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Escola pública

O Ginásio do Estado, hoje Instituto de Educação Otoniel Mota, era uma escola pública reconhecida pelo nível de ótima qualidade. O seu exame vestibular atraía muitos candidatos tanto de Ribeirão Preto como de toda a região.

O professor Lourenço Torres da Silva ministrava as aulas de latim e tinha um envolvimento muito grande com seus alunos. Foi dele a criação do nosso Parlamento Estudantil. O seu primeiro presidente eleito foi o aluno Rui Flávio Guião. As reuniões eram convocadas para o sábado pela manhã e eram instaladas no maior salão do colégio, o anfiteatro.

É relevante registrar que os debates atraíam não somente notáveis pessoas de Ribeirão Preto como também de São Paulo, como, entre outros, o Desembargador Moura Bittencourt e o Desembargador José Carlos da Silva Arouca.

Moura Bittencourt foi cassado pelo governo militar instalado em 1964 sob a acusação de ter editado um livro subversivo sobre o “concubinato”. O Desembargador Arouca, mesmo após ter sido um dos primeiros colocados no concurso de ingresso na carreira de Justiça do Trabalho somente foi nomeado, muito tempo após, por ato do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Era ele até então advogado de sindicatos trabalhistas.

Um dos momentos mais extraordinários do Parlamento Estudantil foi o debate envolvendo o direito dos analfabetos votarem. Até então os analfabetos não votavam no Brasil! Um número muito grande de estudantes e de convidados participaram do debate. Um dos jornais de Ribeirão Preto anotou que o acontecimento do Ginásio do Estado tinha atraído mais pessoas que a reunião convocada pela Câmara Municipal.

Tendo em conta o desenvolvimento dos trabalhos, um grupo de alunos criou uma academia de letras que passou a se chamar “CAL” ou seja, “Centro dos Amigos da Literatura”. As reuniões eram realizadas nas tardes de sábado. Cada acadêmico tinha um padrinho escolhido. Rubens Ely de Oliveira escolheu Álvares de Azevedo. O Laudo Costa ficou com José de Alencar. O Feres Sabino com Monteiro Lobato. Eu escolhi Machado de Assis.

O grupo foi convidado pelo Padre Celso de Sylos para colaborar com o jornal Diário de Notícias que era mantido pela Arquidiocese de Ribeirão Preto. Tínhamos uma página semanal para divulgar literatura que recebeu o nome de “Turbilhão de Letras”. Escrevíamos usando pseudônimo. O João Cunha era o Pensa Bem. O Feres Sabino era o Tim do Cal. O Henrique Amorim era o Henry Miroma, eu era o Ferreira dos Santos. O Laudo Costa, o Fernando Horta, o Rubens Ely e o Sérgio Arouca assinavam seus nomes de batismo. Éramos ginasianos.

O João tornou-se Deputado Federal. O Feres foi nomeado pelo Go­vernador Franco Montoro chefe de todos os procuradores do Estado de São Paulo. O Henrique Amorim notabilizou-se na área da engenharia agronômica. O Laudo Costa aplicou sua vida como médico dedicado ao estudo do câncer de olhos que, quase sempre atingia crianças. O Fernando Horta transformou-se num dos mais notáveis engenheiros no âmbito de obras públicas. O Rubens Ely faleceu exercendo o cargo de Juiz de Direito. O Sérgio Arouca foi eleito Deputado Federal, depois de administrar a Fiocruz e tornar-se um dos fundadores do SUS: “onde houver dinheiro público a assistência médica será universal”.

Guardo um texto publicado da edição de 31.3.57, sob o título “So­nhando”: “Quando o sol nascer naqueles dias, a grama estará molhada pelo orvalho, sentir-se-á um aroma delicado e agreste no centro da cidade, e o não homem levantará não para ser máquina, mas, sim, para ser novamente homem”.

Poucos anos após o Padre Celso de Sylos também foi preso e o Diário de Notícias deixou de circular. E as escolas públicas mudaram de configuração.

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