Paulo Roberto Gallo
É empresário, e foi presidente do Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis (CEISE Br) por dois mandatos, além de diretor adjunto do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP), e Diretor Executivo da Associação Internacional de Automação (ISA) para a América do Sul. Entre 2017 e 2020, foi também Secretário de Desenvolvimento Econômico do município de Sertãozinho (SP).
As pessoas mais “experientes” certamente já ouviram a expressão “É o olho do dono que engorda a boiada”, como um aforismo para a importância de o dono do negócio estar atento às coisas que acontecem em sua empresa. Esta velha expressão deve ter algum fundamento econômico sólido, pois é citada desde muito tempo atrás.
Recentemente, estive visitando algumas unidades produtivas da Nova Smar S/A, em Sertãozinho (SP), e fiquei muitíssimo bem impressionado com o que vi – e isto me fez meditar e lembrar deste velho ditado, sobre o olhar do dono.
Comecei minha vida profissional na antiga SMAR, há incríveis 42 anos – e parece que foi ontem.
Ao percorrer as áreas produtivas, salas, laboratórios de pesquisa e os corredores da nova empresa, muitas (boas) lembranças me vieram à mente, em rápida sucessão.
Mesmo a distância, segui acompanhando o desenvolvimento da SMAR, uma empresa com a qual sempre mantive um ótimo relacionamento, tanto fazendo negócios, quanto em termos pessoais, por amizade a muitos funcionários e diretores.
Para quem não é da área de automação industrial, por vezes é difícil compreender a importância da SMAR para o desenvolvimento tecnológico do Brasil e, por que não, para avanços técnicos em escala global.
Presentes em mais de 140 países, os produtos desenvolvidos aqui, em Sertãozinho, sempre estiveram ao lado dos avanços tecnológicos de ponta, ajudando a definir padrões atualmente utilizados em sistemas produzidos pelos maiores fabricantes mundiais, e em todas as partes do mundo.
Ao longo de sua existência, a SMAR se transformou em uma referência mundial, e uma das empresas detentoras do maior número de patentes do Brasil, incluindo-se também patentes registradas nos Estados Unidos.
Em seu auge, a empresa chegou a gerar mais de 1.300 postos diretos de trabalho, dentre os quais muitos ocupados por Engenheiros e Técnicos de diversas áreas de conhecimento, atuando no desenvolvimento e na aplicação de novas tecnologias.
A SMAR nasceu pelas mãos de engenheiros que trabalhavam na ZANINI S/A, e da própria SMAR derivaram, ao longo dos anos, diversas outras empresas no setor de automação, instrumentação e controle de processos, agregando imensurável e inestimável valor, tanto humano quanto de capital, à Indústria de tecnologias do Brasil.
Raras são as empresas genuinamente brasileiras que podem ostentar posições de liderança em setores de tecnologia avançada.
Para facilitar as coisas para os não envolvidos, afirmo com tranquilidade que a SMAR está para a área de automação industrial, como nossa EMBRAER está para a área aeronáutica mundial.
Porém, na medida em que os anos foram passando, a SMAR, assim como a EMBRAER, em um momento de sua história, por uma série de fatores e conjunturas que não cabem neste artigo, enfrentou um período de fortes turbulências, para ficarmos na analogia aeronáutica.
Reveses seguidos, muitos fora do controle da operação, acabaram levando a SMAR a uma sequência duríssima de perdas, que a levaram a um “encolhimento” nos mercados em que tradicionalmente atuava, tendo como consequência uma brutal redução de suas vendas, de seu faturamento e, consequentemente, de sua força de trabalho; de seu apogeu com mais de 1.300 funcionários, a empresa foi “desidratando”, até chegar ao número de 300 postos de trabalho.
O cenário, por volta de 2015/16, era quase de terra arrasada.
A falência da companhia parecia inevitável e inescapável.
Foi em fevereiro de 2017 que meu destino voltou a se encontrar com os destinos da SMAR.
Naquela ocasião, eu estava atuando no setor público, ocupando a posição de Secretário de Desenvolvimento Econômico no Município de Sertãozinho (SP).
Numa sexta-feira, dia 17 daquele mês, eu estava encerrando o dia de trabalho, quando surgiu em nossa Secretaria um restrito grupo de funcionários da SMAR, com um verdadeiro pedido de socorro.
A SMAR estava sob administração judicial e, na segunda feira seguinte, dia 20 de fevereiro, eles, como representantes da empresa, teriam uma reunião em São Paulo, Capital, com o Administrador Judicial designado pela Justiça para conduzir o processo de falência, e acreditavam que aquela reunião selaria o processo, encerrando a história da SMAR da pior forma possível.
O pedido era de algum apoio do Poder Público, e houve a coincidência de ser eu a ocupar uma função, naquele momento, que seria a melhor “interface” com o Executivo local.
Eu, então, preparei, durante a noite de sexta-feira para sábado, uma carta endereçada ao então administrador judicial, o renomado advogado Dr. Ricardo H. Sayeg, explicando porque é que, sob a ótica pública, seria um equívoco levar a empresa à falência, sem que fossem feitas todas as tentativas possíveis para salvá-la. Entreguei a carta aos funcionários da SMAR, que, por sua vez, a apresentaram ao Dr. Sayeg na segunda feira.
