Perci Guzzo *
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Ao terminar uma fala sobre ecologia e poesia na última edição da Feira do Livro de Ribeirão Preto, um senhor que eu já conhecia de vista, me procurou para me perguntar quais eram as árvores mais velhas do mundo. Respondi que são os cedros do Líbano. Em seguida, me perguntou se os cientistas saberiam dizer quando as sequoias do Canadá irão morrer. Disse a ele que não, que os cientistas não sabem. Por fim, quis saber qual era a árvore mais alta do Brasil. Um angelim vermelho de 88 metros localizado na floresta amazônica, respondi. Ele agradeceu e partiu andando com dificuldade…
Com aparência de uns 65 anos, exalando um odor forte de banho não tomado, carregando muitas sacolas e com as pernas inchadas e muitas feridas, este senhor me interpelou com uma naturalidade e uma curiosidade sobre as árvores que me chamou muita atenção. Quem agora está curioso por saber qual é a história desse brasileiro que vive em Ribeirão Preto, sou eu.
Na controversa obra de “revitalização” da Avenida Nove de Julho, o operário Pedro Joaquim de Oliveira, 59 anos, morreu soterrado, no dia 16 de agosto último, quando abria uma vala para instalação de galeria de águas pluviais. Consta que a contenção não era de metal e sim de madeira. Madeira não segura o solo quando este desmorona. Os responsáveis pela obra lamentaram a tragédia…
Julia Ferraz Signoreto, 27 anos, foi atingida com um tiro no último dia 14 de agosto quando saia de um bar na Avenida Independência. O disparo foi feito por um policial militar no confronto com dois homens que supostamente tentavam roubar-lhe a moto. A bala acertou o peito de Julia que deixa duas filhas e o companheiro Yuri…
Se faz necessário não invisibilizarmos as incontáveis mortes violentas de brasileiros comuns. Se faz necessário revelarmos cada pessoa que sofre com sequelas da Covid-19. Se faz necessário conhecermos e acolhermos os desfavorecidos que sofrem cotidianamente com fome, dores e ausência de perspectivas.
Também na Feira do Livro, fui ouvir o filósofo e professor Renato Janine Ribeiro. Brilhante e cirúrgica fala sobre o momento político do país e as fragilidades de nossa democracia. “Empatia e não o privilégio, essa caricatura da liberdade”, disse ele, ao se referir como devemos agir com as pessoas injustiçadas e excluídas de nossa sociedade.Foi além dizendo que o principal motivo da democracia ser frágil na América Latina é a brutal desigualdade social.
O mais recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre mobilidade social, revela que para uma família brasileira de baixa renda ascender à classe média são necessárias 9 (nove) gerações! A persistência na mesma condição socioeconômica é de 70% da população, enquanto nos países nórdicos é de 20%.O Brasil ocupa a segunda pior posição em desigualdade social entre os 30 países pesquisados, ficando somente a frente da Colômbia.
Ainda na Feira, no último dia, fui ouvir a jornalista Susana Berbert falar sobre a saga dos imigrantes bolivianos escravizados em oficinas de costura na cidade de São Paulo. O livro-reportagem “Bienvenidos”, de autoria da jornalista, revela que só no Brasil há 161 mil pessoas em condição de escravidão moderna que não possuem nomes, rostos e histórias…
Quantos venezuelanos estão vivendo em Ribeirão Preto? Em que condições?
Eu gostaria muito, mas muito mesmo, de presenciar a concessão do título de cidadania ribeirão-pretana aos catadores de recicláveis desta cidade. E que nesse dia uma política pública eficaz viesse ao encontro de suas necessidades para aprimorar trabalho tão digno, nobre e pesado. Nesse dia viraríamos a chave.
“Gente quer comer/ Gente quer ser feliz/ Gente quer respirar ar pelo nariz. Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome” (Caetano Veloso).
* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições
Desinvisibilizar e indignar-se
