Tribuna Ribeirão
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Emoção (20): Dor 

José Aparecido Da Silva* 

Você já parou para pensar como as pessoas descrevem a dor que estão sentindo? Elas o fazem levando em consideração as sensações, os motivos, as compreensões que têm do mundo e das coisas e, principalmente, suas emoções. A importância disso? O fato de, muitas vezes sem o saber, estarem reconhecendo e avaliando dor através dos diferentes componentes e dimensões da mesma. Mas nem sempre foi assim. No passado, grande número de estudos sobre dor, e as formas de contê-la, ou seja, de promover sua analgesia, a consideraram um elemento de dimensão unitária, variando apenas em intensidade. O resultado disso? A tendência negativa de se considerar apenas a dimensão dolorosa sentida no momento da avaliação, ficando induzido a desconsiderar uma elevada variabilidade de mecanismos capazes de promover um tratamento mais eficiente de dor. Pacientes, quando descrevem a magnitude de dor que estão sentindo, tendem a valorizar muito a intensidade do desconforto e o sofrimento, ansiedade e angústia por aqueles gerados. Entretanto, para que se conheça a eficácia de diferentes fármacos analgésicos, estudiosos do assunto precisam contar com algo mais do que subjetividades: precisam de números que indiquem, fidedignamente, se a dor diminuiu de alguma forma. Em outras palavras, precisam de estudos da sensação de dor fundamentados cientificamente. 

Sendo a avaliação da dor clínica baseada, usualmente, em registros verbais, ou nos descritores comumente usados pelos pacientes para descreverem a dor que estão vivenciando naquele momento, um problema recorrente relaciona-se ao grau em que esses descritores verbais compartilham os mesmos significados entre as principais dimensões da dor. Ou seja, quando um dado descritor de dor apresenta mais do que um único significado a ele associado. A solução para este problema foi estudiosos elaborarem um questionário de avaliação de dor conhecido como McGill, capaz de avaliar as qualidades sensoriais, afetivas e avaliativas da dor, juntamente com vários outros aspectos, tais como intensidade, padrão e localização. Seu alcance? Estar sendo traduzido, e padronizado, para diferentes culturas, raças e sexos, graças a sua amplitude e fidedignidade. Por sua vez, seria a dor também afetada pela experiência passada e pela cultura? Certamente. Desde as dores do corpo, espírito e coração, mencionadas por nossos antepassados, às mágoas e desilusões que pontuam nossas vidas, todas, em conjunto, afetam nossos comportamentos, e são por estes afetadas, construindo os sistemas de valores humanos e conferindo significado e sentido ao real em que se vive. Contemporaneamente, também os deslocamentos intra e intercontinentais, com suas diferentes implicações sociais, culturais e religiosas, contribuem para a complexidade da dor. Por quê? Porque o homem, enquanto organismo inter-relacionado em si, entre si e com o mundo e os outros animais, sofre e reflete o sofrimento físico e psíquico que sente. Mas frequenciá-la um sinal vital não seria algo recente? 

Foi no final dos anos 90 que a dor veio a ser considerada o “quinto sinal vital” na literatura médica. O que significa isso na prática? Significa que seu registro rotineiro, após temperatura, pulsação, pressão arterial e respiração, tornou-se imprescindível na responsabilidade clínica. Significa, também, que, para minorar, adequadamente, o sofrimento dos pacientes com dor, era fundamental mensurá-la através de escalas apropriadas. Dentre estas, as de categoria numérica, verbal ou facial, foram sendo incorporadas aos variados contextos clínico- hospitalares, tornando-se, muitas vezes, populares para diferentes profissionais da saúde. Por sua natureza subjetiva, a sensação de dor não pode ser pontualmente ser registrada por instrumentos físicos que, usualmente, mensuram diretamente o peso corporal, a temperatura, a altura, a pressão arterial e a pulsação. A despeito disso, a mensuração de dor é extremamente importante no ambiente clínico e hospitalar, uma vez que é a partir dela que médicos chegam à decisão de que tipo de tratamento, e conduta terapêutica, prescrever, bem como, quando este deve ser interrompido. 

Assim constituída, a dor, enquanto experiência pessoal e subjetiva, e algo que somente pode ser sentido pelos que ela acomete, passou a ser definida como tudo o que a pessoa sente, do jeito que, e quando, esta sente. O que leva a auto- avaliação ser o indicador mais confiável da existência, e da intensidade, da mesma, bem como, as escalas serem consideradas material essencial para avaliar e mensurar, a percepção da mesma, visando seu melhor manejo e controle. Mensurada apropriadamente, tal fato torna possível verificar se os riscos de um determinado tratamento superam os danos causados pelo problema clínico, bem como, viabilizam escolher a melhor, e mais segura, conduta terapêutica. O alcance disso? Fazer um melhor acompanhamento e análise dos mecanismos de ação de diferentes drogas analgésicas, ajustando doses analgésicas e a frequência de sua administração. Uma vez bem-sucedida a conduta terapêutica, cessa-se a dor e o desprazer a ela associado. Mas, existiriam casos em que sentir dor é importante para se continuar vivendo? 

Prof. Visitante da UnB-DF* 

 

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