Adriana Dorazi – especial para o Tribuna
Para algumas pessoas os piores anos da pandemia da covid-19 foram ainda mais cruéis. É o caso da família do contador Deivison Correia de Melo, com 30 anos, morador em Ribeirão Preto. Ele perdeu a esposa Adriana para a doença. Dor também para a pequena Christina, de sete anos, filha do casal e que tem Síndrome de Down.
Deivison e Adriana ficaram juntos onze anos. Descobriram a síndrome da filha ainda na gestação. “Quando passamos a enfrentar a alteração nos exames da gravidez ficamos ainda mais unidos e o tratamento foi iniciado no Hospital das Clínicas”, conta. Ele relembra que a mãe da Christina se adaptou a essa realidade e organizou a rotina especializada para a condição da filha. Muitos tratamentos, terapias e desafios começariam a partir daquele instante.
“Hoje minha filha é muito bem assistida na rede pública de saúde, mas é uma rotina cansativa. Sempre fui em todas as consultas, em todos os momentos dela, mesmo trabalhando como autônomo 12 horas por dia. Ser pai é isso, é fazer bem esse papel, ser pai é estar lá. Seu filho precisa de você presente mesmo com os compromissos da vida. Por mais que todos precisemos de ajuda, não dá para terceirizar a criação dos filhos”, afirma.
Ele ainda destaca que é na infância que os cuidados precisam ser redobrados para que o futuro seja mais tranquilo. “Deixei de atender clientes ou adiei alguma reunião porque fazia muita diferença para a Christina eu estar com ela. Conviver com a família sempre foi e é muito importante pra nós. Na festa de cinco anos dela, em 2020, parte dos convidados participou por vídeo chamada. Mas estavam lá porque valorizamos isso”, relembra.
Perdas e vitórias
Esse pai tem uma empresa familiar de monitoramento de alarmes. Adriana era professora de inglês e passou a dar aulas on-line. Em maio de 2021 eles confirmaram a contaminação da covid-19 no pai dela, depois que a irmã dele faleceu em decorrência da doença. “No dia cinco de maio de 2021, meu aniversário, recebi uma ligação da minha esposa dizendo que a oxigenação dela estava baixa. Ela havia comprado um aparelho para medir a condição de todos em casa com medo da covid”, relembra.
Na consulta da UPA a oxigenação de Adriana havia baixado ainda mais e foi necessário interná-la. “Ela já se despediu de mim. Acho que ela sentia que algo poderia acontecer. Lembro dela chorar muito na cadeira de rodas apesar de não ter sintomas graves. Só me pedia para cuidar da Christina”, conta.
Deivison disse que explicou para a filha o que estava acontecendo. “Ela perguntou onde estava a mamãe e contei que havia ficado no hospital. Minha filha é muito inteligente e compreende o contexto no qual está inserida. Nunca fomos de enfeitar as coisas para enganar. Na noite seguinte conversamos por vídeo chamada, nem todos estávamos vacinados, então era um clima pesado”, explicou.
A situação foi se complicando com contato apenas pela internet. No sábado, mesmo com auxílio de oxigênio, Adriana dizia que estava cansada. Domingo à tarde já precisava de ventilação mecânica, suporte de fisioterapia respiratória. Ligou chorando e se despedindo. “Horas depois chamaram presencialmente na UPA e entrei para ouvir que ela havia falecido. É tão difícil porque a pessoa que a gente ama se vai, mas o mundo não para. O único lugar no qual a gente é insubstituível é na família”, alerta.
A vida precisa seguir
Deivison conta que a dor dele foi como uma pancada sem tempo para respirar. Ainda conseguiu dar força aos sogros porque entende que perder um filho deve ser ainda mais insuportável já que o tempo nunca tira essa dor, nada substitui. “A gente apenas aprende a conviver com o sofrimento, mas a presença da Adriana em tudo em casa é muito forte. Pedimos ao papai do céu, nas nossas orações toda noite, que Ele cuide da mamãe e abrace-a por nós”, se emociona.
Depois do enterro uma batalha burocrática e a rotina da filha segue. É preciso tirar forças não se sabe de onde. “Reorganizar a vida é difícil demais com essa sensação de vazio. A primeira semana depois da perda dela foi terrível porque a Christina achava que daria pra ligar pra ela ainda. Ter que explicar que a mãe queria muito ficar, mas não pode, requer muito tato. Ela foi para o céu e virou uma estrelinha”, relata.
A Christina chorou e abraçou o pai com força. O que para Deivison foi um bálsamo, porque havia se estabelecido a verdade e é preciso entender a morte. “Ela não foi ao velório e nem viu o túmulo porque para a criança a compreensão é concreta. Precisamos ir passo a passo, mas como sabia das necessidades dela, sempre estive presente desde antes, mantivemos ela segura”, destaca.
Para esse paizão a responsabilidade sobre a vida do filho é igual entre pai e mãe. “Claro fiquei três meses sem trabalhar, reorganizei a vida financeiramente e em estrutura. A família ficou reunida e a vida seguiu para o aniversário seguinte, o primeiro dia presencial na escola. Quando ela for adulta, será adulta pra sempre, então enquanto for criança, especialmente, faço tudo. De arrumar o cabelo e passar gloss, ajudar na lição e ser um faz tudo, mas a mãe é insubstituível apesar de tentarmos suprir”, explica.
“Um dia brincando com a minha filha ela solta essa: papai quando você morrer vou falar pra todo mundo que você era muito legal. Fiquei olhando pra ela e o semblante era de amor, alegria! Falei pra ela: não vou morrer filha. Mas pra ela a falta física se tornou real, possível e aprendeu que é preciso lidar com isso”, comenta.
Ele relembra tudo de bom que a esposa fez por eles até falecer com 46 anos no domingo, Dia das Mães. Agradece a rede de apoio familiar e profissional que tem. “Não sei até qual ponto a Christina vai evoluir, espero que não tenha limites, até onde ela quiser. Não quero comparações, apenas que evolua todo dia, essa é a prioridade absoluta. Por outro lado, vemos pais de crianças neurotípicas cavando diagnóstico, mas o que falta é a presença deles, dedicação. Isso dói na gente”, conclui.