a curva da vida.   
 
Não cumpri a jura feita ao amigo, não nos casamos e muito menos ficamos juntos, ela se formou, foi assumir seus destinos, “sumindo no mundo sem me avisar”. De tudo sobrou apenas a certeza, imortalizada em um dos poemas mais lindos do Bandeira: “Que a vida passa! Que a vida passa! E a mocidade vai acabar”. 
 
* Agente cultural 

Postagens relacionadas

COVID-19: Quando e como reabrir as escolas (2)

William Teodoro

Ferramenta, não panaceia

William Teodoro

O crescimento das árvores é insuportável para a sociedade

Redação 1

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com