Tribuna Ribeirão
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Ouvir o ruído do silêncio

Edwaldo Arantes * 
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Quase sempre sentia tremores, incômodos, suores nas mãos, rubor brotando na face pálida, como quando criança no “Grupo Escolar Campos do Amaral”, no instante tenso criado quando a Dona Nair olhava para a sala e um silêncio profundo  pairava no ar. 
 
Eram momentos de ansiedade e terror, quando um de nós era sorteado para declamar Castro Alves após o recreio, com todos os alunos perfilados no pátio formando uma platéia ávida por um erro ou deslize, como o atleta que afoito, se precipita antes do tiro de largada. 
 
Em hipótese alguma quanto à obra de Antônio Frederico de Castro Alves, poeta brasileiro, representante da Terceira Geração Romântica, o “Poeta dos Escravos” que expressou em suas poesias a indignação aos graves problemas sociais de seu tempo. 
 
Voltando às carteiras duplas da sexta série, o anseio vinha apenas pela timidez mineira e o acanhamento causado pela exposição, com o olhar atônito e a cabeça baixa. 
 
Este mesmo recato herdado da infância surge quando me ponho a pensar nas razões que levam alguém a cometer o desatino de sequer ousar escrever, ofício árduo e solitário na maioria das vezes,  desolador 
 
Acredito que quem escreve tenha outro e peculiar olhar sobre o mundo, as incertezas e os  mistérios que o cercam. 
 
Todos os significados podem ser alterados, criados ou imaginados. O sorriso pode ser uma lágrima, um tênue riacho ou caudaloso rio, o coração moradia em uma lírica choupana ou um luxuoso castelo, estrelas podem dançar ciranda de mãos dadas com o sol e a lua. 
 
Pode-se escrever para algo ou sobre algo, um passado, uma sombra, um amor, um cheiro, um instante suspenso  ou os ruídos silenciosos da noite escura. 
 
“Pode inventar qualquer mundo como um vagabundo se for por você, basta sonhar com você”,  este sim, escritor  e  arquiteto das palavras, Francisco Buarque de Holanda. 
 
Frases como esta brotam uma pontinha de inveja dentro da gente, pequenina e inocente, que não prejudicam, fazendo-nos  suspirar,  segredando;  “Eu queria tanto ter escrito estas palavras” 
 
Acredito que na realidade o escritor permanece na espreita, observa, espia, degusta, escondendo-se dentro de si, dos personagens, dos atos e fatos. 
 
No íntimo assombra-o muito o mundo e as pessoas, talvez por esta razão as desnude, moldando-as ao seu gosto e vontade, pode perceber vivamente imagens e gestos, um leve toque das mãos nos cabelos, uma tristeza no olhar, o manejo dos talheres, o rosto mirando o espelho, uma boca sorvendo o vinho ou simplesmente as bondades e principalmente, as maledicências dos homens, buscando a felicidade da paz ou as tragédias das guerras.  
 
Pode delinear um andar, uma menina no balanço, uma senhora ajoelhada posta em oração, um crepúsculo melancólico em um sítio distante, conversar com piratas, navegar mares  bravios, cavalgar o corcel branco do Tom Mix ou até mesmo voar para o infinito no fascinante dorso alado de Pégasusna garupa heróica e valente  deBelerofonte”. 
 
Admito e julgo que o escritor só almeja escrever, absolutamente nada mais sabe fazer, tem pouquíssima ou nenhuma intimidade e entendimento do mundo real, das assombrações, incertezas e mistérios que o cercam. 
 
Nada espera das engrenagens, dispositivos, estereótipos e a ciência do suposto ordenamento das normas que regem os caminhos do homem, da mulher, da criança e da humanidade.    
 
Tenta escrever e decifrar cidades, sinos, relógios, enganos, anseios, amores, lutas, trabalhos, túmulos, carinhos, sonhos, gravatas, calçadas e as intrincadas relações do ser com a sua sina, dias, noites, enigmas e o íngreme caminho da curva da vida e sua brevidade. 
 
Admito, acredito e acato que no fundo aparenta existir quase um dano em quem comete o ato insano de agrupar letras, descobrindo palavras e formando frases, tentando explicar o inexplicável fazendo do real o imaginário ou da realidade a fantasia. 
 
Pode fazer do instante uma referência ou interrogação, cunhando uma frase refletida com batom no espelho, rabiscando um símbolo no papel envolto no brilho da tinta e no colorido silêncio da palavra que teima em não brotar.   
 
* Agente cultural 

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