José Antônio Lages *
Tem gente que ouviu falar somente agora, pela primeira vez, na guerra entre o Hamas e o governo de Israel. E cai de paraquedas numa discussão complexa com raízes históricas longínquas que requer, no mínimo, conhecimento e equilíbrio. Mas vai logo tomando partido em um conflito que sofre narrativas e manipulações de todos os lados. E já vou logo afirmando: a mídia tem cumprido um papel lastimável, com desinformação e meias verdades, jogando água no moinho da polarização política que temos por aqui, com versões que não contribuem, em nada, para uma solução pacífica duradoura para o conflito. E também afirmo, com todas as letras: não é menor a violência que Israel tem praticado contra os palestinos desde 1948.
O ataque do Hamas contra civis em Israel foi um ato abominável que deve ser condenado com toda veemência pela consciência moral e também porque foi um crime de guerra, de acordo com o direito internacional, mesmo considerando-se que o Hamas é um ator não- estatal. E que fique claro: o Hamas é uma organização política que tem forte presença na Faixa de Gaza e representa uma parte do povo palestino. Há outros milhões de palestinos que foram expulsos de suas terras e que se aglomeram também na Cisjordânia e no sul do Líbano. E se o Hamas é um grupo terrorista, temos que admitir que o outro lado também é, se levarmos em conta o sofrimento e a morte causados pelo terror, venha de onde vier. E Israel tem praticado, deliberadamente, o terror contra os palestinos. Basta conhecer um pouquinho da história mais recente.
Achei muito interessante um artigo de Aldo Fornazieri publicado no 247. O articulista nos lembra que os judeus têm uma história de resiliência ao longo dos séculos. Nem vamos falar na escravidão no Egito, uma construção mais teológica do que histórica. O que a história e a arqueologia afirmam é que o Israel dos tempos bíblicos (Reino do Norte) foi devastado pelos assírios e sua população foi deportada. Jerusalém, capital de Judá (Reino do Sul), também foi destruída pelos babilônios em 586 a.C., e que esta mesma Jerusalém foi destruída mais duas vezes pelos romanos, em 70 por Tito, e em 135 por Adriano, ocorrendo a grande diáspora, um povo espalhado por todo o mundo. Os que nos enoja é o governo da extrema-direita em Israel ter como projeto fazer o mesmo com os palestinos… Diáspora ou limpeza étnica.
Os judeus talvez sejam um dos povos que mais sofreram perseguições ao longo da história. Essa espiral de violência culminou, na era moderna, com os terríveis massacres perpetrados pelo nazismo. A constituição do Estado de Israel em 1948 foi, de certa forma, artificial, em meio à retirada dos colonizadores britânicos. Grupos de judeus do mundo inteiro se dirigiram a Israel para formar o novo Estado. Uma resolução da ONU dividiu a região da Palestina entre Israel e um estado que reunisse a população local de língua árabe. Israel não acatou, até hoje, essa divisão geográfica. O problema de fronteiras com o Egito e a Jordânia foi resolvido com o tempo, mas permanece o conflito com os palestinos.
Defendo que todos os povos que se identifiquem como uma nação, com identidade histórica e cultural, tenham seu Estado próprio com soberania e fronteiras definidas. Assim como os israelenses, os palestinos têm todo o direito de ter o seu Estado próprio e, em sã consciência, esta é uma condição prévia e necessária para um projeto de paz duradoura entre os dois povos. Não há outro caminho. O mesmo ocorre com os curdos e outros povos que lutam, há séculos, por um território e um Estado soberano. De qualquer forma, não é possível compreender o terrorismo e a violência dos grupos palestinos radicais sem compreender a história de violência perpetrada contra os palestinos, em geral, no processo de formação do Estado de Israel.
E aqui faço questão de lembrar uma famosa frase de Malcolm X: “não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor”. E neste caso específico dos palestinos, basta ver o
que acontece em Gaza, a maior prisão a céu aberto do mundo. Um povo encurralado, em péssimas condições de vida, que luta desesperadamente pela sobrevivência. A reação do oprimido nos impacta muitas vezes, tamanha a violência, como ocorreu agora. Mas precisamos de bom senso e conhecimento crítico para compreender o que ocorre ali de fato. Outros interesses sempre estiveram em jogo, como, agora, a extrema-direita baseada na desinformação da grande mídia, tentando, a todo custo, associar o PT e o governo Lula com o Hamas. Parem essa guerra! Kyrie Eleison!
* Consultor técnico-legislativo e ex-vereador em Ribeirão Preto (Legislatura 2001-2004)