Após a cuidadosa leitura da carta, o administrador judicial, em um ato de grandeza, decidiu dar uma oportunidade para a SMAR e “segurou” a falência; mas, antes de suspender temporariamente a decisão final, ele solicitou uma nova reunião, com a presença de outras partes, para uma discussão mais aprofundada.
Assim, uma semana depois, reunimos um “time” composto de representantes não apenas do Executivo local, que contou com minha presença e a do então Prefeito Municipal, José Gimenes, além de um representante da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara Municipal, bem como advogados e presidentes de Sindicatos laborais e entidades de classe.
Esta reunião ocorreu em 27 de fevereiro de 2017, e dela resultou a ideia, posteriormente colocada em prática, de se criar uma situação rara no Brasil: a falência da empresa, porém com a CONTINUIDADE das operações, por meio de uma nova entidade juridicamente constituída, sob um novo CNPJ, e, desta vez, tendo como seus proprietários/acionistas os seus próprios FUNCIONÁRIOS que, de empregados, passariam a ser patrões de si mesmos.
As negociações e os atos subsequentes foram inúmeros, e, certamente, não tenho aqui espaço suficiente para escrever todos os detalhes; penso que isso daria um bom livro, cheio de lances emocionantes, com direito a muitas tensões, alegrias, tristezas e, parafraseando o eterno Winston Churchill, uma boa dose de “sangue, suor e lágrimas”.
Ao final de vários meses de trabalho intenso, e de muitos atos de boa vontade, tanto do Administrador Judicial, quanto do Tribunal de Justiça, assim como do Ministério do Trabalho, dos funcionários da SMAR, e de inúmeros outros esforços, finalmente, nascia esta experiência quase inédita em termos de Brasil, e era constituída a NOVA SMAR S/A.
Em vez da falência, com perdas inestimáveis para todos os envolvidos, inclusive para o Brasil, nascia uma nova esperança.
Dali em diante, seriam os olhos dos donos que engordariam a boiada!
Cerca de 300 ex-funcionários da antiga SMAR agora se transformavam em DONOS do negócio, com seus créditos (especialmente trabalhistas, impagáveis pela antiga estrutura) transformados em ações, na Sociedade Anônima que então foi constituída.
Criou-se uma diretoria, composta por três profissionais representando as áreas de Administração, Engenharia e Fábrica, que, sob o direcionamento da Justiça, passou a conduzir os rumos do negócio, juntamente com todos os demais antigos trabalhadores, e, agora, acionistas do novo negócio.
Mas, será que as coisas foram bem?
Terão os “olhos dos donos” obtido bons resultados, conforme o velho ditado sugere?
Vejamos:
A NOVA SMAR S/A, após cerca de 05 anos após sua criação, teve seu valor de mercado aumentado em quase SETE vezes, comparado às avaliações realizadas por ocasião de sua criação.
Mesmo que este número fale por si, me impressionam outros aspectos:
– O faturamento hoje é mais de dez vezes superior ao que ocorria na criação da S/A;
– O número de funcionários aumentou;
– Todos os tributos e encargos trabalhistas estão em perfeita ordem;
– As operações de vendas/faturamento/receitas são demonstradas, de forma pública e transparente, por meio de painéis eletrônicos, a todos os sócios e colaboradores da empresa em todas as suas unidades operacionais – eis algo que eu nunca havia visto antes, em nenhuma das inúmeras organizações que visitei, no Brasil e vários outros países;
– Novos mercados já foram conquistados;
– A empresa se tornou uma das principais lideranças no desenvolvimento e aplicação de um conceito totalmente inovador e disruptivo na sua área, denominado O-PAS (Open Process Automation Standard), ou Norma Aberta de Automação de Processos, que já abrange mais de 800 subscritores, em dezenas de países, incluindo as maiores empresas de automação industrial do mundo, e gigantes como a Intel Corporation, principal fabricantes de microprocessadores em atividade. Esta norma foi desenvolvida para ser a “Norma das Normas” da automação industrial mundialmente.
Com tudo isso com aconteceu e segue acontecendo, acredito que mesmo quem seja leigo no assunto poderá, minimamente, entender e reconhecer o valor e a importância da NOVA SMAR não apenas para nossa cidade, mas também para nosso Estado de São Paulo e para o Brasil.
Não tenha dúvida que vivenciamos uma experiência absolutamente bem-sucedida, que já entrou para a história das atividades empresariais deste país que oferece tantas dificuldades para o desenvolvimento de empresas de todos os portes.
Aqui, com certeza, fica confirmada a regra:
Os olhos dos donos engordam, SIM, a boiada!
-Empresário, foi presidente do Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis (CEISE Br) por dois mandatos, além de diretor adjunto do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP), e Diretor Executivo da Associação Internacional de Automação (ISA) para a América do Sul. Entre 2017 e 2020, foi também Secretário de Desenvolvimento Econômico do município de Sertãozinho (SP)