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O Chile e sua literatura (27): Juan Rafael Allende

Juan Rafael Allende (1848-1909), filho de pais de classe média, foi um escritor chileno que trabalhou com costumes, sátiras, poe­mas, peças teatrais e artigos de jornais assinados com pseudônimo, como El Pequén (A coruja buraqueira), ONE e El Diablo Azul (O Diabo Azul). Posteriormente, atuando como diretor e ator de suas próprias peças teatrais, assumiu posições moderadas, que se tornaram cada vez mais radicais e comprometidas com o cotidiano popular. De notório anticlericalismo, Allende, durante a Guerra do Pacífico, e os posteriores conflitos fronteiriços entre Chile e Argen­tina, assumiu uma escrita patriótica, fundando, com compatriotas, em 1887, o Partido Democrático do Chile, aspirando total emancipação social, política e econômica do povo. Em 1888, preso por contestar o aumento das tarifas dos bondes de tração animal, foi acusado de incendiar os mesmos, quando, na verdade, instigava os bravos filhos do povo a lutar para não serem explorados.

Reconhecido como o pai da imprensa humorística em seu país, atacou, em sua escrita, a classe política aristocrática e o clero, de­fendendo as ideias de igualitarismo e democracia e ridicularizando os religiosos ao longo de toda a sua produção. Atuando no jornal moderado La Libertad, em 1869, dali seguiu para o Los Tiempos e La República. Com o dinheiro recebido pelo trabalho nos mesmos, Allende fundou, em 1875, o primeiro de uma série de jornais satíricos: o El Padre Cobos, ilustrado por caricaturistas famosos e motivados como ele. Durante esses anos, o autor criticou, aberta­mente, o presidente José Manuel Balmaceda, mas, em 1891, com a eclosão da Guerra Civil, mudou de posição e se opôs ao lado do Congresso, chegando a publicar um jornal diário, El Recluta (jornal), chamando a população para se juntar às forças do governo.

Em 1895, confrontando novamente o clero, em seu jornal El Poncio Pilatos, foi excomungado. Entretanto, não se abalando com isso, fundou novas publicações satíricas, como Don Mariano, El Arzobispo, El General Pililo, El Sacristán e El Tinterillo. No teatro, encenou suas obras com uma companhia que ele mesmo criou e dirigiu. Sucessos populares de bilheteria e tal atuação empreendedora lhe per­mitiu financiar as primeiras tiragens de seus jornais, baseando sua produção teatral em questões políticas e atuais. Em seus últimos anos de vida, abordou os problemas sociais por meio de ensaios. Segundo especialistas, nos últimos anos do século XIX e início do século XX, o autor percebeu que as medidas para acabar com a injustiça e a hegemonia das classes domi­nantes necessitavam ser muito mais decisivas, constatação que o levou, no final da vida, depois de ter sido sistematicamente censurado e exilado, a dedicar-se à escrita de panfletos políti­cos para sociedades operárias, visando não só ao papel sensibi­lizador do proletariado operário e camponês, mas também ao fornecimento de soluções para tais conflitos sociais.

Intelectual popular, representando o povo, educando-o, entretendo-o e por ele sendo muito lido, Allende angariou inimigos políticos, como o arcebispo Valdivieso, que o invejavam bastante por essa proximidade com a cidade, por eles nunca alcançada. Esta aproximação, nada forçada e muito natural, vinha de sua infância, quando, com outras crianças do bairro popular de Chimba, o autor ouvia histórias que formaram sua socialização primária. Mesmo que mais tarde ele tenha entrado na cidade letrada, sua identidade e autoria foram marcadas por essa interiorização da linguagem popular e do mundo que ela carregava, o que se refletiu em suas obras dramáticas, contos, romances, poemas e jornais.

Para o teatro, Allende escreveu as seguintes obras: “El qué dirán” (1872), “El entierro”, “El Jeneral Daza: juguete cómico en un acto i en verso” (1879), “José Romero (alias Peluca) (1880), “Moro viejo…! : juguete cómico en un acto i en verso” (1883), “Las mujeres de la India: drama en tres actos, en verso” (1888), “Huérfano!: drama en tres actos i en verso” (1889), “La República de Jauja” (1889), “Víctima de su propia lengua” (1891), “Un drama sin desenlace: drama en cuatro actos i en verso dedicado a los leales del antiguo Ejército” (1892), “El Cabo Ponce: drama en tres actos i en verso” (1898), “De la taberna al cadalso: drama en cuatro actos y en verso” (1901), “El cuento del tío: juguete cómico en prosa y en un acto” (1904). “De la taberna al cadalso” (Da Taberna à Forca) é uma tragédia moralista contra brechas legais em uma sociedade com alto índice de alcoolismo. Seu gênero satírico, no Chile do século XIX, atingiu sua máxima expressão na vida e obra de Juan Rafael Allende. Suas farsas, romances e poemas, além de seus jornais humorísticos, apresentaram toda sua engenhosidade e habilidade literária à sociedade, zombando da política, da Igreja e dos estratos dominantes da sociedade. Juan Rafael Allende morreu em Santiago, em julho de 1909; pobre, esquecido e com o sentimento cruel de ter “sido vítima das hostilidades e vinganças de todos ou quase todos os meus concidadãos”.

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