Edwaldo Arantes *
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Tive o privilégio e a gratidão de ter sido convidado pelo Governo Federal, do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no ano de 2004, para compor a equipe de um programa que parecia ter saltado da mais profunda necessidade e com fins jamais sonhados denominado, “Fome de Livro”, tendo como meta levar a leitura e o livro a todos os municípios e aos mais remotos rincões.
Após pesquisa e dados levantados, constatou-se pelo IBGE que a grande maioria dos municípios com até 30 mil habitantes não possuíam nenhuma Biblioteca e aqueles abaixo nem sequer um simples manuscrito.
Registro aqui o sucesso do programa, sob a batuta do Galeno Amorim, Ministros Cristovam Buarque (MEC) e Gilberto Gil (MINC), Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, patrocinadores e apoiadores privados, que contribuíram para aniquilar esta nódoa, zerando o famigerado déficit, instituindo salas de leitura e bibliotecas em todos os municípios até o final do segundo mandato do Presidente Lula.
Chegando ao Rio para exercer o cargo de “Gerente Nacional de Captação de Recursos” do fantástico programa, fui trabalhar no 11º andar do “Edifício Gustavo Capanema”, obra nascida das mãos mágicas e geniais de Oscar Niemeyer que fez justa homenagem ao eterno Ministro da Educação.
Localizado na Rua da Imprensa, 16, Centro, o “Palácio Capanema” foi projetado pelos arquitetos Lúcio Costa, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernany de Vasconcellos, Jorge Machado e Oscar Niemeyer, juntamente com a consultoria do arquiteto franco-suiço, Le Corbusier.
O complexo do “monumento” é constituído pelos jardins de Burle Marx, a Biblioteca Mário de Andrade e uma “galeria de artes a Céu aberto com painéis de Cândido Portinari.”
Lembrando que o Chefe de Gabinete do Ministro Gustavo Capanema era ninguém menos que o mineiro e “Poeta Maior”, Carlos Drummond de Andrade.
Bem, vamos aos passos, caminhos e peregrinações de um mineiro ao âmago da capital fluminense.
Gostava de perambular nas minhas horas vagas saboreando um sanduíche de pernil, adquirido cotidianamente em um centenário da Rua México, que degustava pelas ruas, atônito, perplexo e impressionado com cada cena e lugar, meus olhos pareciam os olhares das crianças acordando nas manhãs dos dias 25 de dezembro.
Eu caminhava percorrendo ruas, vielas, ruelas, travessas, becos, atalhos, trilhos e veredas com a nítida impressão de ouvir os cascos nas pedras e uma carruagem surgindo resgatando e emoldurando a história.
O Centro e suas marcas, desde o Império, onde todos os dias eu vagava, palmo a palmo; Cinelândia, Paço Imperial, Largo da Carioca, Theatro Municipal, Câmara dos Vereadores, Assembléia Legislativa, Teatro Rival, Estação dos Bondes para Santa Tereza, Biblioteca Nacional, Arco do Telles, Feira do Lavradio, Rua da Alfândega, do Ouvidor, Gonçalves Dias, SAARA, Confeitaria Colombo, Real Gabinete Português de Leitura, Mosteiro de São Bento, Sala Cecília Meirelles, Museu Histórico Nacional, Centro Cultural Banco do Brasil, Academia Brasileira de Letras, Circo Voador, Arcos da Lapa (Aqueduto da Carioca), Escadaria Selarón, Terminal das Barcas, Praça XV, Praça Mauá, e mais, muito mais que a vista busca e os olhos marejam.
O Rio com suas misturas seculares unindo o passado e o presente, suas igrejas, suas áureas e enigmas, seu manto eterno de fé e forte tradição ecumênica, abraçando todas as crenças.
Igreja Nossa Senhora da Candelária e seu monumento triste, eternizando os meninos mortos na abominável “Chacina da Candelária”, formado por uma cruz de madeira e desenhos em vermelho do contorno dos corpos das crianças no calçamento, onde foram brutalmente assassinadas.
Catedral Metropolitana de São Sebastião, Igreja de São Francisco da Penitência, Igreja de Santo Antônio dos Pobres, Igreja de Santa Luzia, Igreja de Nossa Senhora do Parto, Igreja de São Francisco da Penitência, Imperial Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito dos Homens Pretos e uma constelação de santuários com seus mistérios, dogmas e convicções seculares.
O Centro e sua boêmia; Casa Paladino, Beco do Rato, Bar Luiz, Clube dos Democráticos, Carioca da Gema, Casa Villarino, Estudantina Musical, Amarelinho, Cine Odeon, Verdinho, Antonio’s, Boteco Belmonte, Nova Capela, Cosmopolita, Armazém Senado, Boteco do Gomes, Bar Brasil, Wiskeria Gouvea, apelidada de “Escritório do Pixinguinha” e demais lugares e caminhos de Baco, principalmente a Lapa.
Retornei ao meu ofício no Rio, motivo da minha estadia na “Cidade Maravilhosa”, na nossa busca de resgatar os direitos, combatendo a miséria da desigualdade, do analfabetismo, principalmente do impedimento dos mais humildes e desvalidos ao conhecimento que garante o poder de “escolha”.
Poucas ações podem ser tão especiais e divinas como um livro depositado no colo de uma criança, permitindo-a imaginar, navegar, descobrir e aprender, sem sair do lugar.
O tão sonhado programa “Fome de Livro” foi feito para iluminar os caminhos do desconhecido, transformar a vida, matando a fome do saber, iluminando as trevas da ignorância, despertando o nascimento e a conquista da cidadania, onde o resultado resume-se no verdadeiro significado da palavra INDEPENDÊNCIA.
* Agente cultural